Os indicados para o Globo de Ouro de 2022 parecem refletir, em parte, a espiral da vergonha em que a premiação se meteu após vir à tona a falta de ética, diversidade e credibilidade de parte daqueles que os elegem, o que deve culminar em fevereiro com uma cerimônia sem transmissão pela TV.
Com escolhas mais amplas, embora não exatamente mais representativas, a associação de correspondentes de Hollywood —HFPA, na sigla em inglês—, entidade que organiza o prêmio, passa por uma repaginada na tentativa de não sucumbir em completo desprestígio.
Com isso, dos 40 intérpretes indicados nas categorias televisivas, 11 não são brancos. E, embora prestigiar Issa Rae, da ótima "Insecure", ou Uzo Aduba, de"In Tretatment", apenas admita o mérito de duas excelentes atrizes, pôr séries como "Lupin" e "Round 6" entre as melhores obras do ano parece uma tentativa desajeitada de mostrar que o universo se expandiu e não fala mais somente inglês.
Sim, claro, ambas as séries da Netflix são bem-feitas e divertidas —"Round 6", com sua alegoria de capitalismo-totalitarismo, certamente será lembrada por muito tempo. É difícil dizer, porém, que seus méritos artísticos superem a acidez de "White Lotus", da HBO Max, ou o cinismo de "Kevin Can F* Himself", da Amazon Prime Video, por exemplo.
Ou seja, a premiação pode ter aberto os olhos para um mundo menos homogêneo, mas parece continuar distribuindo troféus sem muito compromisso, mais preocupada que é em adular a indústria e manter suas credenciais de acesso.
Assim, temos uma lista encabeçada por dois hits perenes —o drama "Succession", da HBO, com cinco indicações, e a comédia "Ted Lasso", da Apple, com quatro —que são apostas seguras, sem maiores ousadias nem risco de decepcionar porções significativas do público.
Como o Globo de Ouro tem apenas categorias de atuação no caso da TV, além de melhor produção por gênero (drama, comédia ou musical e minissérie), cinco indicações não é um placar desprezível —sobretudo se considerado que todo o núcleo da família Roy está indicado.
Jason Sudeikis em estado de graça, deve sair contemplado por "Lasso", e os correspondentes votantes precisarão se digladiar para escolher se na categoria drama a estatueta vai para Brian Cox ou Jeremy Strong (pai e filho na série), o que poderia beneficiar o azarão Lee Jung-jae, o carismático Seong Gi-hun de "Round 6".
Os páreos femininos trazem menos clareza. O prêmio na categoria dramática parece balançar entre Aduba e Jennifer Aniston, de "The Morning Show", com Michaela Jaé Rodriguez, de "Pose", correndo por fora; na comédia, Jean Smart, de "Hacks", parece a favorita, com chance para Issa Rae.
A dissolução de votos e a erosão da própria associação de correspondentes parecem refletir a mudança dos tempos na produção de audiovisual, na qual público e plataformas parecem extensos e difusos demais para dar importância para um prêmio como o Globo de Ouro.
A desgraça da HFPA é um catalisador do fenômeno. Oscar e Emmy ainda resistem como um lastro levemente esmaecido, mas mesmo eles perdem importância rapidamente.
Com algoritmos e o fim da TV linear (em que a programação segue uma ordem específica), o espectador nunca se sentiu tão soberano, e a publicidade trazida por premiações vale menos. Em vez de apontar tendências, os troféus agora apenas as reconhecem —se tanto.
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