Saiba por que, ao contrário de Mario Frias, novos chefes da Cultura evitam as redes

Pesquisadores dizem que discrição na internet visa evitar desgaste da imagem de Bolsonaro antes das eleições

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São Paulo

As redes sociais do alto escalão da Cultura do governo Bolsonaro agora são diferentes —quando elas existem. As nomeações, na semana passada, de novos servidores para cargos de chefia na Secretaria Especial da Cultura e na Fundação Palmares sinalizam uma mudança na face pública virtual da administração federal.

Saem de cena a estridência e a belicosidade das postagens do trio formado por Mario Frias, ex-secretário especial da Cultura, André Porciuncula, ex-chefe da Lei Rouanet, e Sérgio Camargo, ex-presidente da Fundação Palmares, nas quais eram comuns ofensas a artistas, críticas à lei de incentivo e ao movimento negro, e vão para o holofote servidores que mal têm redes sociais ou as usam com pouca frequência.

Helio Ferraz De Oliveira, à esquerda, com Mario Frias - helio.ferraz1982 no Instagram

Hélio Ferraz de Oliveira, o novo secretário especial da Cultura, é o mais ativo dos novos nomes. Em seu perfil no Instagram, ele alterna fotos de pasteis de Belém e de personagens da Disney com postagens escritas num português com erros nas quais defende as causas de seu antecessor, porém em tom menos agressivo do que Frias.

Desde que assumiu o cargo, na quinta-feira (31), o novo secretário especial da Cultura só postou uma vez. Ele se manteve em silêncio, por exemplo, sobre o veto de Jair Bolsonaro à Lei Paulo Gustavo, que injetaria R$ 3,86 bilhões na cultura do país e era tema de escárnio frequente no Twitter de Frias. O ex-secretário, aliás, parabenizou Bolsonaro pelo veto em seu perfil.

Outra peculiaridade é que o novo chefe da Cultura não tem Twitter, ou, se tem, é uma conta pouco conhecida ou fechada. A plataforma foi a ferramenta preferida de Frias —e também de seu braço direito, o ex-chefe da Lei Rouanet, Porciuncula— para anunciar políticas públicas que dias depois apareceriam no Diário Oficial, a exemplo das mudanças recentes na lei federal de incentivo à cultura.

Lucas Jordão Cunha, o novo secretário de fomento, tem apenas um perfil no Instagram, numa conta fechada e com poucos seguidores. Já o recém-empossado presidente da Palmares, Marco Antonio Evangelista, nem nas redes sociais parece estar. Uma busca por seu nome no Google retorna pouca informação além de um currículo no sistema Lattes atualizado pela última vez em 2013.

Por que o governo escolheu para a Cultura, neste momento, servidores com presença tímida na internet? Para o sociólogo Paulo Niccoli Ramirez, professor da ESPM, trata-se de uma dupla estratégia do gabinete de Bolsonaro às vésperas das eleições.

Servidores discretos nas redes sociais, afirma Ramirez, têm a "intenção de agradar o centrão, e silenciar qualquer problema e novas polêmicas que possam prejudicar Bolsonaro". As polêmicas causadas por Frias e Porciuncula recebiam uma onda de reações negativas da classe artística, que, valendo-se da influência que tem sobre seus milhões de seguidores, acabava colocando parte da opinião pública contra o governo.

A ideia, acrescenta o professor, é também conquistar os votos dos eleitores da direita moderada, que provavelmente votariam em Sergio Moro, agora fora da disputa para as eleições presidenciais. Ramirez define este eleitorado como neoliberal e não conservador na pauta de costumes, preocupado com a diversidade nas empresas e a questão do racismo em instituições públicas.

"Os falastrões que faziam parte da pasta da Cultura", prossegue Ramirez, agora se beneficiam da popularidade que as polêmicas lhes trouxeram, tentando converter este capital em votos. Frias e Camargo concorrem a deputado federal por São Paulo, e Porciuncula, a deputado federal pela Bahia, todos filiados ao Partido Liberal, o mesmo de Bolsonaro.

Para a professora e pesquisadora da Escola de Comunicação da UFRJ Ivana Bentes, Frias na Cultura e Camargo na Palmares já cumpriram a agenda moral e a guerra cultural que Bolsonaro anunciou que faria, ao colocar um negro contra os interesses dos negros e um ator de TV para desmontar o campo cultural.

Bolsonaro pode se vangloriar deste cenário de destruição com seus eleitores, diz ela, acrescentando que tudo bem entrarem burocratas ou funcionários de carreira agora. "Se não fizerem nada estarão ajudando a avançar o processo de deterioração que foi iniciado."

Além disso, para Bentes, o "discurso alucinatório" que elegeu Bolsonaro, de ditadura gay, mamata da Rouanet e ameaça comunista se enfraquece diante de uma economia deteriorada, da alta dos combustíveis e do desemprego.

Ela também lembra o poder de mobilização de artistas, celebridades e atores contra o presidente, o que chama de "ativismo mainstream" por não vir nem da esquerda, nem da direita, nem de grupos sectários.

Cita como exemplo a reação ruidosa de Anitta e Pablo Vittar contra a tentativa de censura do Tribunal Superior Eleitoral a manifestações políticas no festival Lollapalooza. "FORA BOLSONAROOOOO", escreveu Anitta numa rede social, chamando a medida de censura.

Wilson Gomes, professor titular de teoria da comunicação da UFBA e colunista deste jornal, afirma não saber se há uma intenção clara na escolha de perfis discretos, mas a estratégia do bolsonarismo de recrutar todos os perfis ruidosos e com visibilidade para tentar mandatos está evidente.

"Resta saber se o propósito é baixar o perfil —ou a capacidade de criar rumor e atrair a atenção—, ou é se deixar os cargos em compasso de espera para alguma indicação futura dos aliados, se for necessário acomodar interesses", afirma.​

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