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Em novo 'Doutor Estranho', multiverso expõe nossa loucura, diz Cumberbatch

Segundo longa protagonizado pelo mago atravessa mundos possíveis com boa dose do terror típico do diretor Sam Raimi

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São Paulo

Super-herói da Marvel, indicado ao Oscar por "Ataque dos Cães", defensor da diversidade e da representação LGBTQIA+ nas telonas —mesmo sendo um britânico branco, hétero e pai de três filhos—, celebridade filantropa disposta a abrigar refugiados ucranianos em sua casa. Até já salvou um ciclista de quatro assaltantes em Londres.

São muitos os títulos e papéis que a mídia estampou para o ator Benedict Cumberbatch, que estrela a nova cartada da Marvel, "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura". E dessa vez ele encarna não apenas o mago do título, mas pelo menos três versões diferentes do personagem.

pôster de filme
Benedict Cumberbatch e Elizabeth Olsen em pôster do filme 'Doutor Estranho no Multiverso da Loucura' - Divulgação

Isso é fruto da herança dos últimos longas da grife que, muitas vezes incapazes de fugir da fórmula estabelecida desde 2008, com "Homem de Ferro", estão escapando da continuidade clássica para explorar outros mundos possíveis —o tal do multiverso.

Não era uma palavra comum na época de conterrâneos de Cumberbatch como Peter Sellers —conhecido por viver vários papéis num mesmo filme, muitas vezes com efeito cômico, vide "Dr. Fantástico". "Ou talvez um Alec Guinness", diz o ator em entrevista a este repórter, lembrando o ator que viveu oito papéis em "As Oito Vítimas".

No filme, Stephen Strange tem de defender a novata America Chavez —vivida por Xochitl Gomez, atriz americana de ascendência mexicana— de forças malignas que querem sacrificá-la para roubar seu poder de viajar pelo multiverso.

Apesar da pretensa seriedade, não deixa de ser engraçado ver Cumberbatch correndo com um rabo de cavalo ou com uma barbicha desgrenhada e um terceiro olho na testa, só para falar das versões já exibidas em trailers do filme que chega nesta quinta-feira (5) cercado de "alertas de spoilers".

Não é para menos. O último "Homem-Aranha: Sem Volta para Casa", ao reunir os três atores que consagraram o herói —e "esconder" esse detalhe até a estreia—, rendeu a terceira maior bilheteria dos EUA.

E o cuidado não parte apenas dos fãs, que irão ansiosos pelas surpresas, mas de toda a produção, com suas sacadas de marketing e ao impedir que Cumberbatch comentasse seus diversos papéis para poupar a audiência. "Foi uma ótima autoterapia para o personagem e um bom desafio de atuação", resumiu.

Mesmo assim, não deixou de dar suas impressões sobre o multiverso, que para além de ampliar as possibilidades da trama, parece aproximar uma necessidade de dar novas camadas aos personagens.

Nisso, o Doutor Estranho —com toda sua faceta psicodélica que o acompanha desde a origem nas HQs, na década de 1960, passando pelo autoconhecimento que marcou o filme de 2016— é o personagem certo para abordar os efeitos terríveis provocado pela interação entre esses mundos.

"Realmente espero que não exista um multiverso. Se houver, não quero ter nada a ver com ele, nosso mundo, nossos dramas e vidas já são complicadas o suficiente no dia a dia", brinca Cumberbatch. "É como [nos versos do poeta] Walt Whitman: 'eu contenho multidões', isso é com todo mundo".

Além dos aspectos comerciais, para o ator, o multiverso aponta para todas as nossas loucuras, como sugere o título de tintas aventurescas. "São os problemas do mundo real que todos temos e que envolvem interpretarmos sempre vários papéis num mesmo mundo".

O próprio filme, aliás, sofreu com isso devido à censura em países como a Arábia Saudita, que pediu à Disney que cortasse um trecho de poucos segundos em que faz referência às mães de America Chavez. A cena não passa de um curto flashback, sem referências sexuais, mas definitiva para o caráter da personagem.

Cumberbatch considera porém que os estúdios estão sendo mais persistentes em trazer representatividade do que os ataques de seus detratores —que incluem não apenas as comissões de censura, mas mesmo colegas de Hollywood (como Sam Elliott, que criticou as referências gays em "Ataque dos Cães" e depois pediu desculpas) ou fãs conservadores que não querem heroínas menos sexualizadas ou defensores homo ou bissexuais.

"E mesmo que acabemos vivendo numa utopia, com igualdade e aceitação, acredito que a personagem [Chavez] exista independente disso. [Além da comunidade LGBTQIA+], ela representa a América Latina e é responsável por conduzir a história com suas habilidades", afirma.

Outra estrela que abrilhanta o lançamento é o diretor Sam Raimi, responsável pela revolucionária trilogia original de "Homem-Aranha" nos cinemas, com Tobey Maguire. Mas dessa vez, além da experiência no gênero, o cineasta vem dar um novo sentido à "mão chifrada" do Doutor Estranho, e a transforma menos numa referência mística que num símbolo rock'n'roll e demoníaco. Na Itália, a mão teve de ser alterada num pôster para que os espectadores não achassem que fosse um xingamento.

O cineasta Sam Raimi em evento para fãs em Londres com o lançamento de 'Doutor Estranho no Multiverso da Loucura' - Hannah McKay - 26.abr.2022/Reuters

É o terreno ideal do autor de outra trilogia clássica do cinema de terror, conhecida por aqui como "A Morte do Demônio", ou pelo oitentista "Uma Noite Alucinante". E pelo resultado, alguns críticos apontam que a visão do cineasta foi certeira para contrastar com as insuportáveis piadinhas da Marvel.

Raimi não era o primeiro nome do projeto, que na pré-produção estava com Scott Derrickson, diretor do filme de 2016. E Kevin Feige, presidente do Marvel Studios, segue conduzindo o império bilionário com mão de ferro. Então, se o espectador deve sair com a impressão de ter visto um filme da marca, também não vai ficar sem uma boa dose de referências ao horror.

Do voyeurismo de um monstro invisível, passando pelo gosto por maquiagens grotescas, zumbis, demônios, fantasmas, bruxaria, livros enfeitiçados —o conhecido Necronomicon só muda de nome —, Raimi faz um festival infernal. E sem entregar demais, sim, muita gente vai morrer —mas é no multiverso.

O produtor e presidente da Marvel Studios, Kevin Feige, em premiere do filme 'Doutor Estranho no Multiverso da Loucura', em Los Angeles - Mario Anzuoni/Reuters

"Há todo aquele horror escrachado e os sustos que marcaram seu cinema", diz Cumberbatch. "Em termos de tom, é bem a praia dele". Resultados à parte, é um retorno de Raimi à direção após o fracasso artístico e comercial de "Oz: Mágico e Poderoso", de 2013, e que os fãs preferem varrer para debaixo do tapete.

"A reputação fala por ele", conclui Cumberbatch sobre o cineasta cujo nome se tornou grife. Arremata com uma anedota. "Em um ensaio ele gritou, brincando: 'eu sou Sam Raimi! E estou dirigindo esse filme!'".

Pode até ser. Mas nesse conflito de egos, a ver se a audiência vai preferir seu repertório excêntrico ou os "fan services" que o poderoso chefão Feige planejou para continuar sob controle desse universo.

Doutor Estranho no Multiverso da Loucura

  • Quando Estreia na quinta (5)
  • Onde Nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Benedict Cumberbatch, Elizabeth Olsen e Xochitl Gomez
  • Direção Sam Raimi
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