Funcionários do Masp afirmam que fotos do MST não foram censuradas

Em meio a demissões, eles apontam que produção está sobrecarregada e que houve falhas de comunicação na montagem

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São Paulo

O Masp vive uma grande crise nas últimas semanas, depois de cancelar o lançamento de um livro de Guilherme Bolous e ver ruir um núcleo de obras da maior mostra do ano no museu.

O cancelamento do setor "Retomadas", da exposição "Histórias Brasileiras", se deu pelas curadoras em resposta ao veto que a instituição fez a fotos do Movimento Sem Terra, o MST, e de movimentos indígenas, afirmando que o pedido de inclusão das obras foi feito fora do prazo.

A pergunta que paira nesse embate, e que fez o museu voltar atrás e propor a retomada do núcleo vetado, é se os dois casos apontam para um processo de censura dentro do Masp. Segundo funcionários e ex-funcionários de setores diferentes da instituição ouvidos pela reportagem, a resposta é não.

Eles apontam, no entanto, uma equipe de produção sobrecarregada e funcionários de várias áreas descontentes com os salários, bem como uma série de atrasos e falhas de comunicação na montagem de "Histórias Brasileiras". A mostra de grandes proporções reunirá 300 obras escolhidas por 12 curadores —toda a equipe curatorial do museu e convidados.

Fotografia de 1996 de André Vilaron, que estaria em núcleo cancelado de mostra no Masp
Fotografia de 1996 de André Vilaron, que estaria em núcleo cancelado de mostra no Masp - André Vilaron/Divulgação

A prova de que o museu não censurou as imagens do MST, justificam pessoas ouvidas em anonimato, é que outras obras sem conteúdo potencialmente político também foram barradas da mostra por uma questão de prazo.

Essa narrativa é corroborada por um email de abril de Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp, a que a reportagem teve acesso e no qual ele fala que vários outros curadores pediram substituições e acréscimos e também foram negados.

Nessa mesma conversa, a curadora Clarissa Diniz afirmava que incluir o conjunto de fotografias do MST não se tratava de abrir uma exceção e que, numa reunião com a produção, haviam "deixado claro que a impressão de imagens não seria um problema".

Funcionários afirmaram que o cronograma mais recente de "Histórias Brasileiras" foi combinado para que a produção pudesse trabalhar com algum respiro, dado que a equipe de produtores do Masp é a mesma para todas as exposições do museu e está sobrecarregada.

"Histórias Brasileiras" era tocada por três produtores, mas um quarto foi contratado para dar conta do fluxo. A saída recente de "duas pessoas importantes na área de produção configurou uma sobrecarga adicional à área", disse o Masp.

Embora o museu tenha afirmado que as fotos do MST não foram incluídas por descumprimento do prazo, as curadoras Sandra Benites e Clarissa Diniz afirmaram que nunca foram informadas de um cronograma e que nunca atrasaram a definição da lista de obras do núcleo "Retomadas".

Pessoas envolvidas com a montagem de "Histórias Brasileiras" afirmam que as curadoras exageraram em cancelar o núcleo e dizem que não faz sentido transformar uma questão de cronograma numa agenda política.

As curadoras, no entanto, disseram numa nota pública que não se trata de uma questão de produção.

"Afinal, há alguma racionalidade em, cerca de 80 dias antes da abertura de 'Histórias Brasileiras', preferir cancelar mais de 50 tratativas de empréstimo/comissionamento do que, mediante o reconhecimento do equívoco da instituição, fazer outros três termos de empréstimo e imprimir suas respectivas seis fotografias?", questionaram. As obras vetadas são um conjunto de seis imagens dos fotógrafos João Zinclar, André Vilaron e Edgar Kanaykõ.

Diniz, a curadora, reforçou ainda que "o museu se manteve irredutível e não permitiu a formalização do empréstimo das seis fotografias, apesar de a inclusão das referidas imagens nem sequer envolver transporte ou seguro, pois se tratava de cópias de exibição produzidas mediante a impressão de arquivos digitais".​

Por mais que imprimir uma imagem em São Paulo seja um processo mais simples do que fazer o empréstimo de uma obra que exige transporte de outro estado, por exemplo, um produtor afirma que a inclusão de itens em cima da hora implica um aumento de orçamento, de modo que uma planilha de custos apertada precisaria ser revista para incluir novas impressões e molduras.

O produtor diz ainda que é difícil fazer alterações em exposições gigantes, como é o caso de "Histórias Brasileiras", cenário diferente de uma exposição menor, em que há mais maleabilidade para incluir obras no último minuto.

No racha causado pelo episódio em "Histórias Brasileiras", dezenas de nomes de peso das artes apoiaram a atitude das curadoras de cancelar o núcleo, uma tomada de posição em conjunto rara de acontecer no meio.

Jonathas de Andrade, artista que representa o Brasil na Bienal de Veneza, e Douglas de Freitas, curador de Inhotim, postaram emojis de coração e mãos batendo palma na seção de comentários do Instagram de Diniz. Hélio Menezes, um dos curadores da próxima Bienal de São Paulo, também defendeu a dupla de curadoras nas redes sociais.

Depois do cancelamento —que também prejudicou dezenas de artistas que esperavam ser exibidos— Cildo Meireles, um dos mais importantes artistas em atividade, retirou da mostra suas três obras. Sandra Benites, primeira curadora indígena num museu brasileiro, pediu demissão.

Em meio a esse cenário, houve ainda a saída de um funcionário do acervo da instituição, Erick Santos, e do curador-chefe, Tomás Toledo, ainda que esses pedidos de demissão não estejam relacionados com os episódios recentes.

O que pessoas relacionadas à instituição reforçam é que as equipes do museu, além de estarem sobrecarregadas, ganham salários que estão aquém do nível de responsabilidade e de volume de trabalho que é exigido. O museu se defende, dizendo que "procura praticar salários compatíveis com o mercado e com outras instituições brasileiras".

A situação se agrava dado que o Masp vem sofrendo um baque financeiro com as mudanças nos mecanismos de incentivo à cultura no governo Bolsonaro. Em 2020, a instituição captou cerca de R$ 21 milhões pela Lei Rouanet, valor que caiu para R$ 16,7 milhões no ano passado.

"Em 2022, não recebemos nenhum aporte, e o museu vem operando com o restante dos aportes do ano anterior e receitas provenientes de outras fontes", afirmou a instituição.​

A avaliação unânime entre os envolvidos é que há um problema de comunicação dentro do Masp, a começar pelo evento com Guilherme Boulos. O manual de conduta do museu proíbe qualquer tipo de evento político-partidário e, ainda assim, o lançamento do livro foi aprovado.

Ainda não ficou claro por que a instituição aceitou fazer o evento se ele já descumpria o regulamento, mas funcionários acreditam que tenha sido erro de avaliação da equipe que aprovou o pedido da editora.​ O museu não quis comentar esse ponto.

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