Masp veta fotos do MST em exposição e suas curadoras desistem de montar projeto

Museu afirma ter recebido a relação do material após o prazo estipulado e nega que ação seja censura de conteúdo

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São Paulo

Parte da exposição do Masp "Histórias Brasileiras", prevista para julho deste ano, foi cancelada após o museu vetar um conjunto de documentos e fotografias do Movimento Sem Terra, o MST, além de fotografias dos artistas João Zinclar, André Vilaron e Edgar Kanaykõ. Esta é a maior exposição do Masp neste ano.

Foto de protesto do MST
Foto de André Vilaron que faz parte de conjunto vetado pelo Masp em mostra que teve núcleo cancelado - Divulgação

Artistas e outros envolvidos no núcleo denominado "Retomadas" foram informados da decisão pelas organizadoras dessa parte da mostra, Sandra Benites e Clarissa Diniz, curadora-adjunta e curadora convidada da instituição, nesta ordem, em email assinado por ambas.

Segundo as organizadoras, o museu afirmou que o conjunto de documentos e fotografias não poderia integrar a mostra porque foi requisitados após o prazo estipulado pelo museu para o empréstimo das obras. Elas afirmam, no entanto, que não foram informadas dessa data máxima definida pela instituição.

O museu afirma ter recebido a relação desse material com pouco menos de três meses de antecedência da abertura da mostra, o que extrapola os prazos para a execução de procedimentos como a solicitação do empréstimo das obras e a cessão do uso de imagens. O padrão do Masp é de quatro a seis meses, e essa informação constava no contrato das curadoras, dizem representantes do museu, acrescentando ainda que o prazo foi reiterado a elas numa reunião.

"No entanto, o museu conseguiu atender sim um dos pedidos das curadoras, de maneira excepcional, para incluir as obras pertencentes ao acervo do Movimento Sem Terra, um total de sete cartazes e documentos. O que não foi possível incluir foram seis fotografias de três fotógrafos. Embora esse material representasse o eixo central do núcleo, ele foi entregue ao museu fora do prazo", acrescenta a instituição.

O email das curadoras foi enviado na mesma semana em que o lançamento do livro "Sem Medo do Futuro", de Guilherme Boulos, do PSOL, que aconteceria também no Masp, foi cancelado pela instituição. O museu alegou que o evento não estava de acordo com as suas diretrizes, que proíbe manifestações políticas.

No email enviado aos artistas, as curadoras afirmaram que "apesar do cuidadoso trabalho realizado, para a nossa surpresa, o Masp não concordou com a integral inclusão da representação das retomadas pelo suposto descumprimento de um prazo que não nos foi informado pela produção ou pela curadoria do museu".

"Impedidas de levar adiante nosso acordo com o Movimento Sem Terra, seus fotógrafos e Edgar Kanaykõ como sanção a um erro que sabemos não ter cometido, nos sentimos desrespeitadas, injustiçadas e instadas, em consequência de tal decisão, a trair a confiança deste que não é só o maior movimento social do Brasil, como também é a coluna vertebral do 'Retomadas'", justificaram elas ainda no email.

Um dos artistas que estaria nessa parte da mostra e que não quis se identificar na reportagem afirmou que recebeu "com tristeza" o ​email das curadoras e que aguarda a posição do museu. O núcleo contava com dezenas de artistas, tanto em ascensão quanto consagrados, entre os quais Denilson Baniwa, Oswald de Andrade, Paulo Nazareth, Sebastião Salgado e Lourival Cuquinha.

O MST manifestou "indignação" com a atitude do museu em nota, Nela, membros afirmam serem "testemunhas da forma ética e profissional com que as curadoras e os acervos parceiros se empenharam na produção do projeto".

"Ao inviabilizar a inserção da totalidade desses documentos, o que de fato se efetiva é a exclusão de um dos maiores movimentos sociais da história contemporânea brasileira e latino-americana", afirmam ainda, na nota. Segundo o movimento, a atitude está inclusive em desacordo com a função social da instituição museológica.

Na ocasião do cancelamento do evento de Boulos, caso revelado pelo Uol, o museu afirmou que "o lançamento precisou ser cancelado por não estar de acordo com o Artigo 2, Parágrafo Terceiro do estatuto social do Masp, que expressa a 'vedação à realização de quaisquer manifestações de caráter político e/ou religioso', impossibilitando que o museu atue como sede de qualquer tipo de evento relacionado a esses temas".

​A editora do livro, a Contracorrente, ainda assim lembrou que a equipe já havia feito visitas técnicas, assinado a minuta contratual e até mesmo iniciado a divulgação do lançamento.

"Histórias Brasileiras" é a maior mostra do Masp deste ano, e ocupará dois andares do museu com suas mais de 300 obras. A exposição conta com 12 curadores. O museu afirma que, dada a dimensão da mostra, é necessário mais rigidez e disciplina com relação a todas as instâncias e que os organizadores de todos os núcleos da mostra estavam cientes disso. Diz ainda que outros curadores também tiveram de cancelar empréstimos.

"Não se trata então de uma restrição em termos de conteúdo, mas sim única e exclusivamente de cronograma institucional", afirma o museu.

Um curador que também não quis se identificar e que conhece o funcionamento de grandes museus brasileiros afirma que normalmente há alguma flexibilidade para o cumprimento de cronogramas de produção, sobretudo quando são obras centrais para o argumento de uma exposição, como é o caso em questão.

Além disso, diz ele, obter empréstimos dentro do Brasil, como no caso das obras do MST, seria menos trabalhoso do que viabilizar empréstimos internacionais, porque fica eliminada parte da burocracia.

Ainda segundo o curador, em condições normais a produção seria a grande autoridade de uma montagem de exposição, porque essa área sabe o tempo que se leva para conseguir, transportar e montar as obras, mas no dia a dia dos museus a curadoria está acima da produção nas decisões.

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