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'Stranger Things' e 'Top Gun' mostram que Hollywood quer lucrar com o passado

Indústria descobriu que estrelas de filmes clássicos, como 'Halloween' e 'Jurassic World', atraem mais público

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Montagem de filmes

Ilustração a partir de cenas de 'Top Gun: Maverick', 'Halloween Kills', 'Chucky', 'Blade Runner 2049' e 'Jurassic World: Domínio' Márcio Sampaio

São Paulo

Quando Winona Ryder apareceu em meio a luzinhas de Natal piscantes, sofrendo pelo filho na primeira temporada de "Stranger Things", mal sabíamos que a série marcaria uma virada em sua carreira –de polêmicas pessoais e papéis desimportantes, ela reencontraria o estrelato.

E também não é leviano dizer que, por outro lado, seu rosto, símbolo de uma geração oitentista que cresceu com "Beetlejuice" e "Atração Mortal", ajudou a série a se tornar um grande fenômeno da cultura pop. Ela não só chancelou e deu autenticidade ao clima vintage da história, como também ampliou seu público para além daquele mais jovem e antenado que frequentava o streaming em 2016.

Ryder é um exemplo um pouco mais abstrato, mas ainda assim importante, de como Hollywood tem se apegado a seus astros do passado para reviver franquias –ou, no caso de "Stranger Things" e seu caldeirão de referências, apresentar um universo a novas gerações. É o que também comprova o sucesso dos filmes "Top Gun: Maverick" e "Jurassic World: Domínio".

O primeiro, sequência de "Top Gun: Ases Indomáveis", de 1986, é, surpreendentemente, a maior bilheteria do ano até agora –no Brasil, voltou a liderar a arrecadação na semana passada, mesmo um mês depois da estreia. O segundo, encerramento da nova trilogia inspirada no clássico dos anos 1990 "Jurassic Park", já é a quarta, mesmo sendo um fiasco na avaliação dos críticos.

Em comum, ambos têm o fato de estarem fazendo mais dinheiro do que o esperado e a presença de seus astros originais em cena –Tom Cruise e o trio formado por Sam Neill, Laura Dern e Jeff Goldblum. Mas esses filmes não são, definitivamente, os primeiros a descobrir que contratar astros da velha guarda pode ser uma boa ideia.

Vários estúdios e produtores já sacaram que a estratégia rende bons frutos. No terror, "Halloween" e "Pânico" trouxeram Jamie Lee Curtis e Courtney Cox, respectivamente, de volta, triunfando depois de anos de sequências e remakes desastrosos.

Michael Myers, em 2018, agarrou US$ 255 milhões em ingressos, contra um orçamento de apenas US$ 15 milhões. "Pânico", há alguns meses, recebeu 76% de aprovação no agregador de críticas Rotten Tomatoes, na cola dos 79% que o original obteve em 1996.

Entre os heróis, "Homem-Aranha: Sem Volta para Casa" reergueu as bilheterias pandêmicas ao pôr Tom Holland ao lado dos intérpretes anteriores do personagem, Tobey Maguire e Andrew Garfield. Arrecadou quase US$ 2 bilhões, o dobro do primeiro filme da série. E, se Ezra Miller se comportar, seu "The Flash" ressuscitará o Batman de Michael Keaton no futuro próximo.

Na televisão, "Obi-Wan Kenobi" capitalizou em cima de fãs sedentos para ver Ewan McGregor segurar novamente seu sabre de luz, e "Chucky" devolveu ao serial killer de plástico a voz de Brad Dourif e a amante vivida por Jennifer Tilly. Dessa forma, assegurou uma segunda temporada e matou as pretensões de uma nova franquia nas telonas, depois de o "Brinquedo Assassino" tecnológico de 2019, começado do zero, ter sido uma decepção.

De forma semelhante, outro sucesso recente que soterrou uma possível nova franquia ao dar continuidade, e não refazer uma história antiga, foi "Ghostbusters: Mais Além", com os caçadores originais Dan Aykroyd, Bill Murray e Ernie Hudson, em vez das protagonistas femininas do fiasco "Caça-Fantasmas" de 2016.

"A reação das pessoas ao trailer que revelou que Laura Dern e Sam Neill estariam no novo ‘Jurassic World’ foi um sinal claro de que a Universal esperava que a lembrança da franquia original impulsionasse essa nova", diz Andrew Shail, professor da Universidade de Newcastle e autor do livro "The Origins of the Film Star System", sobre as origens da fábrica de estrelas que é Hollywood.

A batalha de bilheteria que o novo "Jurassic World" e "Top Gun: Maverick" encamparam contra "Lightyear" exemplifica bem o poder das estrelas "old school". Os três são novas histórias criadas a partir de uma saga adorada. O terceiro, no entanto, foi uma decepção monetária para os padrões da Pixar, provando que nem "Toy Story" consegue se vender sozinho –no caso, a voz de Buzz era outra e o próprio personagem não era exatamente o brinquedo que todos conhecem.

"Lightyear", em sua semana de estreia nos Estados Unidos, acabou embolsando menos que "Jurassic World", que estava em sua segunda semana, e apenas US$ 7 milhões a mais que "Top Gun", na quarta.

O mesmo vale para "Solo: Uma História Star Wars", de 2018, e para "O Massacre da Serra Elétrica" lançado pela Netflix em fevereiro. Apesar de esse último ser uma nova história a partir de um clássico do gênero slasher, o filme foi rapidamente enterrado nas entranhas da plataforma depois que quase ninguém se importou em dar uma olhada.

Shail percebe uma mudança na indústria, que passou a preferir sequências que estão anos ou décadas distantes de suas obras seminais a remakes moderninhos –o que pode ser reflexo, inclusive, da onda de universos compartilhados que permite que personagens de diferentes narrativas se cruzem quando for conveniente.

Ele elenca uma série de motivos para a tendência. "É a maneira que Hollywood encontrou de ressignificar filmes canônicos e os transformar em peças de publicidade para novas sagas, de atrair espectadores mais velhos para um público cinematográfico que hoje está muito jovem, de explorar economicamente a maior aceitação do envelhecimento e de silenciosamente conter os danos de uma obsessão que sempre teve com a juventude."

É justamente por causa dessa dita obsessão que estrelas como Jamie Lee Curtis e Harrison Ford parecem ter feito retornos triunfais às telas nos novos "Halloween", no primeiro caso, e nas versões recentes de "Star Wars", "Blade Runner" e "Indiana Jones", que ganhará um quinto capítulo no ano que vem.

Esses astros nunca se ausentaram, mas estavam passando despercebidos pelo público mainstream, estrelando filmes menores ou simplesmente ruins, já que os grandes papéis costumam ser reservados a gente mais jovem e, na era das redes sociais, que bomba na internet.

"Se eles precisam de dinheiro ou fama, eu não sei. Mas certamente é bom se ver novamente numa grande tela de cinema", diz James McMahon, professor da Universidade de Toronto que recentemente publicou uma pesquisa sobre padrões de casting em Hollywood.

"Há uma tendência notável, na minha opinião. O principal objetivo é estender a vida útil das franquias, criando oportunidades para construir novas linhas narrativas para personagens adorados. E, em alguns casos, como nos filmes fracos do Homem-Aranha protagonizados por Andrew Garfield ou no boicote tóxico que o ‘Caça-Fantasmas’ feminino sofreu, reabilitar essas franquias."

A fala do acadêmico vai de encontro à necessidade dos estúdios, hoje donos de suas próprias plataformas de streaming, de manter o interesse pelos catálogos que oferecem no sob demanda. Ou seja, ver Laura Dern num dos principais blockbusters americanos do ano pode gerar no espectador a curiosidade de ver seu trabalho em "Jurassic Park", mantendo, assim, o clássico de Spielberg como uma posse valiosa no serviço da Universal.

É Hollywood se retroalimentando, agora com o poder da nostalgia a seu favor –desde que bem executada, pelo que dizem as bilheterias.

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