Saiba como obras do golpe com quadros de Tarsila do Amaral podem voltar ao país

Especialistas dizem que, caso roubo seja provado, proprietária ou o Estado podem pedir trabalhos de volta em processo longo

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Brasília

O suposto golpe entre mãe e filha da família Boghici não atrai a atenção apenas por ser um crime entre membros de uma rica família carioca e que envolve até mesmo videntes.

O caso também ganhou os holofotes por ser de interesse para a cultura nacional, já que diz respeito a quadros icônicos do país —como o "Sol Poente", de Tarsila do Amaral, um dos maiores trabalhos da artista.

Acontece que, caso seja provado que Sabine Coll Boghici vendeu ilegalmente obras que pertenciam ao acervo da francesa Geneviève Rose Coll Boghici, de 82 anos, não será tão simples reaver esses trabalhos, principalmente os dois que já saíram do Brasil. Trazer essas pinturas de volta pode significar dar início a um longo processo, seja ele movido pela proprietária ou pelo próprio Estado, segundo especialistas.

Obra 'Sol Poente', de Tarsila do Amaral, achada em operação
Obra 'Sol Poente', de Tarsila do Amaral, achada em operação - Reprodução

O que é dado como certo é que as obras encontradas pela polícia vão voltar para a dona deles —isso pressupondo que elas não tenham sido objeto de compra ou de venda por um terceiro.

Mas, no caso das pinturas que já saíram das mãos da família e foram comercializadas, a história se complica. A Polícia Civil fluminense já afirmou que pretende notificar os compradores e obrigar todos a devolver as obras, mas existem outros cenários possíveis.

A proprietária mesmo pode entrar numa disputa judicial para reaver os itens, alegando que esses foram vendidos a "non domino"— ou seja, uma comercialização que não foi feita pelo proprietário e que é, portanto, inválida.

Para isso, ela vai ter que provar que não se desfez dos quadros nem tinha intenção de repassar as obras para a filha. Se Sabine Boghici usou, por exemplo, uma procuração no nome da mãe para a venda, aí já fica mais difícil que sua mãe, Geneviève, reverta a venda.

Um advogado especialista na área cultural que pediu para não ser identificado afirma que, no caso das obras que tiverem sido vendidas mediante a intermediação de uma galeria, como no caso das transações internacionais, a empresa também pode ser levada à Justiça. Isso porque, neste caso, foi responsabilidade dela a venda.

Todos esses imbróglios podem levar anos para se resolver, principalmente os das pinturas que estão na Argentina.

"Elevador Social", de Rubens Gerchman, de 1966, e "Maquete para o Meu Espelho", de Antonio Dias, de 1964, se tornaram parte da coleção privada de Eduardo Costantini, fundador do Malba, o Museu de Arte Latino-Americano de Buenos Aires, no ano passado.

Numa entrevista ao jornal La Nación, o colecionador afirmou que Geneviève Boghici já disse a ele que não tem interesse em pedir as obras de volta. Ainda assim, ele corre o risco de ter de devolver os trabalhos.

Duas convenções estabelecem como esses trâmites podem ser feitos, afirma Marcelo Frullani, advogado especializado pela USP e sócio do escritório Frullani Lopes Advogados. "Os órgãos internacionais preveem que deve haver restituição do bem quanto ele é exportado de forma ilícita. O objetivo é proteger não só o proprietário do bem, mas também o patrimônio cultural do Brasil", afirma.

Apesar de não serem tombadas como os trabalhos da Tarsila, as duas pinturas são importantes para a produção brasileira. Dias teve protagonismo na vanguarda dos anos 1960, ao lado de Gerchman. E, neste caso, o Estado mesmo pode comprovar que elas têm uma importância para o repertório nacional e demandar seu retorno.

O direito estabelece que a devolução deve respeitar as convenções internacionais. E isso também não afasta a possibilidade de quem adquiriu a obra comprovar boa-fé na compra com documentos e registros —e até pedir uma indenização ao provar isso. ​

Entenda o caso

Um grupo acusado de aplicar um golpe estimado em R$ 725 milhões na viúva de um colecionador de arte foi alvo de uma operação nesta quarta-feira, no Rio de Janeiro. Nesse valor estão incluídas 16 obras de artistas como Tarsila do Amaral, Cícero Dias e Di Cavalcanti.

Os quadros faziam parte do acervo da francesa Geneviève Rose Coll Boghici, de 82 anos, que os herdou há sete anos, após a morte do marido, o romeno Eugéne Boghici, conhecido como o marchand Jean Boghici. A filha do casal, Sabine Coll Boghici, está entre os presos.

Segundo as investigações da Polícia Civil fluminense, ela e outras seis pessoas de uma mesma família são suspeitas de praticar os crimes de associação criminosa, estelionato, extorsão, roubo e cárcere privado contra a idosa.

No total, quatro suspeitos foram detidos temporariamente nesta quarta e dois continuam foragidos —o sétimo homem morreu. Sabine Boghici foi presa na casa de Rosa Stanesco Nicolau, sua companheira, onde foram encontradas diversas telas embaixo de uma cama.

O cálculo dos R$ 725 milhões inclui as obras de arte avaliadas pela vítima em aproximadamente R$ 710 milhões, joias estimadas em R$ 6 milhões, pagamentos de R$ 5 milhões que teriam sido feitos pela francesa após o suposto golpe, além de outros R$ 4 milhões que teriam sido feitos sob suposta coação e ameaça.

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