Descrição de chapéu

Minha tia não pôde ver o Museu do Ipiranga voltar aos seus dias de glória

A primeira e única visita que fiz à instituição foi ao lado de uma professora que sabia da importância daquele lugar

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Minhas excursões de escola passaram longe do Museu do Ipiranga, apesar de ter estudado em dois colégios que ficavam a não mais do que 15 minutos dali. Sob o olhar dos meus professores, visitei a Catedral da Sé, o Museu da Imigração e até o Museu do Café, na Baixada Santista, mas nunca o prédio histórico que estava tão perto.

Foi só aos 12 anos que conheci o Museu do Ipiranga, graças a uma professora que, na verdade, não me dava aulas –ao menos não formalmente. Era minha tia Soraya.

Foto do Museu do Ipiranga ainda em fase de obras - Rivaldo Gomes/Folhapress

Soraya morreu em fevereiro, precocemente, aos 61 anos. Não viu o Museu do Ipiranga retornar aos seus dias de glória. Nos últimos nove anos em que ele esteve fechado, conversávamos sobre a reforma e, num acordo implícito, sabíamos que voltaríamos lá quando ele fosse reinaugurado, nestes 200 anos da Independência.

Professora da rede municipal de ensino por toda a vida, ela sabia bem da importância que um lugar como aquele tem na formação de uma criança, e mostrava incômodo com o descaso público que o deixou perto de ruir.

Numa temporada que eu e minha irmã passamos em sua casa, Soraya fugiu da obviedade dos cinemas e shopping centers e decidiu que uma visita ao museu seria o auge daqueles dias que ela tentou transformar em férias fora de época, enquanto meus pais estavam distantes, viajando.

Lembro de como fiquei impressionado naquele abril de 2009 ao parar, pela primeira vez, aos pés do edifício amarelado para observá-lo de perto, não mais pela janela do carro que passava pela rua dos Patriotas. Era um dia de sol e, na enorme fila até a bilheteria, pude dedicar um bom tempo a me sentir pequeno diante de uma fachada tão opulenta.

Ao entrar, fui saudado pelas pálidas estátuas dos bandeirantes paulistas que, na reinauguração, continuarão recebendo os visitantes que passam pelo saguão principal –mas, agora, acompanhados por uma linha expositiva que questiona a história sangrenta escrita por eles, algo que pouco preocupava há 13 anos.

Do quadro "Independência ou Morte", de Pedro Américo, tenho poucas recordações, apesar de ele sempre ter sido um chamariz. O que mais ocupou espaço em minha memória foi o trio de mechas de cabelos que teriam sido da princesa Isabel, da imperatriz Leopoldina e da imperatriz Teresa Cristina.

Talvez pelo caráter inusitado atrelado àquele pedacinho sobrevivente de figuras já mortas, essas peças, dispostas quase solitárias numa enorme sala, me chamaram a atenção. Também chamou a atenção o quão vazio era aquele espaço –tenho certeza que em determinado ponto questionei o que parecia uma escassez de itens em exposição.

Nesta semana, ele reabre após uma reforma de R$ 235 milhões e, a julgar pelas expectativas e até pelo tom político que a reinauguração ganhou, não vai faltar o que ver e o que fazer dentro do prédio, que ampliou sua área expositiva. Será um novo museu, um que Soraya esperava muito para ver.

A única foto que tenho daquele dia é de uma versão juvenil de mim, imitando uma estátua, de pé sobre um dos balaústres que escoltam as enormes escadarias de pedra até a fachada. Foi minha tia que sugeriu a pose, hoje um tanto vergonhosa, mas na época motivo para rirmos, algo que ela fazia muito, escandalosamente.

Com a reinauguração do Museu do Ipiranga, espero que ele ganhe lugar cativo na memória de várias famílias brasileiras. Mais importante, que tenha sua relevância reconhecida e que possa se tornar cenário de dias inesperadamente especiais, como foi aquele que minha tia Soraya planejou com tanto carinho.

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