Osesp leva Villa-Lobos e Amazônia ao palco do Carnegie Hall, em Nova York

Orquestra foi a 1ª da América Latina neste século a integrar a temporada por assinatura da sala de espetáculos

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Lúcia Guimarães
Nova York

"Como se chega ao Carnegie Hall?" é a pergunta em uma popular anedota nova-iorquina repetida desde a primeira metade do século 20. A resposta para ela é: "Prática, prática, prática".

Prática não falta à Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, mas a espera para chegar ao Carnegie Hall foi longa e terminou somente na última sexta-feira (14), com o primeiro de dois concertos na sala mais célebre da América do Norte, sob a regência de Marin Alsop.

Imagem de jacaré projetada no palco do Carnegie Hall durante trecho de 'Águas da Amazônia', de Philip Glass - Chris Lee/Divulgação

A obra de Heitor Villa-Lobos foi o fio condutor dos programas, numa turnê com dois concertos anteriores, no Helzberg Hall, da cidade de Kansas City, no Missouri, e no The Music Center de Strathmore, em North Bethesda, Maryland.

Na sexta, pela primeira vez neste século, uma orquestra da América Latina integrou a temporada de concertos por assinatura do Carnegie Hall, da qual também fizeram parte duas das melhores do mundo, as Filarmônicas de Berlim e Viena —a Orquestra Sinfônica Brasileira já havia se apresentado no local, em em 1977.

Mas foi o programa de sábado (15), "The Amazon Concert", que introduziu o público de Nova York à natureza exaltada por compositores como Villa-Lobos e Antônio Carlos Jobim. Uma instalação visual representando biomas brasileiros, criada pelo curador Marcello Dantas, foi projetada em toda a parede do palco do Carnegie Hall.

A sequência musical da noite —75 minutos sem interrupção— foi sincronizada com o programa que incluiu ainda Clarice Assad, Edino Krieger, José Antônio de Almeida Prado, Marco Antônio Guimarães e o nova-iorquino Philip Glass.

O conceito do "Concerto da Amazônia" foi ideia da regente de honra da Osesp, Marin Alsop, que foi também titular da orquestra entre 2012 e 2019. É ela a principal responsável pela inclusão da orquestra na temporada deste ano, já que o Carnegie Hall ofereceu a Alosp a escolha de uma orquestra estrangeira para reger.

Meia hora antes da estreia de sábado, a regente falou com a Folha no camarim. "Disse ao Marcello que queria uma experiência de imersão," afirmou. "A ideia era as pessoas saírem do teatro dizendo ‘uau, este é o Brasil?'."

Alsop, que tem o adjetivo "pioneira" atrelado há décadas ao seu nome —primeira mulher regente de uma grande orquestra nos EUA, na Europa e no Brasil, além de ter criado um programa de bolsas para mulheres regentes—, entregou a sequência musical ao curador. "E ele veio com a ideia de olhar o mundo pelos olhos dos animais."

Assim, estreou no Carnegie Hall um elenco que incluía o pica-pau, a arara, o boto, a aranha, o sapo e a sucuri, representando a Amazônia, o Pantanal e a mata atlântica e desafiando uma nova anedota sobre os caminhos que levam à famosa sala de concertos.

"Nós viajamos pelo Brasil e estudamos com especialistas como os animais veem a floresta, com seus filtros cromáticos, não como nós os vemos" diz Dantas, sobre o processo iniciado no ano de 2019. "Usamos captadores de imagens subaquáticas, outros para imagens aéreas e falamos com especialistas em intimidade com animais."

Um desafio do concerto multimídia é que o vídeo tem duração exata, mas um concerto ao vivo, não. Dantas destaca com admiração a memória visual de Alsop, afirmando que ela acelera ou atrasa as entradas de trechos em total sincronia com a projeção. Ele espera que o "Concerto da Amazônia" possa se tornar peça de repertório de outras orquestras, mas diz que o conhecimento que Alsop acumulou sobre a cultura e a paisagem brasileiras se refletem na regência do repertório.

O diretor-artístico da Osesp, Arthur Nestrovsky, conversou com a Folha enquanto caminhava em Nova York após o concerto, que foi ovacionado de pé. Ele mal disfarçava a alegria, depois de uma década de corte ao Carnegie Hall, em cooperações como a gravação de "Ode à Alegria", da "Nona Sinfonia" de Beethoven em 2020, cujo texto ele traduziu para o português para o coral da Osesp.

Nestrovski diz que o sucesso internacional de Alsop foi um passaporte para a turnê americana. "Música brasileira é nossa missão," diz ele. "Foi o Villa-Lobos que inventou a natureza do Brasil na música. Ele e seu grande sucessor, Tom Jobim, foram pioneiros da causa do ambiente. Neste momento no mundo e no Brasil, era importante a gente assumir essa causa."

Erramos: o texto foi alterado

O texto informava incorretamente que a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo foi a primeira orquestra da América Latina a se apresentar no Carnegie Hall, em Nova York, quando, na verdade, foi a Orquestra Sinfônica Brasileira, em 1977. O trecho foi corrigido.

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