Descrição de chapéu
Filmes

'Pacifiction', na Mostra de SP, é longo e estranho, mas sabe evocar Murnau

Albert Serra dirige filme circular e fascinante, mas não esclarece quais são suas intenções ao longo de quase três horas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Pacifiction

  • Quando Em cartaz na Mostra de SP: Espaço Itaú Augusta, qui. (31), 20h15
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Benoît Magimel, Sergi López e Pahoa Mahagafanau
  • Produção Espanha, França, Alemanha, Portugal, 2022
  • Direção Albert Serra

"Pacifiction" é um filme estranho. Começa com belas imagens da Polinésia Francesa, entre as quais nos revela a boate Paradise, local de diversão no Taiti. Podemos pensar nas cores e na sensualidade dos quadros de Gauguin. Ali logo chega o diplomata De Roller, representante do governo francês.

As imagens da ilha, dos homens e das mulheres continuam a desfilar. Mas por vezes soam um pouco incômodas. Não existe aquele tom paradisíaco do início de "Tabu", o magnífico filme de Murnau, mas sente-se aquele travo amargo do final, de uma cultura em vias de destruição pela invasão branca.

Benoît Magimel em cena do filme "Pacifiction", de Albert Serra
Benoît Magimel em cena do filme 'Pacifiction', de Albert Serra - Divulgação

De Roller tem de tomar conhecimento das coisas no lugar. É um homem não apenas inteligente como hábil, que transita entre nativas sensuais, almirantes, bêbados, franceses, americanos, portugueses, todos um tanto suspeitos, diga-se, mas não se sabe bem do quê.

O que há de mais evidente é certa inquietação na população local em torno da possibilidade de o governo francês reiniciar os testes nucleares submarinos naquela região. Todos sabem os efeitos para a saúde dos testes feitos no passado —o câncer é o mais óbvio e mortal. Alguns estão mais do que inquietos: anunciam a revolta para breve.

O principal líder de uma possível rebelião, aliás, se chama Matahi —que é não só o nome do ator, como o do herói do "Tabu" de Murnau.

De Roller deve auscultar essa população com tato e cuidado. Ora precisará se valer de seu binóculo para ver o que acontece ao longe, ora precisa conversar como quem não quer nada, ora se vê —numa linda sequência, aliás— em meio às ondas enormes da Polinésia, entre barcos e surfistas, fazendo algo que pode ser diversão, mas nunca é inteiramente diversão.

O filme de Albert Serra tem um quê fascinante. Sua construção recusa o andamento linear. Em troca, é como se, junto com De Roller, andasse em círculos.

Trata-se de pacificação. E de pacificação como ato fictício. E mais —seja a pacificação, seja a ficção se dão no oceano Pacífico.

Poucas vezes o trabalho diplomático foi tratado com tanto respeito. Vemos ali um De Roller tateando no escuro, levantando fatos, tentando compreender o que acontece. Nós seguimos juntos, sem saber exatamente para onde estamos indo. Ora De Roller escuta e pondera, ora fala grosso. Lembra que, afinal, ele é o alto-comissário do governo e que a Polinésia Francesa é, afinal, francesa.

A opção de não seguir um caminho linear deixa a impressão de um filme composto com grande liberdade, permitindo que o acaso interferisse sobre os acontecimentos —o que pode ter acontecido em parte porque foi rodado em plena pandemia de Covid-19.

Contribui para essa impressão a interpretação de Benoît Magimel como De Roller, que traz muitos matizes da atividade diplomática: há um tanto de bon-vivant, outro de espião, um quê de humor comunicativo, ágil, um outro tanto de habilidade para contatar seus esquivos parceiros —que nem sempre sabemos se são parceiros, adversários ou inimigos.

Não é questão de o filme —que Serra afirma ser baseado em memórias de Tarita Térripaia, ex-mulher de Marlon Brando por dez anos— se estender excessivamente, por quase três horas. Acompanhar o caminhar cuidadoso, por um terreno minado, durante tanto tempo não é o problema. Mas talvez seja: qual o sentido disso tudo?

No final, "Pacifiction" lembra um pouco a nascente caudalosa e viva de um grande rio, que nos promete uma água abundante e pura, mas que depois de tudo desemboca em um deserto e parece apenas um filete raquítico.

Pois, ao menos até onde pude entender, o sentido final de "Pacifiction", depois muito flutuar, é um tanto vazio. Do filme resta a luminosa lembrança dos gênios que passaram por lá, Gauguin e Murnau. Não é pouco. Mas é menos do que prometia.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.