Descrição de chapéu
Lollapalooza

Entenda os dilemas do Lollapalooza, que chegou à sua 10ª edição no Brasil

Com Rosalía arrebatadora, festival tem estrutura sólida, mas sofre com cancelamentos e, agora, com concorrência inédita

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O Lollapalooza chegou à sua décima edição no país, no fim de semana, vivendo um dilema. Estabelecido na agenda de eventos, com estrutura eficiente, o festival sofre com cancelamentos de shows de toda ordem, denúncias de não respeitar os direitos trabalhistas e, a partir deste ano, ganha uma concorrência inédita.

0Rosalía se apresenta no Lollapalooza
Rosalía se apresenta no Lollapalooza - Bruno Santos/Folhapress

Não é normal que um megafestival simplesmente não entregue dois dos três principais shows anunciados. Blink-182 e Drake cancelaram suas vindas por diferentes circunstâncias, se juntando a uma lista que inclui 100 Gecs, Willow, Omar Apollo e Dominic Fike.

Não é a primeira vez que isso acontece. No ano passado, o Foo Fighters não tocou porque seu baterista morreu dias antes do evento. Snoop Dogg, Tyler the Creator, King Gizzard e Marina and the Diamonds, entre outros, já cancelaram shows em anos anteriores.

Há situações incontornáveis, mas não dá para chamar de bem-sucedido um evento que ano após ano não consegue entregar o que vende. Juntemos a isso a impossibilidade de quem comprou o pacote para os três dias poder pedir o reembolso do dinheiro, disponível apenas para o ingresso diário.

Billie Eilish, jovem estrela da música americana, foi a única dos headliners que cantou. E mostrou sua força, dando a dimensão de um Autódromo de Interlagos a seu pop caseiro, confessional e intimista —reunindo mais de 100 mil pessoas e batendo o recorde de Miley Cyrus, que se apresentou no ano passado.

A presença em peso do público nos três dias, aliás, mostra que o festival se mantém com alta capacidade de mobilização. A organização diz que além dos 103.350 presentes na sexta, o sábado teve 98.500 mil pessoas, e o domingo, 100.750.

Ainda que o público do dia de Eilish faça sentido com o que foi presenciado em Interlagos —o show de Lil Nas X, minutos antes da cantora, foi o mais cheio do palco secundário no ano—, fica a impressão de números inflados em relação ao que é costume.

Não é raro que um dia de Lollapalooza tenha 70 mil, 80 mil ou 90 mil presentes. Em datas com atrações principais cancelando seus shows, a tendência é de plateias mais vazias.

Embora não haja indícios de manipulação dos números, este é o primeiro ano que o Lollapalooza ganha concorrência de peso. No mesmo autódromo, São Paulo vai receber neste ano o The Town, festival dos criadores do Rock in Rio, e o Primavera Sound, que estreou no ano passado e agora se expande para esse espaço.

No autódromo desde 2014, o Lollapalooza tem como trunfo a expertise em ocupar bem o local. Quando o sol ajuda, como neste fim de semana, a franquia paulistana do festival americano consegue proporcionar uma experiência tranquila.

Há quem sofra com a distância entre os palcos, mas a caminhada é acompanhada pela visão, ainda que de longe, dos shows. Esse foi um problema enfrentado por quem foi ao Primavera e teve de andar pela rua, sem contato com os palcos, de um lado a outro do Sambódromo do Anhembi.

Os palcos do Lolla também são grandes, têm espaço de sobra nas laterais e aproveitam o relevo, com os morros facilitando a visão. No Primavera, o maior palco foi parcialmente encoberto por árvores.

No caso do The Town, tendo o Rock in Rio como base de comparação, a visão dos shows e o deslocamento não devem ser problemas. Mas o festival carioca, especialmente no ano passado, teve vários defeitos de som —o show de Avril Lavigne foi praticamente comprometido pelos alto-falantes.

É outra questão que o Lollapalooza domina um pouco melhor. O som do show do Tame Impala, com graves estralados e agudos saturados, sem nenhuma distorção, foi um deleite e uma raridade nos festivais brasileiros, em geral irregulares quanto à regulagem e volume das caixas de som.

Nesse cenário de competição, o Lolla se situa entre o Primavera e o The Town em relação às atrações. Em 2012, quando chegou ao Brasil, o festival não dependia tanto dos headliners e escalava nomes inéditos ou raros por aqui, mesmo que não fossem grandes vendedores de ingressos.

Um exemplo é a edição de dez anos atrás, em que, no mesmo horário, tocaram Nas, lenda do rap americano, Alabama Shakes, então revelação do indie, Franz Ferdinand, um dos nomes mais populares do indie rock, e Queens of the Stone Age, uma das grandes bandas do rock dos anos 2000. Isso tudo antes do headliner, o Black Keys, que concorreu com Criolo e A Perfect Circle.

É uma abordagem mais próxima do Primavera, que traz queridinhos da crítica e artistas no auge, mas que não necessariamente são titãs do streaming.

Ao longo dos anos, o Lolla foi tendo headliners mais pesados, acostumados a lotar estádios no Brasil como Pearl Jam, Red Hot Chili Peppers e Foo Fighters—, e preterindo o recheio do lineup. Mais recentemente, tem escalado nomes famosos nas redes sociais e com apelo para os jovens, mas fora do radar da cobertura especializada aqui ou lá fora.

Assim, se aproxima do The Town, que até agora não anunciou nenhum nome inédito para sua estreia e vai ter Bruno Mars tocando em dois dos cinco dias de festival, além de Maroon 5, Post Malone e Foo Fighters. É a fórmula consagrada pelo Rock in Rio —trazer um gigante que garanta a venda de ingressos e dedicar menos atenção ao restante da escalação.

Neste meio-termo, o Lolla consegue trazer nomes de porte médio que fazem valer o ingresso. Foram os casos de Rosalía, que fez um show arrebatador e cinematográfico, e Lil Nas X, muito celebrado.

O que segue inaceitável são as denúncias, pelo quarto ano consecutivo, da contratação de trabalhadores em situação análoga à escravidão. O Lolla culpa a empresa que prestou o serviço, mas a resposta soa insuficiente para um evento que há anos movimenta tanto dinheiro.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.