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'Entre Mulheres' amplia discussão do MeToo e já nasce como um clássico

Dirigido por Sarah Polley e produzido por Frances McDormand e Brad Pitt, filme tem Claire Foy, Rooney Mara e Jessie Buckley

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Entre Mulheres

  • Quando Estreia na quinta (2) nos cinemas
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Ben Whishaw,Jessie Buckley e Rooney Mara
  • Produção EUA, 2022
  • Direção Sarah Polley

Mais uma vez uma distribuidora brasileira comete o mesmo erro banal: tentar "melhorar" um título considerado não "vendedor", ou seja, que não atrairia o máximo possível de público para os cinemas.

Tudo bem que a intenção é até nobre, afinal, quanto mais gente assistir a essa obra-prima de Sarah Polleyúnico longa dirigido por uma mulher a concorrer neste ano a melhor filme—, melhor. Mas, no fim das contas, o título escolhido, "Entre Mulheres", é só bem mais sem graça.

Judith Ivey e Claire Foy em cena do filme 'Entre Mulheres', de Sarah Polley
Judith Ivey e Claire Foy em cena do filme 'Entre Mulheres', de Sarah Polley - Michael Gibson/Divulgação

O original, o mesmo do livro escrito pela canadense Miriam Toews em que é baseado, é "Women Talking". "Mulheres Falando", em tradução literal.

E sim, claro que tanto a autora do livro quanto a cineasta sabem muito bem o tipo de reação que uma obra chamada "Mulheres Falando" pode despertar. O mix de preconceito com ameaça embutidos nesse nome é uma provocação pensada, não uma descrição de tudo o que acontece na trama, muito menos uma falha do editor.

Como o livro lançado em 2018 (mas não no Brasil), o roteiro do filme descreve uma resposta imaginária a eventos reais e chocantes que aconteceram entre 2005 e 2009 em uma comunidade religiosa isolada e ultraconservadora da Bolívia.

Mulheres e crianças eram drogadas, estupradas e espancadas durante a noite por homens da comunidade que depois diziam que eram fantasmas os autores dos ataques.

Eles eram menonitas, seguidores de uma vertente do cristianismo evangélico surgido na Europa no século 16. Tanto no livro quanto no filme, a ação se passa em algum lugar remoto dos Estados Unidos, em vez da Bolívia, no intervalo de tempo que as mulheres têm para decidir o que fazer depois que a verdade é revelada e antes que os homens sejam libertados da prisão preventiva.

Uma delas consegue ver quem a ataca durante uma noite, e o homem, preso numa cidade vizinha, acaba delatando os outros. Enquanto esperam a definição do valor da fiança, mulheres de várias idades vivem experiências inéditas em suas vidas: num barracão onde guardam as colheitas, elas falam o que pensam, debatem suas ideias, votam no que acreditam que deve ser feito e defendem seus princípios.

São três opções: não fazer nada, ficar e enfrentar os homens ou fugir. A primeira é rapidamente descartada, e entre lutar por uma vida melhor dentro da mesma comunidade ou abandoná-la e apostar no desconhecido é que moram todos os argumentos, os medos, as dúvidas, as esperanças e os projetos de vida dessas mulheres.

E o que elas fazem nessas conversas é muito mais do que só definir o próximo passo daquelas pessoas, e sim tentar encontrar uma maneira de recomeçar do zero ou extrapolar os costumes de uma sociedade enraizada no patriarcado e na violência.

Como não são ensinadas a ler nem a escrever, convidam August, papel do inglês Ben Whishaw, a tomar nota das discussões. Ele é um membro desta mesma comunidade mas muito diferente do resto dos homens de lá.

Como perdeu a mãe muito cedo e demonstrou interesse nos estudos, recebeu permissão para frequentar uma universidade e voltar para ensinar os garotos. Ou seja, além de não ser naturalmente um macho violento, August já sabe que o resto do mundo não tolera o tipo de tratamento dado àquelas mulheres.

Ainda assim, essas coisas acontecem toda hora, no mundo inteiro. Na vida real.

As falas, os desejos, os argumentos defendidos pelas mulheres da trama são, em maior ou menor grau, os mesmos de qualquer mulher vitimizada por um –ou vários– homens. Seja a personagem de Claire Foy, que tem fome de vingança, seja a mulher interpretada por Jessie Buckley, casada com um marido violento e que tem ódio dos homens mas muito medo de perder a segurança da família, seja Ona, papel de Rooney Mara, grávida de um desses estupradores e ainda assim apaixonada pela ideia de ser mãe e louca para recomeçar a vida em outro lugar, seja a personagem de Frances McDormand, que leva no rosto a marca de uma agressão e se opõe radicalmente a qualquer iniciativa das mulheres.

Sarah Polley, no entanto, apresenta uma obra delicada, instigante e bonita de se ver. A direção de arte é sublime, a trilha, esplendorosa. As atuações são surpreendentes e os diálogos muito bem escritos. Não há uma palavra sobrando.

E, mesmo focando sua lente na reação de mulheres violadas de todas as maneiras, ela não deixa de mostrar o entusiasmo adolescente que quase todas as meninas sentem quando percebem que tem o poder de atrair a atenção de um homem.

A violência da trama é mostrada de um jeito que não faz ninguém ter o ímpeto de ir embora do cinema, seja qual for a experiência pessoal de cada um. E as discussões não são debates frios e arrastados. Ao contrário, são quase como ladainhas, como uma meditação guiada ao contrário, na qual em vez de não pensar em nada, as mulheres são levadas a pensar em tudo, a considerar todas as hipóteses. Mas sem perder a ternura jamais

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