Como 'The Legend of Zelda' cresceu ao longo de 37 anos reinventando sua fórmula

Lançamento de 'Tears of the Kingdom' reafirma popularidade da série que encanta com mitologia densa e jogos criativos

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Zachary Small Rumsey Taylor
The New York Times

Eram apenas dois minutos de imagens, mas foi o suficiente para provocar meses de debate sobre relíquias sagradas, deusas e espadas, que poderiam facilmente ser confundidos com as disputas dos eruditos sobre a era medieval que estudam a lenda do rei Artur.

Mas os especialistas autodidatas de que estamos falando estavam discutindo uma história de heróis recente, que se desenrolou nas últimas quatro décadas em um reino condenado chamado Hyrule. Mais de seis milhões de pessoas assistiram ao vídeo para obter pistas sobre o próximo videogame da adorada franquia "Legend of Zelda", da Nintendo. A expectativa é que ele seja jogado por ainda mais gente.

À esq., imagem do primeiro 'The Legend of Zelda', de 1986, e em 'Breath of the Wild', de 2017
À esq., imagem do primeiro 'The Legend of Zelda', de 1986, e em 'Breath of the Wild', de 2017 - Nintendo via The New York Times

Passaram-se seis anos desde que a última sequência, "Breath of the Wild", revitalizou a série como apoteose dos jogos de mundo aberto, estimulando os jogadores a explorar um ambiente vibrante e repleto de missões ambiciosas e equipamento poderoso.

"Breath of the Wild" deixou os jogadores na selva de um Hyrule destruído, com pouca orientação a não ser visões de uma cadeia de montanhas convidativas e um castelo rodeado por um nevoeiro maléfico. "Tears of the Kingdom", a continuação que será lançada em 12 de maio para o Nintendo Switch, promete abrir ainda mais esse mundo, com ilhas celestes e cavernas.

O jogo também dá a Link, seu protagonista, novas habilidades que lhe permitem construir veículos e armas, combinando uma série de itens em um sistema que recompensa a engenhosidade.

A jogabilidade envolvente da franquia Zelda é reforçada por sua mitologia profunda, que convence os jogadores de que estão escavando segredos antigos.

"Há pessoas que escrevem dissertações universitárias inteiras sobre uma parte específica dos mundos criados por Tolkien", disse Ed King, 26, um gamer britânico que traduz os mistérios do universo de Zelda para os 700 mil assinantes de sua conta no YouTube. "A história de Zelda ainda não está nesse nível, mas tem profundidade".

A franquia de videogames, que começou em 1986 com um mapa "pixelizado" guardado por fantasmas e duendes, evoluiu para uma topografia elaborada de cumes montanhosos, aldeias costeiras e esconderijos inimigos. A jogabilidade também se tornou mais fascinante, com enigmas a solucionar e uma narrativa ambiental que incentivam a exploração.

O "Legend of Zelda" original, jogado por milhões de pessoas no Nintendo Entertainment System ou no console Famicom da empresa, foi uma criação de Shigeru Miyamoto, que descreveu Hyrule como "um jardim em miniatura que a pessoa pode colocar numa gaveta e revisitar sempre que quiser".

Mas, ao longo dos últimos 20 anos, as histórias se tornaram mais matizadas, com um tom e um estilo artístico que mostram a influência do mestre da animação japonesa Hayao Miyazaki. Link navegou pelos mares, viveu acima das nuvens, transformou-se em lobo e até se tornou maquinista de trem. Forjou a antiga lâmina da maldição do mal e se reduziu a um tamanho microscópico.

Outro produtor da série, Eiji Aonuma, é o responsável por espalhar pela história os "breadcrumbs", as migalhas de informação narrativas que elevam os jogos Zelda. "A história existe para dar ao grande mundo em que nos encontramos alguma substância e carne", ele disse à revista Game Informer em 2017. Aonuma tende a manter Link no arquétipo da jornada de herói, dando ao jovem cavaleiro a tarefa de curar o mundo de um ciclo de violência geracional.

No final da década de 1990, Aonuma começou a trabalhar na série Zelda como designer de masmorras para "Ocarina of Time", um jogo do Nintendo 64 que foi a primeira aventura da franquia com recursos gráficos 3D. As masmorras criadas por ele ilustraram a tendência de Aonuma de misturar narrativa e jogabilidade. Os seus enigmas não eram só uma série de salas, mas mansões assombradas, santuários secretos e, em um caso, as entranhas de um peixe gigante.

Os jogos posteriores da série Zelda, como o aclamado "Twilight Princess", um título de lançamento para o Nintendo Wii, voltariam à fórmula estabelecida em "Ocarina of Time", com uma jogabilidade que consistia em desbravar masmorras e atravessar o mundo externo com ferramentas como ganchos, bumerangues e bombas.

Mas quando "Skyward Sword" foi lançado, em 2011, era evidente que a fórmula de Zelda estava se tornando obsoleta. Havia momentos retrospectivos demais e muita interferência com a liberdade do jogador, com uma sequência de tutorial de abertura que durava horas. As regiões eram mais genéricas e em grande parte desprovidas de vida, com exceção de uma ilha celeste ocupada por um punhado de aldeões.

Outros estúdios de videogames reconheceram uma oportunidade e começaram a criar seus próprios jogos em resposta. Greg Lobanov estava começando sua carreira no setor de videogames, naquela época, quando os designers começaram a questionar a Nintendo tinha perdido a sua magia.

"Zelda é a unidade de medida padrão na indústria do videogame", explicou Lobanov, cujo jogo "Chicory: A Colorful Tale", de 2021, se baseia fortemente nas convenções da série. "As pessoas ficaram muito frustradas com a direção que a franquia estava tomando".

Mas Lobanov disse que o grande sucesso de "Breath of the Wild", em 2017, como um dos principais jogos desenvolvidos para o Nintendo Switch, levou muitos desenvolvedores a descartar seus projetos rivais. O jogo vendeu mais de 29 milhões de cópias, muito mais do que qualquer outro jogo da série.

A Nintendo tinha conseguido recapturar a alegria da exploração do jogo original "Legend of Zelda", dando a Link novas capacidades de saltar livremente e galgar paredes. Embora ele continuasse silencioso, os demais personagens tinham, pela primeira vez, diálogos com voz. As masmorras tradicionais foram substituídas por quebra-cabeças escondidos dentro de quatro criaturas fantásticas divinas e 120 santuários, e 900 sementes de Korok espalhadas pelo mundo do jogo deram a Link um incentivo para revirar a paisagem.

Interior de loja oficial da Nintendo no Japão - Richard A. Brooks/AFP

A sensação de fantasia em "Breath of the Wild" surgiu de uma filosofia de design que o diretor do jogo, Hidemaro Fujibayashi, chamou de "jogabilidade multiplicativa".

Durante um discurso na Game Developers Conference de 2017, Fujibayashi explicou que muitos dos "puzzles" anteriores de Zelda se baseavam em fenômenos naturais ou fatos simples, como a ideia de que explodir uma bomba perto de uma parede rachada poderia abrir uma entrada. Normalmente, um problema tinha apenas uma solução.

A jogabilidade multiplicativa incentiva os jogadores a combinar ações e objetos de forma a permitir um conjunto mais vasto de soluções. Os criadores fizeram um protótipo para testar suas teorias, recriando o "Legend of Zelda" original com um ambiente interativo onde o jogador podia queimar árvores, apanhar os troncos e depois fazer jangadas com a madeira.

Essas mecânicas foram incorporadas em "Breath of the Wild", juntamente com um sistema de física que permitia aos jogadores manipular regras como a de conservação do ímpeto.

As primeiras demonstrações da continuação, "Tears of the Kingdom", indicam que os criadores de Zelda expandiram este sistema.

Os jogadores podem esperar um mundo dinâmico, no qual relâmpagos podem provocar incêndios que assam as maçãs de uma árvore próxima, e o jogo também encorajará novas combinações de armas e objetos.

Os teóricos de Zelda, incluindo Ed King, ficaram muito felizes quando essas informações foram divulgadas, porque pareciam confirmar suas especulações de que o novo jogo incluiria elementos da história que foram apenas sugeridos em "Breath of the Wild".

Os restos de uma tribo perdida chamada Zonai, referenciada nas ruínas antigas e precárias espalhadas por Hyrule, foram mencionados na "preview". E um estilo artístico associado à tribo fictícia é óbvio nas muitas ilhas celestes que aparecem em "Tears of the Kingdom".

"A palavra Zonai é baseada em um anagrama em japonês para a palavra ‘mistério’ e foi adicionada deliberadamente para dar a sensação de que algo pode ter vindo antes do mundo do jogo", explicou King. "Se tudo fosse relevante estritamente para o enredo, a sensação seria a que o mundo do jogo é falso. Mas a prova oferecida pelos dos Zonai nos faz sentir que tudo pode ser real."

Tradução Paulo Migliacci

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