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'Succession' repete tragédia de 'Rei Lear' no frio mundo dos negócios

Série da HBO repercute peça de Shakespeare com protagonistas saindo vítimas das próprias ações, sob jugo do pai

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São Paulo

"Succession" não é uma série sobre o poder, por mais que a ideia seja atraente. Mas como o poder, o desfecho da saga dos irmãos Roy foi previsível.

O último episódio do programa frustrou as expectativas de quem assistiu à história apenas para saber quem assumiria o lugar de Logan Roy. Foram poucos, pelas reações do público nas redes sociais na noite de domingo (28). É a sensação de satisfação que, independente de como os personagens terminam a trama, reflete a coerência do seriado. Ao leitor, aviso: spoilers a seguir.

Jeremy Strong em cena do último episódio de 'Succession'
Jeremy Strong em cena do último episódio de 'Succession' - Divulgação

Foi um final coerente porque a série, apesar de ser batizada pela "sucessão", se tornou a história de uma implosão. O desmonte de Kendall, Shiv e Roman perante a morte do pai foi o mote silencioso da quarta temporada, em meio à briga deles —e entre eles— com o também bilionário Matsson pela liderança da Waystar Royco.

Assim, a consagração de Tom, marido de Shiv, como novo CEO da empresa foi a mera consequência dos atos. Daí a frustração de quem acompanhou "Succession" como um "Game of Thrones" corporativo.

O novo rei foi escolhido porque estava no lugar certo, na hora certa e com o comportamento certo. Os jogadores mais esforçados, os filhos, terminaram subjugados por si mesmos. Literalmente, nesse caso. A derrota veio das mãos de Shiv, contra os irmãos e a favor da venda da empresa a Matsson.

A série nesse ponto fez valer a inspiração em "Rei Lear", o que alimenta a sensação de completude do fim. A peça de Shakespeare, sobre um rei que assiste as herdeiras destruírem seu império, é igualada pelo programa, com os filhos de um magnata perdendo o controle do império do pai.

Na falta de um campo de batalha, o desfecho de Kendall —perdido, isolado e vendo o mar a distância— reflete o texto do bardo.

Um desfecho poético e afinado com a essência da série, que sempre viu no desejo pelo poder uma forma de investigar seus efeitos. Dá para entender o porquê do público ter se afeiçoado às figuras vis dos Roy: ao longo de quatro temporadas, "Succession" encenou a queda de uma dinastia com bom olho aos abusos de Logan com os filhos. O arco dos herdeiros, no fundo, estava previsto na resolução de cada um com o controle do pai, mesmo quando este estava no caixão.

O último episódio, escrito pelo criador, Jesse Armstrong, dá cabo disso jogando os personagens no divã criado pelo público. Ele começa com os três irmãos se reunindo na casa da mãe, um lugar distante do ambiente hostil onde foram moldados pelo pai.

Kendall e Shiv viajam até lá para resgatar Roman no interesse da votação, mas as intenções opressivas entre os três vão se dissipando. A descoberta que Matsson manipula Shiv ajuda, claro. Mas diz mais que o trio se entenda quando constatam que Logan prometeu o império a cada um, apenas porque o favorecia.

A bela direção de Mark Mylod enquadra a situação como ela é —três executivos que se revelam crianças brigando a mando do pai. As cenas deles no mar e, depois, brincando na cozinha tarde da noite são o momento mais tenro que a série ofereceu.

Mas a série no fim é definida pelo controle de Logan, vivo ou morto. A tragédia que se revela farsa, no ambiente de poder. É a armadilha que os irmãos preparam para si, repetindo os ciclos de abuso cometidos pelo pai apenas por quererem se tornar ele. Como Roman atesta no episódio, os filhos são uma piada.

Para refletir isso, a reta final de "Succession" foi encontrando ecos das três primeiras temporadas nos últimos capítulos. Kendall é o centro da lógica, sendo aquele que foi preparado desde a infância para a sucessão. Na ausência de um fantasma, o comportamento do Logan toma conta do filho, que se torna a versão canhestra do pai mais perto do poder.

Quando Kendall conforta um Roman em frangalhos no episódio final, por exemplo, ele repete o abraço de morte que recebeu de Logan ainda na primeira temporada. Mas falta carinho e sobra violência no momento, que reabre a ferida na testa do irmão.

O elenco tem o mérito de traduzir isso na tela, em especial Sarah Snook. O grande mistério do final se deve a ela, no porquê de Shiv ter traído os irmãos na última hora.

A explicação está na reação da personagem a quando Kendall, empurrando a votação a seu favor, diz que deveriam fazer isso pelo pai. É a tragicomédia final. Quando vê Logan vencendo uma última vez, ela rompe o ciclo que se inicia, aceitando o destino dado a ela pelo magnata.

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