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Love Cabaret tem boas performances, mas falta um pouco de loucura

Nova Love Story deixa de lado ferveção do clube original e apresenta fetiches sexuais de uma maneira instagramável

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Enquanto tomava um dry martini numa noite chuvosa no centro de São Paulo, aprendi que o palco de uma casa noturna pode ser um "espaço ritualístico", que devo "observar com o coração" uma performance na qual uma pessoa é amarrada por cordas até o rosto e que uma mestre de cerimônias é a responsável por fazer a "gestão de energia" de um clube.

Era com estas expressões, entre o místico e o coach, que a travesti barbada Indra Haretrava, como ela se define, introduzia as apresentações da noite desta quinta-feira (29) no Love Cabaret, a nova Love Story. O ex-inferninho mais famoso da capital paulista perdeu qualquer resquício de subversão e se tornou uma espécie de escola para ensinar o politicamente correto em questões de gênero e sexualidade em 2023.

Performance de 'shibari' no Love Cabaret
Performance de 'shibari' no Love Cabaret - Karime Xavier - 24.jun.23/Folhapress

A proposta do Love Cabaret é ser a casa de todos os corpos, e isto ficou evidente nas performances, encenadas por tipos variados, como um rapaz de torso talhado na academia, uma moça nem gorda nem magra e uma drag queen de corpo avantajado. A mensagem é clara —o padrão de beleza opressor martelado durante décadas por revistas, desfiles e seriados de TV está fora de moda.

Agora à mostra, os corpos variados aproveitam erotismos diversos. No melhor show da noite, Sansa Rope amarrou com muitas cordas outra coreógrafa, fazendo dela uma boneca articulada comandada por fios. Rope executava nós complexos com habilidade e velocidade, de modo que o atar cordas nas pernas, no busto e até na boca era um espetáculo em si. No ápice, a coreógrafa foi presa a uma argola de acrobacia e ficou girando no ar.

Embora ambas estivessem sorrindo durante a performance, é de se imaginar que a pressão das cordas contra o corpo cause dor —mas este é justamente o ponto do "shibari", como se chama a técnica. O prazer sexual do sofrimento foi reforçado pelo show mais ousado da noite, não por acaso o último.

Preto Fetichista, um dominador sadomasoquista, bateu com relhos diversos e uma colher de pau nas nádegas de duas submissas, antes de colocar nos seios delas uma espuma que pegava fogo e que, sim, ele acendeu.

Afora isso, houve alguns shows mais família, por assim dizer, como apresentações no pole dance, uma demonstração da força física dos coreógrafos que giravam e se contorciam presos ao bastão de metal. O ponto fraco foram as apresentações de burlesco, nas quais performers seminus rastejavam no chão e balançavam as nádegas e os seios —com o bico coberto por pequenos pompons— enquanto a plateia gritava "uhu".

Olhando o todo, o Love Cabaret apresenta fetiches diversos de maneira palatável para um público que talvez não tenha contato com a plasticidade da sexualidade humana de outra forma —e isto deve ser visto com bons olhos.

A proposta é única na cidade, ao menos com este nível de sofisticação, em que há uma preocupação estética nos figurinos e teatral nos gestos, mesmo que não haja nudez. Talvez aquele casal careta saia dali com ideias para novas aventuras na cama.

Contudo, esta é a versão instagramável do sadomasoquismo. Em clubes de fetiche de São Paulo onde as pessoas executam as suas fantasias, ninguém nem entra com celular, porque muita gente não quer que seus familiares ou alguém de fora deste universo veja fotos de seus corpos vermelhos das chibatadas. Há um acordo tácito entre os frequentadores, de respeito e discrição com o prazer do outro.

De modo geral, as performances no Love Cabaret são bem executadas e dão uma amostra das possibilidades do prazer sexual para além do óbvio, mas o clube seria mais interessante caso não viesse embalado no discurso cafona da mestre de cerimônias nem no tom politicamente correto —e moralista— de seu "manifesto", um texto junto ao cardápio que critica o "prazer fast-foda" e alfineta a prostituição.

A casa talvez pudesse abraçar um pouco o histórico de loucura e ferveção do lugar que ocupa e entender que não é preciso catequizar os frequentadores de maneira didática com os dez mandamentos deste novo mundo de sexualidades e gêneros diversos. As performances falam por si.

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