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Advogada Mayra Cotta lança romance sobre caso de estupro

Criminalista publica 'Um Ex-Amigo', ficção sobre uma feminista que acolhe um homem acusado

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Juliana Nogueira
São Paulo

Não é difícil chamar de agressão casos em que há violência física, mas como perceber da mesma maneira situações cotidianas é o questionamento que propõe a advogada Mayra Cotta em seu novo livro, "Um Ex-Amigo".

mulher branca com roupa preta segura o cabelo preto em rabo de cavalo enquanto olha para a câmera
A advogada Mayra Cotta, que estreia nos romances com 'Um Ex-Amigo' - Divulgação

Especialista em casos de violência de gênero, a criminalista estreia na ficção contando a história de Alma, uma jornalista que acolhe em sua casa um amigo acusado de estupro.

Mesmo sendo uma mulher feminista, inteligente e bem-sucedida, ela é incapaz de reagir diante do pedido do amigo com quem não falava havia cinco anos, mas mantém uma relação cheia de conflitos.

O nome da autora ganhou as páginas dos jornais quando ela passou a representar o grupo de atrizes que acusava o diretor Marcius Melhem de assédio, entre elas Dani Calabresa. Sua experiência com o assunto, porém, começou bem antes.

Brasiliense de 36 anos, Cotta começou sua história em organizações estudantis, que abriram caminho para o trabalho nos movimentos feministas. Nessa época, logo após a aprovação da Lei Maria da Penha, montou e coordenou o primeiro escritório popular de atendimento a mulheres em situação de violência doméstica da Universidade de Brasília.

Familiarizada que estava ao assunto, sentia ver o problema do lado de fora, com um olhar de especialista. A literatura foi uma maneira que encontrou para sair dessa espécie de zona de conforto, como se esse fosse um problema apenas dos outros e não vivenciado por todas as mulheres. "Achei que a literatura era uma forma sincera e aberta de falar sobre questões complexas que nunca têm soluções simples", afirma.

No começo de 2020, quando encarava a reta final de seu doutorado, começou a colocar a ideia de um romance no papel. Escrevia por três horas diárias. Meses depois, surgiu a oportunidade de escrever "Mulher, Roupa, Trabalho – Como se Veste a Desigualdade de Gênero", em parceria com a consultora de moda Thais Farage. Após a publicação, a Companhia das Letras perguntou se ela tinha mais alguma ideia e ela contou sobre o projeto que tinha na gaveta.

O processo de escrever o livro foi, segundo ela, uma terapia. "Os fatos abordados na história não são verídicos, mas os sentimentos que mobilizaram a minha escrita são todos reais", diz ela. Por meio da história, Cotta quer trazer dúvidas e ambivalências por que todas as mulheres passaram em algum momento.

A composição da protagonista foi pensada para deixar as pessoas incomodadas. Além de hospedar o amigo investigado por estupro, ela tem um caso com um homem casado e medo de assumir como se sente na relação. A ideia era justamente uma mulher feminista nas ideias, mas que não estivesse alinhada ao feminismo na prática. "Queria um personagem com que sentíssemos vergonha de nos identificar, para convidar todo mundo a olhar para si com algum desconforto", diz ela.

Apesar de todo o seu envolvimento com a desigualdade de gênero, Cotta também tem uma série de críticas ao movimento que integra. "Não acredito no feminismo como cartilha normativa, do que pode fazer e o que não pode", afirma. Embora todo mundo precise se responsabilizar por suas ações individuais, segundo ela, é preciso trabalhar para desconstruir estruturas da sociedade.

A obra mostra, ainda, que o machismo não está restrito a determinada camada social ou perfil ideológico. No livro, tudo acontece dentro do círculo das organizações estudantis da esquerda.

Quando trabalhava atendendo mulheres na periferia de Brasília, Cotta se lembra de colegas que se sensibilizavam com a vulnerabilidade das vítimas. "Era como se fosse difícil só para essas mulheres deixar uma situação de abuso. Era curioso que uma das amigas tinha colocado próteses nos seios a pedido do namorado e não se enxergava como vítima de violência estética", diz.

"É muito fácil ouvir os áudios do Robinho e ficarmos indignadas, mas e o WhatsApp dos nossos amigos com comentários misóginos? Esse enfrentamento, principalmente com quem a gente ama, não é fácil", diz.

E se o livro quer causar desconforto nas mulheres, ela espera que seja ainda mais incômodo para os homens. "Até agora, os poucos amigos que leram acharam que as atitudes do ex-amigo ficam bem na zona cinzenta entre o que é inadequado e o que não é, porque a identificação é com os homens da história e não com as mulheres."

Cotta afirma que não há qualquer semelhança com o caso Melhem no romance, que começou a ser escrito antes que a advogada entrasse no caso. A única importância do processo na obra foi na hora de pensar o desfecho.

"Queria deixar uma esperança na Justiça e não a ideia de que o mundo é assim mesmo, de que não tem nada que a gente possa fazer, que os homens são machistas e está tudo perdido", diz.

As possíveis associações não ficaram restritas a isso. Quando os colegas de faculdade souberam do livro, ficaram curiosos para descobrir quem seria o tal ex-amigo. As dúvidas, diz ela, só duraram até a leitura. "São situações tão banais, tão recorrentes na vida de todo mundo, que poderia ser a história de qualquer uma de nós", diz.

Um Ex-Amigo

  • Preço R$ 64,90 (336 págs.); R$ 37,90 (ebook)
  • Autoria Mayra Cotta
  • Editora Paralela
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