"Fui à Tavistock Square ontem, e ela se sentou no crepúsculo à luz do fogo, e eu me sentei no chão como sempre faço, e ela bagunçou meu cabelo como sempre faz, e ela falou de literatura e Mrs. Dalloway".
É com essas belas palavras que a escritora e aristocrata britânica Vita Sackville-West descreve um dos seus encontros, em 1926, com uma das maiores escritoras do século 20, Virginia Woolf, autora de "Mrs. Dalloway" e de outras obras marcantes da literatura em inglês.
Percorrendo uma intensa troca de correspondência entre as duas, que vai de 1922, ano em que se conheceram, até 1941, com a Segunda Guerra Mundial em curso, quando Woolf se suicida, o livro põe a nu o que podia parecer impossível, improvável e até inconcebível: um longo e relativamente estável relacionamento entre duas grandes mulheres de seu tempo, casadas com homens, mas apaixonadas e fascinadas uma pela outra.
Nas inúmeras cartas trocadas, a paixão arrebatadora entre as duas, que vai se tornando amor, não é apenas descrita ou narrada, mas efetivamente vivida também por meio da escrita.
Diante da impossibilidade de viver uma vida juntas, abrindo mão de seus casamentos em uma sociedade puritana e patriarcal, as cartas se tornam a linguagem do amor que podia ser vivido e do amor que poderia ter sido, movendo-se entre doces lembranças, planos ordinários, ciúmes, jogos de sedução e anseios profundos.
Os textos figuram, muitas vezes, como meta-cartas de amor, em que elas escrevem sobre o próprio prazer e desejo de escrever uma carta e toda a emoção envolvida nesse processo. "Gosto tanto de recebê-las que as deixo para serem abertas por último no correio matinal, como uma criança deixa o bocado de chocolate para o final", diz Woolf, enquanto Sackville-West confessa: "Como vou gostar de escrever para você; como vai ser pungente a sensação de que a tinta é o único meio de comunicação que se tem".
Por ser em vários momentos a única comunicação possível, as cartas são atravessadas pela urgência de um amor que não pode ser vivido plenamente.
Escritas durante a pausa da escrita de mais um romance, no caso de Woolf, ou em meio aos sacolejos de um trem, no caso de Sackville-West, as cartas, cheias de perguntas, interjeições, vocativos amorosos, reticências, parecem também revelar os limites angustiantes dessa linguagem. "Melhor parar agora, ou escreverei para você uma carta muito descontrolada de amor e anseio."
Diante desses limites, o que elas fazem é também literatura com o próprio amor, que transborda para suas obras literárias, como "Orlando", de Woolf, cujo protagonista homônimo é assumidamente inspirado em Sackville-West.
Esta, por sua vez, fabula nas próprias cartas ao se entregar à imaginação, prazerosa e dolorosa, de como seria uma impossível viagem a sós com Woolf: "Você teria ficado muito cansada no caminho? Gosta de viajar? (...) Como seria ter você sentada no quarto agora?".
Em "Cartas de Amor", conhecemos, portanto, outras facetas da renomada escritora britânica Virginia Woolf, que confessa para Vita Sackville-West: "Sim, penso em você com frequência, em de vez no meu romance; quero levar você a pé para os campos inundados no verão, pensei em vários milhões de coisas para lhe dizer".
Podemos então pensar que à escritora não bastava ter "um teto todo seu", título de um de seus ensaios mais notórios, mas também um amor todo seu —e com outra mulher.
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