Descrição de chapéu Filmes

Filmes nacionais são 1% dos ingressos vendidos e não passam das 16h nos cinemas

Sem a cota de tela, produções ocupam horários menos nobres e passam muito longe da marca de 1 milhão de espectadores

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Cartaz do filme 'Os Aventureiros: A Origem', de Luccas Neto

Cartaz do filme 'Os Aventureiros: A Origem', de Luccas Neto, filme nacional com maior bilheteria em 2023 até julho de 2023 Divulgação

São Paulo

Que o cinema hollywoodiano ocupa massivamente as telas, deixando pouco espaço para as produções de outros países, todos sabem. A novidade no Brasil é que, neste momento, praticamente todos os filmes nacionais —inclusive os mais comerciais— ficam relegados a sessões anteriores às quatro da tarde, horário em que os cinemas ficam mais vazios.

Kate McKinnon em cena do filme "Barbie", dirigido por Greta Gerwig
Kate McKinnon em cena do filme da Barbie, dirigido por Greta Gerwig - Divulgação

Desde 2021, a ocupação do circuito por uns poucos blockbusters tem se dado sem que haja qualquer regra de proteção. A cota de tela, que fixa um número mínimo de dias ao longo de um ano nos quais os filmes brasileiros devem ser exibidos, está suspensa.

"Os Aventureiros: A Origem", protagonizado pelo youtuber Luccas Neto e distribuído pela Warner, foi lançado neste mês e teve, no fim de semana de estreia, 160 sessões por dia na cidade de São Paulo. Um levantamento feito a partir de dados do Filme B, do Ingresso.com e da Comscore aponta que 55% delas aconteceram antes das três da tarde e apenas 12% nos horários nobres, após as cinco da tarde.

Depois da estreia da dupla de blockbusters "Barbie" e "Oppeheimmer", o filme ficou restrito a um circuito menor e sempre em horários anteriores às duas da tarde, embora estivesse enchendo suas poucas sessões mais tardias.

O Sistema de Controle de Bilheteria, o SCB, da Ancine, a Agência Nacional do Cinema, mostra que, enquanto em 2018 e 2019 os filmes brasileiros correspondiam a cerca de 14% das sessões realizadas após as cinco da tarde, no ano passado esse percentual tinha caído para a casa dos 7%.

É possível notar também um número maior de filmes brasileiros nos dias úteis, quando menos gente vai ao cinema e os ingressos são mais baratos, o que gera uma arrecadação menor de bilheteria, como já se lia no informe da Ancine do ano passado.

Esses dados são a face menos visível de uma realidade que tem tirado o sono de muita gente do setor audiovisual —a acentuada queda do público e da participação de mercado do cinema brasileiro desde 2020, ano em que as salas de cinema fecharam, devido à pandemia, e as plataformas de streaming explodiram.

Em 2021, as salas começaram a reabrir, e o público, a retornar —mas não para assistir a filmes brasileiros. No ano passado, apenas 4,2% dos frequentadores de cinema compraram ingresso para um título nacional. A média da participação de mercado da produção local, nos 15 anos anteriores, tinha sido de 15%.

A queda não tem relação com o número de lançamentos. No ano passado, chegaram às telonas 246 longas-metragens brasileiros, número que corresponde a 37% do total de filmes lançados. Neste ano, até o fim de junho, foram exibidos 152, que venderam 512 mil ingressos. É uma porcentagem que equivale a 0,9% do público total. Para termos de comparação, "Barbie" já vendeu 8,3 milhões de tíquetes, segundo o Filme Box Office.

O cenário desalentador tem sido atribuído, por produtores e realizadores, à ausência da cota de tela, o mais antigo mecanismo de proteção aos filmes locais. No Brasil, a primeira medida de reserva de mercado remonta a 1937.

Mundialmente, o marco zero da política de cotas é a rodada do GATT, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio, de 1947, durante a qual os negociadores franceses defenderam que os filmes não podiam estar submetidos às regras vigentes para produtos como carros e sapatos.

Dentro da Ancine, o discurso é parecido. "No cenário de um mercado audiovisual cada vez mais competitivo, em parte por causa do crescimento do streaming, a cota de tela ainda é a forma mais efetiva de se combater a ocupação predatória", diz Tiago Mafra, diretor da agência.

Mas, então, por que ela não vale mais?

O último modelo a vigorar no país havia sido estabelecido por uma medida provisória de 2001, que previa a regulamentação anual do mecanismo via decreto presidencial. O último decreto foi assinado em dezembro de 2019. A medida venceu em 5 de setembro de 2021 e nada a substituiu.

Tramitam no Congresso Nacional dois projetos que prorrogam a vigência da lei. Na visão do diretor da Ancine, porém, não basta prorrogar a medida. "É preciso que a lei incorpore mudanças feitas em decretos e em uma instrução normativa que adequaram a cota às mudanças no mercado", afirma.

Entre as alterações, estava a chamada "Lei da Dobra", que impedia que um filme fosse retirado de cartaz se estivesse fazendo determinada média de público por sala.

O número de dias obrigatórios é definido a partir de estudos de mercado e de conversas com o setor, uma medida que foi aperfeiçoada ano pós ano. No decreto assinado em 2019, para vigorar em 2020, o cálculo passou a ser feito a partir do número de sessões programadas —e não apenas a quantidade dias.

Essa regra durou três meses. Logo veio a quarentena contra a Covid, mas "Minha Mãe É Uma Peça 3", que levou 10 milhões de espectadores aos cinemas, ainda se beneficiou dela.

Em 2020, a ausência de assinatura do decreto foi atribuída à sanha bolsonarista contra a cultura, mas não pode ser desconsiderada a situação de exceção. Diretamente atingido pelas medidas de restrição sanitária, o mercado de exibição vivia uma crise intensa.

Além disso, como muitos cinemas seguiam fechados e a o avanço do streaming tinha mudado muitas peças de lugar, os parâmetros anteriores estavam desatualizados. A proposta sinalizada em duas notas técnicas era a de que se esperasse alguns meses para definir a cota de tela.

Mas, em março de 2021, veio uma nova onda de Covid-19, e os cinemas voltaram a fechar. Os meses correram, não foi estabelecida uma nova cota, e a lei venceu. Apesar disso, ela segue como objeto de disputa no STF, o Supremo Tribunal Federal, em especial por causa de uma norma, criada no bojo da estreia de "Vingadores: Era de Ultron", em 2015, que impunha um limite à ocupação de salas por um único filme.

Em junho, no julgamento de um recurso sobre o tema, o ministro Alexandre de Moraes, reforçando os entendimentos recentes do STF, defendeu a constitucionalidade da cota e o papel do Executivo em "proporcionar a efetivação do direito à cultura".

Os exibidores, do seu lado, têm se queixado do baixo investimento por parte dos distribuidores, na comercialização e no marketing dos filmes brasileiros. Os distribuidores, por sua vez, diante de um público tão baixo, temem fazer apostas altas nos lançamentos.

O resultado dessa soma de fatores é que, desde a pandemia, nenhum filme brasileiro chegou a ter nem sequer 1 milhão de espectadores, a régua do sucesso. Em 2019, seis títulos haviam atingido essa marca, não apenas com sessões da tarde.

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