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'We Love Katamari' prega o zen pelas delícias da caótica cultura japonesa

Nova versão de segundo game da franquia, lançado para PlayStation 2, revela o que há de patético e ridículo no mundo

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We Love Katamari Reroll+ Royal Reverie

Em tempos de "Barbie" e "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo", multiversos, metaversos, streamings, infindáveis "Assassin's Creed" e games "live service" cheios de estímulos, ainda é possível encontrar alguma obra que desperte a paz interior nas pessoas?

Felizmente a onda retrô nos games segue em alta e nos brinda agora com "We Love Katamari Reroll+ Royal Reverie", um clássico do início dos anos 2000 que encantou muitos jogadores no PlayStation 2 —o console mais vendido de todos os tempos— e volta repaginado, com alguns bônus para as atuais gerações.

Cena do game 'We Love Katamari Reroll+ Royal Reverie'
Cena do game 'We Love Katamari Reroll+ Royal Reverie' - Divulgação

Paz talvez seja um termo apressado para descrever a sensação de um jogo cujo objetivo é rolar uma bola —o tal "katamari" do título, que em bom português seria algo como uma maçaroca—, sair atropelando e grudando nela qualquer objeto que vê pela frente e crescer até ficar, literalmente, do tamanho de um planeta.

Alguns, pelo contrário, não verão qualquer serenidade ao se deparar com as cores vibrantes dos personagens e do mundo, todo feito com uma arte rústica e cartunesca, que nivela tudo a poucos detalhes, ainda que com personalidade. E o que falar da trilha sonora repetitiva, alegre e infantil, cantada por um coro japonês?

Basta começar a rolar, porém, para começar a sentir a satisfação de um destruidor de mundos.

No controle do pequenino Prince, o jogador move a bola com ambos os direcionais analógicos do joystick simultaneamente para aglutinar os itens que aparecem na sua frente. Isso garante o desafio, já que leva algum tempo para se acostumar com os comandos.

Mas, como narra King, pai do protagonista e rei de todo o cosmos, o trabalho da família é mais de diversão que de destruição. Tudo ganha traços cômicos quando, após ajudar uma idosa a coletar centenas de flores ou a erguer um enorme boneco de neve, atendemos ao pedido de um cachorro para fazer um "katamari" maior que o Sol —não se sabe com quais intenções.

Não espere lógica, afinal, "We Love Katamari" é o segundo game de uma das franquias japonesas mais surreais entre as que chegaram ao Ocidente e que parece, ironicamente, melhor capaz de comentar os absurdos do capitalismo que qualquer jogo americano.

O pacote é mais completo na comparação com "Katamari Damacy Reroll", remasterização do primeiro jogo da série, lançado há cinco anos. Esse novo "Reroll+ Royal Reverie" aproveita bem as potencialidades dos consoles e PCs atuais para expandir um mundo imaginativo preso ao PS2.

Há fases inéditas nas quais jogamos com o próprio King, ainda na infância, cumprindo as missões difíceis de seu pai, o então rei, exigente e lacônico. São níveis que usam cenários já conhecidos e impõem um desafio diferente —como, na mesma escola onde Prince participa de um festival de origamis, King tem de recuperar instrumentos musicais tentando não encostar nos fantasmas que rondam o local. Em meio a isso, se descortina, entre "cut scenes", uma história afetuosa de pai e filho.

É um bom complemento ao tom geral do jogo, no qual prevalece o humor e o colecionismo de bugigangas. Aos poucos, o jogador percebe como cada item, e sempre há uma descoberta inusitada, pode ser vítima do "katamari".

E se vê como cada uma dessas mil coisas foi trabalhada individualmente como um microcosmo daquilo que cerca o jogador —cada coisa tem um visual e um efeito sonoro particular e foi posicionada estrategicamente na fase.

No bolo do "katamari", por fim, tudo vira mercadoria. O jogo harmoniza elementos muito específicos do país, como comidas típicas e monstros gigantes, com particularidades do capitalismo tardio, com fases que se passam em cidades movimentadas, cheias de publicidade, com toda sorte de lixo jogado pelas ruas.

Não deixa de ser um herdeiro tardio da arte japonesa que deglutiu a ocupação americana após a Segunda Guerra.

Ao reunir tudo numa enorme massa que limpa o mundo de suas próprias desgraças, "We Love Katamari" expõe o que há de patético e de ridículo em nós e no mundo, sem cinismo. E, na sua contribuição para os games, prega o zen pelo caos, mergulhando o jogador numa estranha calma, enquanto passeia por jardins de horrores e delícias.

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