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András Schiff se apresenta em São Paulo com repertório surpresa

Depois de angariar público no país pela TV, pianista toca por duas noites na capital paulista e só vai revelar peças na hora

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João Batista Natali

Jornalista, mestre e doutor em semiologia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais e pela Universidade de Paris-Nanterre.

São Paulo

Qual a diferença entre ouvir uma partita de Johann Sebastian Bach, publicada em 1731, interpretada ao piano por um professor apenas honesto, de uma outra interpretação do mesmo instrumento pelas mãos do húngaro naturalizado britânico András Schiff?

A diferença é fácil de sentir. Schiff traz brilhantismo na simplicidade extrema com que constrói seu estilo. Faz de conta que aflora a melodia para mergulhar numa dimensão mais espiritual, como se atingisse uma verdade religiosa por meio da simplicidade. E sabemos que ele também é um musicólogo de conhecimento profundos.

O pianista András Schiff
O pianista András Schiff - Divulgação

A música é o que se conhece e não apenas o que se pratica. Nada de emoção excessiva, de exagero na reconstrução da linguagem. Não é um elogio gratuito. Verifiquem pelo Youtube a conferência que ele fez a respeito em Berlim, em 2018.

Pois é o mesmo sir András Schiff que volta esta semana ao Brasil para uma nova série de concertos. Ele se apresenta nesta quarta e quinta, dias 13 e 14, na Sala São Paulo, às 20h30, na temporada da Sociedade de Cultura Artística.

O pianista, que completa 70 anos em dezembro, nascido em Budapeste e hoje residente em Londres, traz um repertório que ele próprio procura fazer surpreendente. Isso porque antecipa apenas o nome dos compositores que estarão no programa.

Ele anunciará o nome das peças no momento da interpretação. E as peças a serem interpretadas na quarta não serão aquelas que o público ouvirá na quinta.

Os compositores com os quais András Schiff chega desta vez a São Paulo são basicamente os mesmos que ele grava e orquestra ao vivo desde o início da carreira. São os alemães Bach, Beethoven, Schubert, Schumann ou Brahms, os austríacos Haydn e Mozart, os húngaros como Bartok e os boêmios do porte de Janácek.

Como por sem querer, Schiff se distancia de compositores que, de Chopin a Rachmaninoff, permitem que o intérprete se entregue a um estilo arrebatador, que desmanche a cabeleira e dê a impressão de que a vibração da música deve ser menos introspectiva e provoque na sala os efeitos de um pequeno terremoto.

Essa aparente limitação do repertório permite que o intérprete utilize seu teclado como uma espécie de arma com a qual permitirá comparações explícitas de outras formas de interpretar. Isso trará a ele a segurança de estar fornecendo a versão que é qualitativamente melhor.

Ao visitar com relativa frequência os palcos brasileiros, Schiff acabou por construir seu próprio público, que o encontra também na programação da TV Cultura —em transmissões de concertos na Austrália e na Dinamarca— além de salas de concerto de São Paulo e do Rio de Janeiro.

É muito difícil hierarquizar os pianistas que hoje atuam no mercado da música de concerto. Mas pelo consenso corrente é possível situar András Schiff entre os cinco ou dez melhores e mais estudados.

Por coincidência, veio também da Hungria o personagem que alçou o pianista clássico à condição de celebridade, conhecida em vários países e capaz de atrair multidões de admiradores em muitas cidades.

Estou falando de Franz Lizst, cuja maturidade coincidiu com a aparição na Europa da estrada de ferro. Ela permitia que o músico se locomovesse com rapidez de um lado para outro, e não permanecesse muitas horas seguidas sem um instrumento para repassar suas interpretações.

Por fim —e esta é uma das principais características do cidadão András Schiff— ele não se fechou dentro de uma torre à qual a política não tem acesso. Não chega a ser um militante, mas, como húngaro de família judaica, possui uma espécie de periscópio que identifica a aproximação de qualquer antissemitismo.

Foi o que o levou a seguidas declarações contra o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, a quem ele acusa abertamente de ser um racista.

Observou, com relação ao país que nasceu, a mesma rejeição política que o magnífico pianista chileno Claudio Arrau passou a sentir pelo Chile em setembro de 1973, com o início da ditadura de Augusto Pinochet. Seu último concerto, no Teatro Municipal de Santiago, terminou quando ele, como intérprete, soube que o ditador estava na plateia.

András Schiff

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