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Livros Rússia

'Últimos Contos' é livro singular entre o mar de coletâneas de Tchékhov

Obra flagra o russo no auge de sua maturidade literária, em busca de novas formas de contar histórias curtas

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Raquel Toledo

Professora, pesquisadora e mestre em literatura e cultura russa pela Universidade de São Paulo

Últimos Contos

  • Preço R$ 74,90 (320 págs.); R$ 54,90 (ebook)
  • Autoria Anton Tchékhov
  • Editora Todavia
  • Tradução Rubens Figueiredo

A literatura russa costuma levar consigo alguns adjetivos que a colocam, em geral, num espaço de exotismo.

Os nomes dos personagens, as cores locais que os tradutores, geralmente, mantêm em seus trabalhos, a presença de bebedeiras e reflexões profundas em parágrafos longuíssimos são alguns exemplos que, na verdade, refletem pouco a totalidade da literatura feita na Rússia, mas compõem seu imaginário.

foto em preto e branco de homem sentado com terno e gravata borboleta
O escritor e médico russo Anton Tchékhov em Moscou, em 1897 - Aleksandr Tchékhov/Reprodução

Um nome, porém, sempre se destacou com certo frescor entre os escritores que há anos circulam com frequência nas prateleiras dos leitores brasileiros: Anton Tchékhov. Há sobre ele uma visão de universalidade. O título de mestre da ficção curta foi muitas vezes dado a ele por gente de peso como Virginia Woolf.

Mesmo tão conhecida, sua obra costuma ser preparada de forma a trazer seus "melhores" contos, sem que houvesse uma seleção cronológica. Mas "Últimos Contos", com tradução e apresentação de Rubens Figueiredo, faz isso.

O título da coletânea mostra um recorte biográfico na seleção feita por Figueiredo, e isso tem um motivo. Tchékhov escreveu contos por toda a sua vida. A alguns outros gêneros, se dedicou por uma época específica, mas os contos estiveram presentes em sua produção desde quando era um estudante de medicina —e publicava historinhas de humor para completar a renda familiar— até o fim da vida.

A essência dos enredos, contudo, mudou à medida que o autor também mudava e, com eles, os ventos políticos arejavam a Rússia do fim do século 19.

Na fase final da vida, Tchékhov já era um escritor famoso que se dedicava sobretudo ao texto teatral e que vivia longe das grandes cidades russas, porque, mesmo jovem, sofria de uma grave tuberculose, causa de sua morte aos 44 anos. Longe dos grandes centros, produziu uma literatura que apontava para o futuro.

Dessa forma, a seleção de Figueiredo faz de "Últimos Contos" um livro único no mar de coletâneas do autor —afinal, pela primeira vez, o leitor poderá se aproximar dos contos de Tchékhov com a perspectiva de ler um autor no auge de sua maturidade literária e, sobretudo, em busca de novas formas de contar histórias curtas.

Não é possível dizer que esta é uma edição de contos inéditos: o próprio Figueiredo já havia publicado sua tradução para "Iônitch" e "No barranco" na primeira coletânea que organizou sobre o autor, "O Assassinato e Outras Histórias", na Cosac Naify. Além desses dois textos em traduções revisadas, outros contos famosos estão entre os últimos escritos tchekhovianos, como "A dama do cachorrinho" e "A noiva".

Já o conto que abre o volume, "Em casa de amigos", apesar de não ser dos mais conhecidos, parece um dos mais significativos para sintetizar o espírito dos contos finais do autor.

Nele, um homem da cidade é convidado por antigos amigos a visitá-los no interior, numa propriedade onde moraram juntos dez anos antes. Lá, o protagonista percebe como aquelas pessoas ficaram, de alguma forma, presa nos modos de viver de uma Rússia antiga. Ainda achando que são relevantes e nobres, na verdade, se mostram decadentes, tristes e às vezes patéticos.

Um leitor que já conheça a dramaturgia tchekhoviana perceberá nessa breve sinopse qualquer coisa das peças mais famosas do autor. O diálogo é bastante claro, o que Figueiredo explica muito bem no ótimo prefácio.

A visão política de Tchékhov, muitas vezes diluída quando se olha para a totalidade de seus tantos escritos, aqui fica mais evidente. Ela não é panfletária, mas aparece no seu olhar para o mundo.

"O homem no estojo" denuncia a ganância, enquanto "A noiva" joga luz na situação precária dos empregados. Sentimentos que deveriam apenas acontecer estão vetados a pessoas sufocadas pela hierarquia social, como em "Sobre o amor".

"Últimos Contos" é uma espécie da síntese do legado da obra de Tchékhov. Sua prosa forte e concisa, desenvolvida em cenas rápidas e cheias de diálogos, quase como em um palco, se alia a um certo despertar político que aponta para a denúncia das opressões sociais.

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