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Em 'O Assassino', David Fincher troca os psicopatas por um matador gélido

Diretor de ‘Clube da Luta’ e 'Mindhunter' volta ao cinema em suspense com Michael Fassbender e Sophie Charlotte

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Detalhe do cartaz de 'O Assassino', de David Fincher Divulgação

Veneza (Itália)

"Não desvie de seu plano. Não confie em ninguém. Não tenha empatia. Preveja. Não improvise."

É repetindo essas frases como um mantra que o protagonista do filme "O Assassino" mantém o foco e exerce o seu ofício de matador profissional. Infringir alguma dessas regras pode fazer tudo dar errado.

É com um pensamento fixo não muito diferente disso que o diretor David Fincher deve ter conduzido as filmagens do longa-metragem que estreia agora nos cinemas e em novembro na plataforma Netflix.

Cena de 'The Killer', de David Fincher, que integra a seleção oficial do Festival de Veneza
Michael Fassbender em cena do filme 'O Assassino', de David Fincher - Divulgação

"Sou meticuloso. Mas é bem simples. Todo dia, no meu trabalho, estão envolvidas centenas de milhares de dólares. Não vou chegar ao set e perguntar ‘quem está com vontade de fazer o que hoje?’. Até estamos ali para experimentar, mas dentro de uma estrutura", disse o cineasta no Festival de Veneza, em setembro, onde o filme foi exibido à imprensa.

A obra mostra a rotina de um sicário, papel do ator irlandês Michael Fassbender, que precisa ter controle total sobre seu físico e suas emoções para praticar seus assassinatos. É ele quem narra ao espectador detalhes da rotina e alguns pensamentos sobre o mundo, vindos de sua mente atormentada.

A trama começa em Paris, enquanto ele passa dias aguardando cautelosamente da janela de um apartamento a hora certa para alvejar a próxima vítima. Mas um deslize faz a operação dar errado e, de repente, tudo muda por completo. Não só o matador precisa fugir da cena do crime, como também assassinar quem o contratou, que certamente não vai perdoar o seu erro.

"A execução é tudo", diz a frase polissêmica estampada no cartaz do filme, e ela ilustra tanto a atividade do assassino quanto a do próprio Fincher, que faz um longa bastante dependente da eficácia e da precisão das cenas. Encontrar o equilíbrio entre a frieza na realização e arroubos mais artísticos nem sempre é fácil.

"O processo de fazer filmes é uma mistura de poesia e engenharia espacial, e a parte que envolve essa engenharia precisa ser respeitada. Você precisa entender que é necessária tal quantidade de material para o foguete ter um determinado peso e conseguir subir a uma certa quilometragem acima do chão", compara.

"A parte da poesia, ao contrário, não pode aparecer após alguém determinar que é hora de ela surgir. Essa parte você tem que deixar que escape, tem que cultivar. Essas duas coisas ocorrendo simultaneamente nas filmagens, fica difícil prever como no fim das contas tudo vai terminar."

Fincher diz que sempre teve uma característica profissional —o "desprezo por não combatentes", provavelmente se referindo a quem não demonstra entrega o suficiente ao trabalho que precisa fazer.

Ele próprio por muito tempo não tinha certeza se seria capaz de adaptar para o cinema a graphic novel de Alexis Nolent e Luc Jacamon que inspirou "O Assassino". Fincher só teve segurança de que a empreitada era viável depois de conversar com Fassbender e ver o comprometimento do ator. "Sem ele, não teríamos feito esse filme", diz.

O diretor David Fincher em uma exibição de 'O Assassino' em Los Angeles, nos Estados Unidos - Patrick T. Fallon/AFP

Fassbender injeta a dose exata de pragmatismo no personagem, que, embora dirija ao público frases como "não há nada de especial sobre mim", não quer dizer com isso que se considere uma pessoa como outra qualquer, como pode parecer a princípio.

"Ali ele está dizendo que não se considera uma pessoa elevada, que não olha para o próprio nariz durante algum dos seus trabalhos. Ele não julga nada do que o pagam para fazer, inclusive nem quer saber as motivações de quem o contratou para o serviço", diz Fincher.

Ainda de acordo com David Fincher, a personalidade do protagonista facilita o trabalho de matar pessoas, já que ele não se envolve emocionalmente. "A gente está falando sobre a sua capacidade de ficar alheio a essas coisas. Em grande parte, ele é um sociopata", afirma o diretor.

Se ter Michael Fassbender em cena era uma condição de existência do filme, a escalação de sua namorada foi menos óbvia. O papel acabou indo parar nas mãos da brasileira Sophie Charlotte, que faz sua estreia em Hollywood.

Sim. No mês em que a atriz lança o seu personagem mais importante no cinema brasileiro, Gal Costa, ela também aparece no filme de Fincher.

Mas sua participação em "O Assassino" é mínima. Ela surge sob maquiagem pesada, já que a sua personagem sofreu uma agressão física na trama.

"Procurávamos uma atriz de origem dominicana e bonita. Mas algo era claro —a despeito da beleza natural da atriz, ela apareceria no filme como se tivesse enfrentado dez rounds contra [o ex-boxeador] Jake LaMotta", diz o diretor.

"Escolher uma atriz é um processo em etapas. O primeiro a fazer é assistir ao vídeo e ver se tem o talento que o papel exige. Depois, fazer testes com câmera e explicar a personagem. No caso, ela tinha de entender que a personagem não tinha um histórico. As falas que ela e o assassino dizem um ao outro são coisas que eles dois sabem, mas não o público. Mas a gente precisa ver na cena que há um verdadeiro cuidado e uma amabilidade entre eles", diz Fincher.

Ele ainda elogia a capacidade de Charlotte e Fassbender conseguirem transmitir tudo isso em uma única cena.

Um dos diretores de Hollywood com um dos fã-clubes mais aguerridos das últimas três décadas, Fincher sempre teve uma queda por filmes que abordam tramas sobre delitos e que não poupam em violência. "Seven: Os Sete Crimes Capitais", de 1995, "Clube da Luta", de 1999, e "Zodíaco", de 2006, falam por si próprios.

Ao ser questionado sobre os motivos de tanto fascínio pelo universo dos crimes, ele sorri. "Pergunte a Alfred Hitchcock", diz, brincando.

"Não sei se sou tão interessado assim em crimes. Quando era criança, se havia uma casa no fim da rua e as luzes ficassem apagadas por cinco noites seguidas, era o suficiente para começarmos a confabular. Acho que tendemos a preferir o que é fora da normalidade, porque é mais interessante. É escapar do rotineiro."

Antes de estrear em longas, Fincher dirigiu alguns dos mais aclamados videoclipes dos anos 1980 e 1990. Foi ele que pôs um batalhão de supermodelos fazendo caras e bocas diante da câmera em "Freedom! ’90", de George Michael, e registrou coreografias de Madonna em "Express Yourself" e "Vogue".

O cineasta diz que essa fase da carreira foi uma excelente escola para o cinema que ele faria depois em Hollywood.

"Ali, você estava trabalhando diretamente com o chefe do estúdio, que era quem estava cantando a música. Principalmente após trabalhar com Madonna, eu a olhava e pensava ‘essa é a pessoa que vai pagar por tudo, é a que tem algo a perder com esse vídeo’. Nós conversávamos. Ali, aprendi a lidar com as pessoas quando estavam cansadas e confusas."

Os videoclipes dirigidos por Fincher mostravam mundos vistosos, cosméticos. Agora, embora exista um lado rotineiro na vida do protagonista de "O Assassino", há também um lado repleto de glamour.

Mas o diretor não acredita que alguém possa se interessar por sair matando por aí só por ter visto o seu filme. "Você não pode se proteger da insanidade. Ela está sempre por aí, em algum lugar."

O Assassino

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