Com Thais Badu e Matemba, conheça os destaques da música amazônica atual

Artistas jovens da região olham para a fartura e originalidade de estilos que cruzam tradições negras, indígenas e caribenhas

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Belém

Thais Badu, Matemba, Agatha Sou e Yara MC, rappers negras do Pará e do Amapá, rimam versos de denúncia e marra e empoderamento no palco à beira do rio Guamá, em Belém. Pouco depois, no mesmo espaço, a banda mato-grossense Calorosa comanda um baile lambadão indie.

Noutro palco, poucos quilômetros rio acima, o Grupo Sancari expõe a pressão da tradição viva do carimbó e recebe o cantor trans Iris da Selva, com sua delicada abordagem do gênero paraense. Perto dali, a banda D’Água Negra, de Manaus, mostra um inventivo rock com acento jazz. Já Keila, ex-Gang do Eletro, canta sobre bases tecnobrega.

A cantora Matemba
A cantora Matemba - Mariana Almeida/Divulgação

Atrações do Festival Se Rasgum, realizado entre os dias 14 e 18 de novembro em Belém, esses artistas representam um momento rico e fervilhante da música e da região amazônica. Um cenário que colhe uma movimentação que vem se dando ao longo dos últimos 20 anos, como explica o músico e pesquisador Bruno Rabelo. "Na Amazônia temos gêneros como lambada e carimbó, para os quais a elite e a juventude urbana davam as costas. De 2000 para cá, eles começaram a ser mais aceitos".

Rabelo aponta antecedentes que datam do início dos anos 2000. "Isso se deu por ações como o próprio Se Rasgum, que está aí há 18 anos, por pesquisas como a de Pio Lobato, que levou a guitarrada para a universidade, e por iniciativas como o Terruá Pará, evento financiado pelo estado que revelou ao Brasil Gaby Amarantos e Mestres da Guitarrada."

Ou seja, assim como o manguebeat recifense nos anos 1990 abraçou a ciranda e o maracatu, artistas jovens da região amazônica olharam para a fartura e originalidade de seus gêneros musicais que cruzam tradições negras, indígenas e caribenhas. Entre elas, o carimbó paraense, o marabaixo amapaense e o lambadão mato-grossense —além da música popular eletrônica das periferias, como o tecnobrega.

"O que está acontecendo agora na música produzida na Amazônia é um momento muito especial de pertencimento, orgulho de ser local, no qual os artistas querem levar na sua música essa cultura, as raízes daqui", observa Marcelo Damaso, que assina a direção do Se Rasgum com Renée Chalu.

A fala de Damaso é referendada pelos shows de diversos artistas do festival. Não raro, letras de rap ou rock fazem referência ao Círio de Nazaré e ao boi bumbá, ou a pratos marcantes da culinária local, como açaí e tacacá. Ainda que seja uma piada, o recente meme de Poze do Rodo cantando, num áudio gerado por inteligência artificial, o hit de Joelma "Voando pro Pará" ilustra bem as fusões que têm sido feitas em solo amazônico.

As referências à cultura local aparecem nas tradicionais saias do carimbó no show de Mestra Baixinha e Mestra Jesus assim como nas projeções do telão no coletivo de rappers negras, que nos vídeos exploram espaços como o mercado Ver-O-Peso ou os caudalosos rios da região.

A cultura amazônida —termo que procura dar conta de maneira mais ampla da paisagem humana, natural e urbana da região— está também nos grafismos que evocam a estética das aparelhagens nos shows de Keila e da cantora trans Enme, que cruza elementos queer, indígenas e eletrônicos em sua performance. Ou ainda nas maracas empunhadas pela DJ Carol Tucuju.

Bruno Rabelo confirma uma impressão que a lista de artistas citados sugere. "Há um protagonismo feminino e LGBTQIA+, assim como uma participação marcada do movimento negro. Eles estão na ponta do fortalecimento da cena local."

No panorama da cena amazônica, o festival inclui ainda artistas como Reiner, Raidol, Pratagy, DJ Digestivo, Felipe Cordeiro, Luê, Cravo Carbono e Coletivo Rádio Cipó. Mas o painel musical da região vai além das fronteiras do line-up do Se Rasgum. Bruno Rabelo lembra nomes como Layse Rodrigues, o baile do Clube da Guitarrada, do qual ele é um dos integrantes, a banda Alaídenegão e a cantora Marcia Novo.

Coordenadora do festival Varadouro, do Acre, Karla Martins lembra o rapper Victor Xamã e as cantoras Aíla e Patrícia Bastos. Nascida em Macapá, Bastos acaba de lançar o álbum "Voz da Taba", terceiro de uma trilogia dedicada ao universo sonoro, poético e imagético da Amazônia. O disco, com arranjos de Dante Ozzetti que unem elegância da MPB ao calor dos ritmos locais, tem a participação de artistas como Caetano Veloso, Alzira E e Cristóvão Bastos.

"No disco, ultrapassamos a fronteira e vamos para a Guiana, trazendo essa música mais dançante, como a soca e o zouk, que influenciam tanto o Amapá", conta Bastos. "‘Voz da Taba’ é a voz do povo da Amazônia, seja o ribeirinho, o indígena ou o negro. A presença da cultura afro é especialmente marcada no Amapá, onde existem mais de 40 quilombos vivos."

Apesar da exuberância musical, a região enfrenta dificuldades para estruturar a cena devido a obstáculos de logística, como a falta de fornecedores e o custo do transporte. "Circular pela Amazônia é mais caro do que viajar para outros lugares do Brasil", nota Karla Martins.

Visando criar estratégias para enfrentar problemas como esse, Martins e outros produtores da região da Amazônia Legal —que inclui, além dos estados da região Norte, o Mato Grosso e o Maranhão— se juntaram no Circuito Amazônico de Festivais. A iniciativa, lançada durante o Se Rasgum, reúne os festivais Calango, Varadouro, BR 135, Se Rasgum, Tomarrock, Quebramar, Até o Tucupi e Casarão.

"Temos que chegar de bonde nos lugares, precisamos nos mover como coletivo", defende Martins. "Nosso próximo passo é apresentar o calendário de festivais do ano que vem, alguns deles sendo retomados depois de anos sem serem realizados."

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