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Leonardo Sanchez

Globo de Ouro foi grande vencedor da premiação ao driblar o seu passado

Apesar da festa de 'Oppenheimer' e 'Succession', prêmio foi quem teve o maior saldo positivo ao evitar alfinetadas

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São Paulo

O grande vencedor da 81ª edição do Globo de Ouro, neste domingo (7), foi o próprio Globo de Ouro. Os cinco troféus conquistados por "Oppenheimer", ou os quatro de "Succession", os títulos mais vitoriosos, ficaram ofuscados numa noite que serviu para reabilitar a premiação mais popular de Hollywood depois do Oscar e do Emmy.

imagem da barbie em frente a uma bomba com fumaça rosa entre uma fileira de estatuetas do globo de ouro
Ilustração de Silvis - Silvis via ferramentas de IA

Imerso em escândalos há três anos, quando uma bomba atômica em forma de reportagem do Los Angeles Times pôs a lisura do prêmio em xeque, com denúncias de corrupção, compra de votos e racismo, o Globo de Ouro agora parece ter feito as pazes com as indústrias de cinema e televisão dos Estados Unidos.

Foi o que mostrou a sua festa de domingo, no tradicional hotel Beverly Hilton, em Los Angeles, que viu estrelas do calibre de Emma Stone, Meryl Streep, Leonardo DiCaprio e até o sempre politicamente correto Mark Ruffalo se juntarem para celebrar a ideia de ter seu nome vinculado ao Globo de Ouro.

Para atraí-las, foi preciso passar o prêmio da antiga Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood para as produtoras Penske Media Corp. e Eldridge, diversificar e aumentar o quadro de votantes de 90 para 300 integrantes e fazer um mea-culpa meia-boca na cerimônia do ano passado.

Assim, repaginado, o Globo de Ouro se apresentou como uma novidade nesta edição, rompendo com o passado dúbio que o assombrava –ao menos diante das câmeras, já que o processo de votação continua sendo pouco transparente.

Nem por isso a premiação passou ilesa. Logo no começo, Robert Downey Jr. agradeceu aos jornalistas votantes por "mudarem o seu jogo". Mas foi só isso. Ninguém mais que subiu ao palco quis criticar ou brincar com as polêmicas.

Nada, também, por parte do apresentador Jo Koy, que penou para quebrar o gelo logo no início da cerimônia –o gelo, porém, continuou intacto até o fim da noite, com eventuais momentos mais relaxados, mas por parte dos convidados a apresentar categorias.

Rostos estrelados, constrangidos, se alternavam na montagem inicial da exibição, conforme as piadas eram disparadas, e Koy, sozinho no palco, ria das próprias sacadas. Seu monólogo de abertura foi dos piores da memória recente.

Greta Gerwig fez a pior das caretas, quando definiram seu filme de pretensão feminista, "Barbie", como a história de "uma boneca de plástico com peitões". O pênis de Barry Keoghan, em "Saltburn", e o nariz de Bradley Cooper, em "Maestro", também foram lembrados.

Christopher Nolan e Martin Scorsese foram outros diretores que não pareceram gostar das piadas com "Oppenheimer" e "Assassinos da Lua das Flores". O primeiro ficou com cara de poucos amigos ao ser questionado sobre quando a próxima temporada do filme sairia. O segundo, por mais simpático que seja, não conseguiu enganar quando disseram que a premissa de seu filme foi roubada dos indígenas –algo já reconhecido, mas com sutileza, na própria obra.

Mas houve clima de descontração entre os presentes, ainda assim, e brincadeiras com o álcool servido aos montes. Deu a entender que os braços estão abertos para o Globo de Ouro, embora a cerimônia tenha sido apenas a primeira etapa da batalha que enfrenta.

A segunda acontecerá na noite de entrega do Oscar, no dia 10 de março, quando o público saberá se ele ainda serve como termômetro da temporada de prêmios hollywoodianos ou se é algo isolado, que não reflete os ânimos da indústria.

Vale lembrar que, no ano passado, seus dois grandes vencedores —"Os Fabelmans", de Steven Spielberg, e "Os Banshees de Inisherin", de Martin McDonagh— saíram do Oscar de mãos vazias.

Neste ano, parece mais fácil prever o que vai acontecer, já que o Globo de Ouro de melhor filme de drama, para "Oppenheimer", pode ser lido também como um obrigado de um cinema americano em crise para um dos campeões de bilheteria do ano passado.

"Barbie", mesmo que preterido em relação a "Pobres Criaturas", levou como prêmio de consolação a nova categoria de melhor realização cinematográfica e de bilheteria. É provável que fique em segundo plano também no Oscar, onde não há distinção entre drama e comédia e, portanto, espaço extra para acomodar alguém junto com "Oppenheimer".

O longa de Christopher Nolan é também uma escolha segura, quase unânime, e visa o apaziguamento após os ânimos exaltados que se impuseram sobre Hollywood por metade do ano passado, quando as greves de roteiristas e atores criaram animosidade entre estas categorias e os nomes que mandam e desmandam no cinema e na TV.

Goste ou não, fato é que "Oppenheimer" e "Barbie", para além de bem-vindos sucessos comerciais, são filmes com autoria e personalidade, exemplos do cinema-espetáculo que, em anos recentes, pareceu limitado a sequências, derivados e super-heróis, até chegar ao ponto de aparente saturação.

Este Globo de Ouro foi, no geral, uma cerimônia bastante previsível e sem grandes aberrações e excentricidades, daquelas que fizeram muita gente não se surpreender quando as denúncias de compra de votos contra a premiação vieram à tona.

Talvez o maior choque tenha vindo com Justine Triet, que venceu a categoria de melhor roteiro em cima desses três longas-metragens citados, pelo vencedor da Palma de Ouro "Anatomia de uma Queda". Uma escolha inesperada, mas não apenas defensável, como correta.

Esta edição do prêmio foi também uma oportunidade para mostrar que seu quadro de votantes totalmente branco, antes da explosão dos escândalos, ficou para trás, com vitórias importantes em termos de representatividade —mas também merecidíssimas— para os asiáticos Steven Yeun e Ali Wong, da minissérie "Treta", para a indígena Lily Gladstone, do filme "Assassinos da Lua das Flores", e para as negras Da’Vine Joy Randolph, do longa "Os Rejeitados", e Ayo Edebiri, da série de comédia "O Urso".

Talvez seja sinal de mudanças reais, talvez seja só reflexo do momento atual da indústria. Essa resposta virá com o tempo, mas o saldo até agora é positivo para o Globo de Ouro, que ganhou mais uma temporada em sua saga de redenção.

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