'Sempre estive no teatro', diz Vera Valdez, que chega aos 88 anos no palco do Oficina

Atriz vai encenar espetáculo em comemoração ao aniversário e lembra amizade com José Celso Martinez Corrêa

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São Paulo

A atriz Vera Barreto Leite Valdez olha para uma das galerias do Teatro Oficina e lembra o dia em que José Celso Martinez Corrêa observava, do alto, a sua interpretação de Henriette Morineau, a madame do teatro, em uma das montagens de "Cacilda". No espetáculo, o grupo encenou a vida e a obra de Cacilda Becker, com a participação de outros artistas ilustres.

Na lembrança de Vera, o olhar do amigo era de admiração. A ex-modelo de Chanel e um dos maiores encenadores do teatro brasileiro eram amigos desde a década de 1960, trocavam afetos e também protagonizavam muitas brigas.

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A atriz Vera Valdez, em ensaio para a revista Serafina, em 2015 - Pablo Saborido

"Éramos safados, malandros. O Zé era um malandro. Malandro esperto", diz Vera. "Tenho a maior admiração e uma alegria por nossas brigas. Nelas estavam a intimidade, a amizade".

Dez meses após a morte do parceiro, vítima de um incêndio no apartamento em que morava, Vera volta ao palco revolucionário do Oficina, no Bixiga, região central de São Paulo. É lá que vai comemorar os 88 anos em um "acontecimento cênico" dirigido por Marcelo Drummond e Aury Porto.

A atriz enfrenta a fragilidade física para dar conta da preparação e revela estar satisfeita com a homenagem que envolve a equipe do Oficina.

"A grande alegria que senti foi ver que todo mundo ficou muito feliz. Isso dá uma gratidão incrível", afirmou na quarta-feira (22), após quatro horas de ensaio.

Ela e outras atrizes e atores vão encenar, em três apresentações, a peça "Vozes Humanas", que entrelaça relações artísticas e afetivas de Vera por meio de uma versão do monólogo "A Voz Humana", de Jean Cocteau.

Vera Barreto Leite antes da apresentacao de 'Bacantes', no Teatro Oficina - Greg Salibian - 26.dez.17/Folhapress

O entrelaçamento é múltiplo. Vera conheceu Cocteau quando era modelo de Chanel, em Paris. Testemunhava os almoços do poeta e dramaturgo com a amiga estilista.

"A Chanel e os amigos dela olhavam para mim como uma menina ousada, fazendo aquele trabalho com ela, que era uma mulher considerada meio devassa", diz.

Anos mais tarde, em "Cacilda", quando interpretou Morineau, que inaugurou o TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), em São Paulo, com o monólogo de Cocteau, Vera sugeriu encarnar o papel que agora a leva de volta à cena teatral.

Segundo Aury Porto, é uma interpretação debochada, irônica, às vezes cínica da obra original. "Ela imprimiu isso no texto", afirma.

E será, também, uma encenação libertária, como tudo o que está relacionado ao Teatro Oficina e a Vera.

No ensaio acompanhado pela reportagem, a atriz revelou que ficará nua em uma das cenas. E deu uma resposta definitiva sobre a importância de tirar a roupa no teatro. "É melhor do que ficar nua para ser torturada. É um grito de liberdade".

Vera precisou lidar com a prisão de familiares durante a ditadura militar e conta ter passado por uma sessão de tortura, com choques, no dia em que policiais encontraram uma pequena porção de drogas em sua bolsa Chanel. Lidou também com a censura e com a distância de amigos exilados.

Ao receber o convite para o espetáculo, a artista veterana imaginou os dois diretores conversando e falando um para o outro: "E a Vera?". Lembrou da época em que viveu Madame Morineau, atuando em francês, ao lado de Zé Celso, e da expressão dele diante de seu trabalho. "Ficava lá em cima com cara de gozo, de prazer", diz. "Tenho esse apego pela ‘Voz Humana’".

A atriz não imaginava que o amigo morreria primeiro. "Sou mais velhinha. Pouca coisa, nove meses", justifica, sugerindo acreditar que partiria antes. "O fantástico é que ele ficou impregnado. Zé está vivo. É muito presente, cada um tem uma história com ele", conclui.

A peça "Vozes Humanas" será apresentada em três segundas-feiras no Oficina, "três celebrações", como diz Marcelo Drummond —27 de maio e 3 e 10 de junho, sempre às 20h.

Vera quis estar em cena para contar uma parte de sua história que inclui moda, teatro, cinema, TV, transgressões e muitos amores. "Milhares", ela diz. Mesmo diante de uma vida rica em experiências e de se manter no teatro aos 88 anos, não vê sentido em ser chamada de ousada ou corajosa.

"Não é coragem, é criação. Fui criada por uma mulher libertária, boêmia, intelectual, safada, malandra, que dava tudo pelo teatro e me ensinou o caminho", afirma sobre a mãe, a atriz Maria Barreto Leite. "Sempre estive no teatro".

Vozes Humanas

  • Quando Segundas-feiras, 27 de maio; 3 e 10 de junho, 20h
  • Onde Teatro Oficina
  • Autoria A partir do texto de Jean Cocteau
  • Elenco Aury Porto, Camila Mota, Fred Steffen, Joana Medeiros, Mariana de Moraes e Sylvia Prado
  • Direção Aury Porto e Marcelo Drummond
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