Novo vinil 'Paêbiru' revitaliza disco raro de Zé Ramalho de acordo com formato original

Primeiro do artista paraibano, o álbum de 1975 teve a primeira prensagem destruída por enchente e versão modificada circulou

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Paraty (RJ)

Para colecionadores de vinil, uma espera de quase 50 anos terminará em meados deste mês, quando a gravadora Polysom lança, em disco, a versão original do LP "Paêbiru: Caminho da Montanha do Sol" de Lula Côrtes e Zé Ramalho, lançado em 1975 pela gravadora pernambucana Rozenblit.

A mesma Polysom havia lançado, há cinco anos, um vinil do álbum, mas este não foi feito a partir da versão original do LP, mas de uma versão modificada pela gravadora Rozenblit. Para apreciar "Paêbiru" em disco e da maneira como Côrtes e Zé Ramalho o imaginaram, só ouvindo a nova edição.

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Detalhe da capa do disco 'Paêbirú', de Lula Côrtes e Zé Ramalho - Reprodução

A história de "Paêbiru" faz parte da mitologia do rock brasileiro. Gravado há 50 anos por Zé Ramalho e Lula Côrtes com ajuda de vários músicos nordestinos que depois se tornariam famosos, como Geraldo Azevedo e Alceu Valença, o disco foi inspirado na lenda de Sumé, entidade mitológica dos tupi.

Zé e Côrtes, leitores de Carlos Castañeda e fissurados na contracultura e nos movimentos hippie e beatnik, fizeram um LP experimental, misturando rock lisérgico e música folclórica nordestina. O tema do disco era a Pedra do Ingá, um monumento no agreste paraibano que contém inscrições rupestres de origem desconhecida e que, para alguns, seriam obra de extraterrestres.

Era um LP duplo, em que cada lado vinha identificado por um dos quatro elementos, terra, ar, fogo e água.

"Lula chegou à gravadora, falou do projeto, e meu pai [José Rozenblit] logo concordou em gravar aquela loucura", conta Hélio Rozenblit. "Lula e Zé Ramalho eram muito jovens, ninguém os conhecia, então acho que foi uma coisa muito corajosa do meu pai dar espaço para aqueles músicos tão novos."

Rozenblit conta que o disco foi gravado num esquema totalmente improvisado. "O Zé Ramalho dava o início com violão, depois vinha o Lula e botava o tricórdio, e cada um que chegava depois improvisava em cima daquilo. O Alceu chegou lá de fralda ainda, não era o famoso Alceu Valença, e fez efeitos de besouro, barulhos de mosca, passando os dentes no celofane para criar efeitos. Depois vieram Robertinho de Recife, Zé da Flauta, grandes músicos, e cada um deu sua colaboração."

Ele diz ainda que apenas 300 discos foram prensados. "Fizemos um número pequeno porque ninguém sabia se aquele disco, que era caro por ser um vinil duplo, com uma capa muito bem feita, iria vender alguma coisa."

Em 17 de julho de 1975, uma das piores enchentes da história do Recife deixou 80% da cidade debaixo d’água, incluindo a fábrica da Rozenblit. "Ficamos dois dias ilhados dentro da fábrica, comendo cocos e um saco de farinha que alguém tirou da cozinha." Quase todo o estoque de discos da fábrica foi destruído, incluindo as cópias de "Paêbiru".

Rozenblit calcula que apenas 15 ou 20 discos da prensagem original sobreviveram: "Nós tínhamos mandado uns cinco para o Lula, cinco para o Zé Ramalho, e ficamos com alguns. O resto todo foi perdido". Nos anos seguintes, cópias desse vinil seriam vendidas por até R$ 10 mil.

As águas destruíram também o acetato original usado como matriz do vinil, mas as chamadas fitas master, com a gravação original do disco, estavam numa prateleira alta e foram poupadas. Meses depois da enchente, Rozenblit levou essas fitas para o Rio de Janeiro, para a remasterizarização, e teve a ideia de incluir efeitos de "reverb" e eco.

Num estúdio no Rio, ele mesmo adicionou esses efeitos à gravação original de "Paêbiru", e é essa versão que, lançada depois em vinil pela Rozenblit, circulou mais entre colecionadores do Brasil e do mundo.

"Eu digo que há duas versões do disco: AC e DC, antes e depois da cheia", brinca Hélio. "A versão mais famosa, que quase todo mundo ouviu, é a feita depois da cheia. A que a Polysom está lançando agora é a original, sem os efeitos que eu adicionei ao disco."

Mesmo antes da enchente, a história da produção de "Paêbiru" já era repleta de acidentes de percurso. "Foi um disco muito maluco", diz Rozenblit. "Aconteceram alguns erros na gravação e na mixagem, mas que acabaram ficando no disco. Eu cometi um erro, mas que Lula adorou e disse para deixar —tem uma hora em que um pássaro bate as asas e pia. No estéreo, o som do piar foi para um lado e o barulho das asas foi para outro. O efeito não foi proposital, mas todo mundo gostou está assim até hoje."

Para adicionar à aura de mistério do disco, Lula Côrtes morreu em 2011, e Zé Ramalho raramente fala sobre o LP. "Paêbiru: Caminho da Montanha do Sol" será relançado na série "Clássicos em Vinil", que já pôs no mercado mais de 140 títulos importantes da música nacional.

Paêbiru

  • Preço R$ 440
  • Autoria Zé Ramalho e Lula Côrtes
  • Gravadora Polysom
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