Após falso suicídio e prisão, cineasta espera fim da pandemia para voltar ao pornô

Sady Baby participou de alguns dos mais bizarros filmes brasileiros, mas nenhum tão improvável quanto sua vida

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Gio Mendes

Jornalista e pesquisador de cinema

[resumo] Diretor pornô na Boca do Lixo dos anos 1980, Sady Baby teve uma vida mais extravagante que seus filmes: foi alvo de inúmeros processos na Justiça, calcula ter tido quase 40 filhos, teria forjado o próprio suicídio para escapar da polícia e acabou preso por falsidade ideológica e estelionato.

Em 21 de agosto de 2008, um texto publicado na rede social Orkut causou espanto. O diretor de filmes pornográficos Sady Baby havia cometido suicídio ao saltar de uma ponte no rio Uruguai, na divisa dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, escreveu sua então companheira.

Com o título de “Voo da morte”, a postagem de Ingrid Becker mencionava que a medida desesperada de Sady ocorrera cinco dias antes, por volta das 14h do dia 16.

Naquela época eu já pesquisava os filmes produzidos e dirigidos por Sady na Boca do Lixo de São Paulo nos anos 1980, e conhecia bem seu gosto por inventar histórias, muitas delas mirabolantes, sobre a própria vida. Logo, portanto, desconfiei da notícia de sua suposta morte.

As suspeitas aumentaram porque o corpo do diretor não foi encontrado nos dias seguintes. Além do mais, soube que a “viúva” não havia comunicado o fato às polícias Civil ou Militar ou aos bombeiros.

Na versão difundida por ela, o diretor resolveu dar cabo da própria vida porque temia ser preso. Ele era investigado pela Polícia Federal após recrutar duas menores de idade, de 16 e 17 anos, uma delas sua filha, para estrelar um filme pornô.

O longa, não à toa chamado “A Filha do Diretor”, seria seu primeiro trabalho após quase 20 anos longe das câmeras —o último dos 19 filmes de Sady, “O Ônibus da Suruba 2”, havia sido lançado nos cinemas em 1991.

Cismado com toda essa história, resolvi procurar o diretor de fotografia Renalto Alves, codiretor de nove filmes de Sady. Ele também se mostrou cético. “Não sei se ele se matou mesmo, ou se é armação. O Sady é o Sady. Tudo é possível”, disse.

Dois anos depois, em 23 de dezembro de 2010, nossas suspeitas se confirmaram. O espírito do diretor baixou no meu celular por meio de uma mensagem. “Tô muito bem. Tu vai se surpreender.” Retornei para o número que aparecia, mas ninguém atendeu.

O outro recado do mundo dos mortos só viria oito meses depois, em agosto de 2011, quando Sady me ligou, às gargalhadas. Ele explicou que estava escondido, com documentos falsos, e esperava alguns processos judiciais expirarem para ressuscitar com sua identidade verdadeira e dar continuidade a um novo “projeto artístico”.

Sady nunca assumiu que teria forjado a própria morte para escapar de processos. Quando o questionei sobre a tentativa de suicídio, alegou que realmente havia saltado no rio Uruguai e que estava vivo por um milagre, pois não sabia nadar. Sem saber explicar direito o motivo para se matar, deu a entender que enfrentaria problemas financeiros com a apreensão de seus últimos filmes pela polícia.

Em sua versão, após pular da ponte, foi arrastado pelas águas até ficar preso em alguns galhos, conseguindo sair do rio cerca de uma hora depois.

Sady conta que caminhou então do estado de Santa Catarina até o município paulista de Aparecida, onde agradeceu a padroeira do Brasil pela graça alcançada. Teria andado mais de mil quilômetros, em um trajeto de aproximadamente 200 horas.

Em seguida, por meio de pistas dadas por ele e outras pessoas próximas, deduzi que passou um tempo escondido em São Paulo e no Sul do país, mudando sempre de cidade para não ser descoberto pela polícia.

O jogo de esconde-esconde terminou por volta das 10h de 25 de fevereiro de 2013, quando Sady acabou preso ao ser parado em uma barreira da Polícia Rodoviária Federal em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. Ele dirigia um Meriva e usava documentos falsos em nome de um morador do Paraná. Os policiais rodoviários chegaram até ele após um comerciante receber um cheque sem fundos, de R$ 247.

Indiciado pelos crimes de estelionato e uso de documento falso, Sady foi transferido para a Penitenciária Industrial de Caxias do Sul. Alguns dias depois, ligou para meu celular, usando um aparelho emprestado por outro detento. Falou de seus últimos passos e se vangloriou por ter sido reconhecido por vários presos que já haviam assistido a seus filmes lançados em VHS, como “No Calor do Buraco” e “A Máfia Sexual”.

Alguns meses depois Sady deixou a prisão para responder ao processo em liberdade. Desde então me ligou algumas vezes para dar sinal de vida, mas sempre usando aparelhos que não permitiam a identificação do número. Limitava-se a comentar que fazia serviços braçais em fazendas na região Sul, sem mencionar as localidades.

Bem antes de seu “voo da morte” de 2008, Sady já havia se envolvido em graves problemas com a Justiça em razão de seus filmes. Em agosto de 1986, filmou um menino de 4 anos no longa pornô “Come Tudo”, alegando que contava com a autorização do pai.

Dias após a estreia, a Polícia Civil apreendeu todas as cópias da obra, e pelo menos 24 pessoas foram formalmente indiciadas. Na ocasião o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ainda não existia, e todos os envolvidos acabaram se safando do processo.

No caso do filme “A Filha do Diretor”, duas décadas depois, Sady pensou que não voltaria a ter problemas com a Justiça, uma vez que as adolescentes haviam sido emancipadas por seus pais —um deles, o próprio diretor.

A informação sobre a nova produção chegou ao conhecimento da Polícia Federal, que indiciou o diretor por três crimes previstos no ECA: produzir filme pornográfico com menor de idade, colocar cenas de pornografia infantil na internet e submeter adolescente à exploração sexual. O cineasta prestou depoimento na PF em 15 de julho de 2008 e foi liberado para responder em liberdade.

Nos dias seguintes Sady ficou incomunicável, temeroso de um possível pedido de prisão após a PF terminar a análise das imagens do filme. Pouco mais de um mês depois, a notícia do suposto suicídio aparecia no Orkut.

Enredos bizarros

A ideia de retomar a carreira no cinema com “A Filha do Diretor” virou questão de honra para Sady no começo dos anos 2000. Ele manifestou publicamente sua ideia em 3 de abril de 2006, no programa “Superpop”, apresentado por Luciana Gimenez, na RedeTV!. Meses antes, no mesmo programa, Sady e o cantor Ovelha, parecidos fisicamente, participaram de um teste de paternidade (o filho era de Sady).

Após o anúncio de seu novo projeto no cinema, dedicou-se a encontrar e convencer uma de suas filhas a participar de um filme pornô. Na época, o diretor calculava ter entre 35 e 40 filhos, com base no relato de ex-namoradas que apareceram grávidas ou quando era intimado ou preso pelo não pagamento de pensão alimentícia.

Na busca, Sady lembrou-se de uma jovem de Louveira (SP) que havia entrado em contato com ele pelo Orkut, afirmando ser sua filha. Com 17 anos, virgem e precisando de dinheiro, a garota aceitou a proposta de trabalhar com o pai, desde que fizesse a cena com outra mulher.

Os filmes de Sady estão entre os mais extremos e bizarros do cinema brasileiro. Incluem sexo com animais, defecação, banquetes de bichos peçonhentos e assassinato com motosserra.

O diretor de fotografia Renalto Alves presenciou quase todas essas cenas, mas até ele ficou chocado quando Sady escalou a própria filha para um filme pornô. Alves se recorda de que o diretor sempre foi muito hábil em convencer seus atores a fazer determinadas cenas. “Sady explicava que não eram eles que faziam aquilo, mas sim o personagem. Em alguns casos, dava bebida para os atores.”

Antes de se aventurar no cinema, Sady tentou a carreira de jogador de futebol em alguns times do Paraná nos anos 1970. Quando quebrou a perna pela segunda vez, desistiu do sonho de ser lateral-esquerdo.

Ao chegar a São Paulo no fim daquela década, começou a frequentar uma escola de cinema depois de ver um anúncio em jornal. Em seu início como ator, Sady participou do programa do Bozo na TVS, hoje SBT, como um dos noivos da Vovó Mafalda.

Em 1982, resolveu ser ator e produtor de cinema ao conhecer a atriz Zilda Mayo, uma das estrelas das pornochanchadas da Boca do Lixo. Então produziu e protagonizou “Escândalo na Sociedade”, dirigido por Arlindo Barreto, um dos Bozos da TV.

A obra estreou em 19 de novembro de 1984 no cine Marabá, em São Paulo, mas foi um fracasso. O mercado de filmes eróticos se voltava para o sexo explícito, e Sady resolveu abraçar a nova onda.

Quando esse ramo também entrou em estagnação —assim como o cinema brasileiro em geral no começo dos anos 1990—, Sady comprou um ônibus para rodar o Brasil e alguns países da América Latina com peças pornôs. No veículo rodou os dois filmes da franquia “Ônibus da Suruba”.

Em texto publicado na Folha em março de 1992, Arnaldo Jabor diz que Sady foi o inventor do cinema ao vivo. “Teve uma ideia genial: em vez de exibir filmes precariamente, sendo explorado por donos de cinema sórdidos, encheu um ônibus com 20 atrizes pornôs e hoje sai mambembando pelos cinemas do interior com shows de sexo explícito. Revoluções nas cidades, mulheres nuas em praças com igrejinhas e coreto, sacanagens rurais, folias brejeiras, putarias agropastoris. Leva um anão no elenco, de 83 centímetros, mas que na cama é um ‘gigante’: Joãozinho Terremoto, que transa 15 vezes numa noite.”

Nessa época Sady também construiu o teatro Soltando a Franga em Balneário Camboriú, em Santa Catarina. O teatro ganhou algum destaque na mídia em 2004, quando Sady divulgou fotos de um suposto strip-tease que a argentina Antonela Avellaneda, então participante do reality BBB, teria feito ali três anos antes. Antonela, porém, negou ter trabalhado para o diretor, alegando que as fotos foram produzidas na casa de uma amiga.

Pegando carona na repercussão do caso, Sady arranjou um sócio em São Paulo para abrir uma casa de espetáculos na região central de São Paulo. O teatro Sady Baby abriu as cortinas em agosto de 2005, com a peça “Soltando a Franga”. O novo negócio não prosperou e foi encerrado quatro meses depois.

No ano seguinte, teve início a série de percalços já narrados: a produção de “A Filha do Diretor”, o “voo da morte”, o sumiço do diretor e sua prisão. Desde então seu paradeiro é sempre incerto.

A última empreitada de Sady no mundo dos espetáculos eróticos ocorreu em dezembro de 2017, com a apresentação de uma peça pornô em um circo em Santa Catarina. “Sexo explícito ao vivo com divertida komedia erotika no circo teatro Soltando a Franga”, prometia os folhetos de propaganda do show. Diante do protesto de outros donos de circos, o contrato de locação do espaço foi encerrado. A experiência circense pornô também teve fôlego curto.

Conversei com Sady pela última vez em maio deste ano. Como de costume, ele me ligou de modo que eu não pudesse identificar seu número. Está com 67 anos, mas demonstrava a mesma empolgação de anos atrás. Sem dar muitos detalhes, disse que estava em fase de negociação com um novo sócio e aguardava apenas o fim da pandemia para fazer mais uma aposta no mercado do entretenimento adulto.

“Nós teremos até uma loja no teatro, com camisetas, canetas, calcinhas e cuecas personalizadas”, afirmou. Pelo visto, não pensa em aposentar o desejo de continuar soltando a franga.

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