'Para Darcy Ribeiro, não havia diferença entre cultura e educação', diz socióloga

Isa Grinspum Ferraz e Pedro Duarte participaram do 24º diálogo do ciclo Perguntas sobre o Brasil

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Belo Horizonte

"Tenho tão nítido o Brasil que pode ser, e há de ser, que me dói demais o Brasil que é", disse o antropólogo, escritor e político Darcy Ribeiro, um dos grandes intelectuais brasileiros do século 20, em discurso na Universidade de Copenhague, na Dinamarca, em 1991.

Ele continuou: "A utopia brasileira é singela: comida, casa, escola e remédio. O orgulho como povo, o espírito nacional, a criatividade e a alegria, isso já foi feito."

O trecho esteve em destaque na exposição "Utopia Brasileira – Darcy Ribeiro 100 anos", realizada neste ano no Sesc 24 de Maio, em São Paulo, e foi recuperado pela socióloga e cineasta Isa Grinspum Ferraz, curadora da mostra e colaboradora de Darcy por mais de dez anos, durante mais uma edição da série Perguntas sobre o Brasil.

a foto mostra um homem idoso branco, com cabelos curtos e bigode grisalhos, sorrindo em frente a uma imagem religiosa. ele está sentado e se apoia numa bengala.
O antropólogo Darcy Ribeiro no Rio de Janeiro em 1995, ano de publicação de "O Povo Brasileiro" - Luciana Whitaker/Folhapress

Organizado pelo Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo, pela Associação Portugal Brasil 200 anos (APBRA) e pela Folha, o ciclo de diálogos debateu o Brasil utópico de Darcy na última quarta (1º).

Além de Ferraz, o evento recebeu o professor de arte e filosofia da PUC-Rio Pedro Duarte de Andrade numa conversa mediada por Marco Rodrigo Almeida, editor-adjunto da Ilustríssima, da Folha

Em 1995, o antropólogo mineiro publicou "O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil", livro indicado por 10 dos 169 intelectuais de língua portuguesa que compuseram o conselho curador do projeto 200 anos, 200 livros, que listou duas centenas de obras relevantes para entender o país.

"É um livro importante porque é uma síntese do pensamento dele", explica Isa Ferraz. Como ela conta, a obra -que começou a ser escrita durante o período no exílio e foi finalizada após a descoberta do seu segundo câncer- é marcada pela pressa, dada a proximidade da morte. Ele nos deixou em 1997, dois anos depois da publicação.

Para Duarte, "a utopia de Darcy Ribeiro tenta responder a uma espécie de vão, de lacuna, entre a potência civilizatória do Brasil no mundo e, entretanto, tudo aquilo que falta para que essa potência possa ser plenamente atualizada como um projeto social e político".

Por isso, como ambos ressaltaram durante a conversa, Darcy pode ser visto como um intelectual que pensa, planeja e executa. Não à toa, enveredou-se para a política, assumindo os cargos de ministro da Educação (1962-1963), ministro-chefe da Casa Civil (1963-1964), vice-governador do Rio de Janeiro (1983-1987) e senador também pelo Rio (1991-1997).

Darcy, cujo centenário foi celebrado em 2022, foi responsável pela criação, entre outros projetos, da Universidade de Brasília (UnB), do Memorial da América Latina, em São Paulo, do Sambódromo da Marquês de Sapucaí, no Rio.

"Na cabeça dele", diz Ferraz, "não havia diferença nenhuma entre cultura e educação. Ele era um cara que amava a festa e amava o Brasil".

Para a socióloga, essa interseção representa um diferencial do pensamento do intelectual, algo que demarca a atualidade de sua obra. "O caminho é educação com poesia. Darcy tinha uma visão poética da vida. Ele gostava da beleza, gostava das contradições, ele tinha sede de viver."

Como lembra Duarte, "afirmar a atualidade do pensamento de Darcy Ribeiro como uma contribuição ao debate contemporâneo não significa, evidentemente, endossar todas as suas teses. Às vezes é até o contrário. É importante que determinadas ideias coloquem um pouco em questão as nossas."

"A utopia dele, portanto, é a inscrição da potencialidade de um Brasil que, infelizmente, há e não há", ressalta o professor. "Existe enquanto potência, mas a sua atualização depende de coragem, empenho, sinceridade, esclarecimento, educação e cultura, tudo aquilo pelo que Darcy lutou."

A íntegra do debate, que ainda discutiu a miscigenação e o racismo brasileiros, a contribuição indígena para a formação do país e alguns fatos curiosos da biografia do intelectual, segue disponível no Youtube. Assista abaixo.

Desde setembro do ano passado passado, o ciclo de diálogos Perguntas sobre o Brasil debate questões relacionadas à identidade, à cultura e aos desafios do país, com base na lista do projeto 200 anos, 200 livros.

O evento tem transmissão pelos canais do Sesc São Paulo, do Diário de Coimbra e da APBRA no Youtube. A próxima edição ocorre excepcionalmente no dia 29 de novembro, com o tema "O Brasil precisa de Portugal? Portugal precisa do Brasil?"

A última conversa, marcada para o dia 6 de dezembro, questiona: "Por que o Brasil ainda não reconhece a importância da Amazônia?".

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