Descrição de chapéu 200 anos, 200 livros

Peças de Nelson Rodrigues destroem padrões morais, diz diretora

Os encenadores Cibele Forjaz e Sergio Módena participaram do debate sobre o dramaturgo no ciclo de diálogos Perguntas sobre o Brasil

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Belo Horizonte

Entre as obras indicadas pelo projeto 200 anos, 200 livros, que listou, no ano do bicentenário da Independência do Brasil, duas centenas de obras importantes para entender o país, estão duas peças do dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980): "Álbum de Família" (1945) e "Asfalto Selvagem" (1959).

"Nelson Rodrigues transformou o drama do suburbano médio brasileiro em tragédia grega, em Medéia, Édipo e Antígona", escreveu a atriz, romancista e colunista da Folha Fernanda Torres ao recomendar a primeira.

"Uma prova da ousadia do país naquele tempo", destacou o jornalista e também colunista do jornal Ruy Castro, justificando sua indicação da segunda.

O jornalista, cronista e dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues - Divulgação

Como explica o professor e crítico Luiz Fernando Ramos, que leciona história e teoria do teatro na USP, apesar de "terem sido amaldiçoadas à época", as primeiras peças de Nelson Rodrigues foram muito importantes para formar e consolidar sua dramaturgia.

Mas quais foram os trajetos, de vida e obra, que impulsionaram o nome do dramaturgo ao rol dos grandes autores do teatro brasileiro?

Na quarta (18), Ramos mediou o 23º diálogo do ciclo Perguntas sobre o Brasil, organizado a partir da seguinte questão: Nelson Rodrigues ainda é o nosso maior dramaturgo?

Participaram do debate a diretora e iluminadora Cibele Forjaz, professora do departamento de artes cênicas da USP, e o diretor Sergio Módena, que trouxe de volta aos palcos uma montagem do clássico "A Falecida" (1953), do próprio Nelson, em agosto deste ano.

"O Nelson fica jogando com sua posição política, de ‘polemista reacionário’ e de cronista", introduziu Forjaz, "para explodir a sociedade brasileira e, principalmente, a sociedade da classe média carioca".

Não é à toa que, segundo ela, "Álbum de Família" passou quase 20 anos embargado pela censura. "Todas as peças do Nelson começam em nome da moralidade e vão destruindo, ali por dentro da família mesmo, todos os padrões sociais, morais, econômicos e sexuais [desse período]".

Módena concordou com Forjaz, recuperando os diferentes momentos históricos em que Nelson foi perseguido, seja pelo esquecimento, seja pela negação.

O diretor lembrou que, durante a preparação para a montagem de "A Falecida", era comum a preocupação dos seus pares em relação ao modo como tal dramaturgia, marcada por algumas interpretações machistas, seria vista diante das questões e das lutas por afirmação contemporâneas.

"Essa desconfiança em relação ao Nelson definitivamente nunca foi embora", ele afirmou. "Mas é claro que quando a pessoa entra realmente em contato com a obra do Nelson, ela vai ver que o buraco é muito mais embaixo", ressaltando as contradições dos personagens.

Para Ramos, o dramaturgo também deve ser reconhecido como um grande ensaísta da sociedade "por ter posto os dedos devidos em todas essas feridas e ter provocado todos os tabus".

"Para fazer isso, é preciso ter coragem. Não é um defeito, é uma virtude", disse o professor. "Como essas peças têm esse poder de serem clássicas –as coisas estão todas lá, basta você ter coragem de enfrentá-las–, elas sempre terão algo pra dizer para a nossa sociedade, para a nossa época."

A íntegra do debate segue disponível no YouTube. Assista abaixo.

O ciclo Perguntas sobre o Brasil discute, desde setembro do ano passado, questões relacionadas à identidade, à cultura e aos desafios do país. O evento é organizado pelo Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo, pela Associação Portugal Brasil 200 anos (APBRA) e pela Folha.

A próxima edição, marcada para o dia 1º de novembro, terá como tema a utopia na obra do antropólogo Darcy Ribeiro, tendo como base o livro "O Povo Brasileiro" (1995). A transmissão ocorre nos canais do Sesc São Paulo, do Diário de Coimbra e da APBRA no Youtube.

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