'Ditadura ainda está presente entre nós,' diz historiador

Em sua 21ª edição, ciclo Perguntas sobre o Brasil discute autoritarismo no país

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Belo Horizonte

É preciso defender a democracia brasileira de modo mais enfático, diz o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, autor de "Passados Presentes: O Golpe de 1964 e a Ditadura Militar", livro lançado em 2021.

Segundo ele, essa questão deve ser tratada com urgência diante do que se viu ao longo do governo Bolsonaro, marcado por um crescente autoritarismo na política e pelo aumento da violência policial, além, claro, da tentativa fracassada de golpe em 8 de janeiro, quando bolsonaristas invadiram e depredaram o Congresso, o Planalto e o STF.

"A ditadura ainda está presente entre nós, não foi superada", reflete o historiador.

na parede, estão os quadros de homens da história do Brasil. abaixo, dentro de um baú de vidro quebrado, está uma cópia da constituição brasileira, no centro de duas fotos históricas em preto e branco
Peças do museu do Senado que foram danificadas durante invasão de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro aos prédios que compõem a Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro deste ano - Gabriela Biló - 09.jan.23/Folhapress

Na tarde da quarta-feira, dia 6, Sá Motta participou da 21ª mesa online do ciclo Perguntas sobre o Brasil, série de debates organizada pelo Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo, pela Associação Portugal Brasil 200 anos (APBRA) e pela Folha.

O evento, que ainda contou com Ivo Herzog, fundador e ex-diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog, partiu da seguinte questão: passados quase 40 anos da redemocratização, por que o Brasil ainda sente os efeitos da ditadura?

A conversa foi mediada pelo jornalista Oscar Pilagallo, autor de "O Girassol que nos Tinge – Uma História das Diretas Já, O Maior Movimento Popular do Brasil".

De acordo com Sá Motta, a transição do regime ditatorial para a abertura democrática foi muito suave, especialmente para os militares.

"Nós não conseguimos reverter a derrota das Diretas Já. O movimento solidificou o caminho para uma saída negociada da ditadura, mostrando aos apoiadores ‘lúcidos’ do regime que não dava para continuar e que seria mais inteligente para eles que fizessem acordos de maneira indolor", afirmou o historiador.

"Uma das grandes questões que a gente não tratou foi a investigação e a punição dos crimes cometidos durante a ditadura", diz Ivo Herzog. "Nós tivemos uma anistia com um formato único no mundo, que anistiou aqueles que cometeram os chamados 'crimes comuns', violências, desaparecimentos, assassinatos e torturas. Ou seja, os agentes do governo."

Herzog, que é engenheiro de formação, mas há décadas atua nas áreas de democracia e direitos humanos, citou como exemplo sua própria história familiar.

A certidão de óbito do pai, o jornalista Vladimir Herzog, militante crítico da ditadura e assassinado pelo regime, só foi retificada após 40 anos de sua morte. Hoje, o trecho "morte [decorrente] de lesões e maus-tratos sofridos em dependência do II Exército–SP (Doi-Codi)" substitui a antiga imputação de suicídio colocada pelos militares em 1975.

"Existe um entendimento no processo jurídico internacional de que o que aconteceu no Brasil durante a ditadura é imperdoável e imprescritível. Falta o Estado se pronunciar sobre isso", ele afirma.

Essa "política deliberada de esquecimento" que, segundo Sá Motta, caracteriza a Nova República brasileira, está na base de todos os ataques antidemocráticos recentes.

Na opinião do historiador, mesmo com iniciativas mais modestas de investigação e responsabilização na década de 1990, com o governo FHC, e outras mais "ousadas", como a Comissão Nacional da Verdade, instituída pela presidente Dilma Rousseff em 2011, ainda falta ao Brasil um investimento amplo em políticas de educação e memória relacionadas ao tema.

"O ponto-chave é a manutenção das Forças Armadas como uma instituição preservada, em que pese o seu papel como agente da repressão durante a ditadura", diz Sá Motta.

"As Forças Armadas se mantiveram unidas e ficaram muito tempo nos bastidores até terem condições de sair um pouco e tentar reassumir o cenário público, movimento que começou com o governo Temer, se solidificou com Bolsonaro e, felizmente, foi derrotado nas urnas."

A conversa, que abordou ainda os desafios impostos pela extrema direita, o papel das redes sociais no processo democrático e a militarização das forças policiais, segue na íntegra nos canais do Sesc São Paulo, do Diário de Coimbra e da APBRA no Youtube. Assista abaixo.

A próxima edição da série Perguntas sobre o Brasil, que vai discutir as cotas raciais, está marcada para o dia 20 julho, às 16h, com transmissão ao vivo pelos canais citados.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.