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Getúlio Vargas

Gosto do título de ex-ditador, escreveu Getúlio; leia íntegra de caderno inédito

Folha teve acesso a manuscrito do final dos anos 1940, doado recentemente por neta à Fundação Getulio Vargas

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Getúlio Vargas

Militar e político, foi presidente do Brasil em dois períodos: de 1930 a 1945, quando foi deposto, e de 1951, eleito por voto popular, a 1954, quando se matou em 24 de agosto, no Palácio do Catete, então sede do governo

[RESUMO] Leia a seguir a íntegra de texto inédito de Getúlio Vargas, escrito à mão em um caderno no período de 1945 a 1949, quando estava recluso em fazendas do Rio Grande do Sul, após queda da ditadura do Estado Novo. Nas anotações, ele revê sua trajetória, manifesta desconfiança sobre a democracia liberal e prepara sua volta ao poder. O material foi transcrito pela Fundação Getulio Vargas. Colchetes foram usados para indicar palavras ilegíveis ou que faltavam para dar sentido à frase, para corrigir erros, de grafia ou de concordância, ou contextualizar alguns trechos. Os asteriscos foram acrescentados pela Folha para separar os assuntos.

Não sou candidato nem desejo ser. Se pretendesse continuar no governo em 1945 teria me desincompatibilizado, oportunamente, passando o governo e indo pleitear como candidato. Precisava descansar e permitir que se fizesse a experiência dum novo governo. A experiência está feita. Mas também eu estou mais vivido.

O que se fez como obra de desorganização administrativa, de anarquia política, é muito grande, para ser corrigido em pouco tempo. Eu prefiro continuar sendo o ex-ditador, como costumam chamar-me alguns plumitivos [expressão pejorativa para designar escritor ou jornalista sem mérito]. E até gosto. O que eles denunciam ditadura é tão melhor do que o que aí está, que o povo já começa a ter saudades.

Não sou contrário à democracia. Julgo apenas que essa democracia que aí está é profundamente reacionária e anárquica. Está fora de seu tempo. É a velha democracia liberal que em matéria de economia política ainda [reza] pela cartilha de A. Smith [Adam Smith (1723-1790), considerado o mais importante teórico do liberalismo econômico].

Getúlio Vargas (à frente) em sua fazenda em São Borja (RS), no final dos anos 1940
Getúlio Vargas na Fazenda Itu, em Itaqui (RS), entre 1945-1949, no período de seu autoexílio - Fundação Getulio Vargas/CPDOC

Para eles democracia é a liberdade individual para os poderosos do dia fazerem o que entendem, oprimindo aos pobres e humildes [ou], pelo menos, passarem indiferentes ante a penúria e o sofrimento alheios. Para eles o Estado é um Estado polícia que não deve intervir, senão para garantir os privilégios dos poderosos do dia.

Entre esses os mais poderosos são os proprietários dos grandes jornais, opulentos gozadores da vida que impõem seu ponto de vista, [coagindo] a liberdade de pensamento de seus empregados. Esses potentados gozam de todos os privilégios, inclusive o de não pagar imposto de renda. Esses são os que envenenam e adulteram a opinião dos [que] leem. Eles defendem esse falso conceito de democracia porque esse é o conceito das grandes empresas que lhes pagam os anúncios que os mantêm, afora que os enriquecem.

O Parlamento votou uma lei melhorando os vencimentos dos empregados de jornais. O presidente da República [referência a Eurico Gaspar Dutra (1883-1974), presidente entre 1946 e 1951] vetou essa lei, sob o fundamento de que ela atentava contra a liberdade das empresas. Que é toda a legislação social em favor dos trabalhadores se não uma restrição à liberdade dos patrões? Por que essa exceção?

É o medo dos proprietários de jornais, medo que vai até a cumplicidade no crime como o caso Cintra de S. Paulo [os pesquisadores da FGV não têm referência sobre o caso]. Este faleceu sem herdeiros. O patrimônio reverter ao Estado. O proprietário do Diário Carioca como advogado administrativo, tendo o irmão como interventor do Estado, obteve do presidente da República um decreto com efeito retroativo, revogando o Código Civil, para entregar a um herdeiro, criado pelo próprio decreto, um patrimônio de 100 milhões de cruzeiros que deviam reverter ao Estado.

No entanto, esse mesmo governo que veta uma lei do Congresso melhorando os vencimentos dos empregados de jornal, sob o fundamento de ofensa à liberdade das empresas, esse mesmo presidente revoga o Código Civil para lesar o patrimônio do Estado, sancionando uma escandalosa advocacia administrativa e proíbe ao povo manifestar-se em público para protestar contra a entrega do nosso petróleo ao estrangeiro.

É curioso como qualquer manifestação popular denunciando atos do governo contrários ao interesse público é logo tachada de comunismo. O governo não precisa defender-se nem explicar sua conduta, proíbe e tacha de comunismo. Essa é a democracia dos políticos e a interpretação do governo.

Essa democracia não tem sentido, nem direção, nem plano algum. Vivem de atacar o governo passado [referência ao seu primeiro governo (1930-1945)], sem nada fazer para justificar sua existência.

O governo passado foi a ditadura, o atual é a democracia. Mas o governo passado foi a construção, e o atual é a negação. O outro foi a riqueza e o trabalho; este é a miséria e a anarquia. "Mas temos liberdade", dirão eles. Porém, têm liberdade nas leis, mas não podem usá-las. A liberdade que existe é a dos poderosos para oprimir os humildes. Quanto a estes nem protestar podem, porque são logo tachados de comunistas.

Nunca fui contrário à democracia. O que sempre afirmei é que a democracia não podia ser simplesmente política, mas também econômica. De que serve igualdade política, sem igualdade social?

O que precisamos é de um governo de ordem, de paz e de trabalhos, em que os problemas de interesse do povo sejam resolvidos pelos técnicos e não pelos políticos.

Estou farto de política e de políticos.

O governo vai festejar o 29 de outubro de 1948. Há dois atos bem significativos desse governo, porque são simbólicos. A mesma mão que enfia na cabeça do ministro Linhares [presidente do Supremo Tribunal Federal à época, José Linhares (1886-1957), convocado pelas Forças Armadas, foi presidente da República por três meses (entre 29 de outubro de 1945, queda de Getúlio, e 31 de janeiro de 1946, posse de Dutra)] o colar da grã-cruz da ordem do mérito, arrancará as placas com o meu nome da nova grande avenida do Rio de Janeiro. Isso dá uma ideia do espírito mesquinho e reles do atual chefe do governo do Brasil.

Poderão retrucar-me: "Mas V. é o responsável pela escolha desse homem". É bem verdade [Getúlio apoiou Dutra na campanha]. Tive um engano. Eu sabia que ele era burro, mas pensava que tinha caráter.

Das entrevistas do general Góes [Pedro Aurélio de Góes Monteiro (1889-1956), ministro da Guerra no primeiro governo de Getúlio, e o artífice de sua derrubada em 1945] sobre o 29 de outubro, li apenas uma, por alto. Entre muitas mentiras há uma verdade insofismável. A conspiração estava preparada com todas as minúcias e alguma antecedência, e ele, o ministro da Guerra, era o chefe dos traidores! A mudança do chefe de polícia foi apenas um pretexto para o desenlace.

Intensa é a fermentação mental na consciência das massas e em toda a atmosfera do nosso planeta:

1º) o dever de educação e cultura do povo;

2º) o dever de melhorar a produção para dar ocupação a todos.

Educar quer dizer: fazer de cada ser humano um cidadão integral. Mobilizar a produção: quer dizer estimulá-la nas fazendas e nas fábricas, organizar o seu transporte e circulação, levando-a ao consumo.

"Lins, 28 de dezembro de 1948

Ao eminente senador dr. Getúlio Dornelles Vargas.

Respeitosas e cordiais saudações. Venho pela presente solicitar de V.Exa que, pelo amor de Deus e para a salvação do Brasil, se candidate imediatamente à futura Presidência da República.

Nenhum brasileiro pode ima-[sic] nem melhores credenciais à futura Presidência do que V.Exa. O senador somente não foi eleito, evitando ao Brasil a calamidade gaspariana [referência ao presidente Gaspar Dutra], porque não se candidatou, pois, se isto fizesse, teria demonstrado o seu inconfrontável prestígio, obtendo uma maioria esmagadora na manifestação das urnas.

Nenhum governo se equipara ao seu em relevância de serviços prestados ao Brasil e nenhum brasileiro ignora nem, se o é de coração, esquece que Getúlio Vargas é credor de [nossa admiração porque], entre outros muitos feitos;

1º) Deu à nação o voto secreto, que há tanto almejava e as administrações anteriores lho negavam.

2º) Tomou a direção do governo com o país desmantelado, numa situação fielmente traduzida na conhecida advertência de Washington Luís [foi presidente do Brasil entre 1926 e 1930, o último da Primeira República (1889-1930)] do "salve-se quem puder".

3º) Pôs termo ao cangaceirismo reinante em todas as grandes e até pequenas fazendas, ao menos nas de S. Paulo, porque não conheço outros Estados donde a crônica contava coisas de arrepiar.

4º) Deu a moratória e perdoou as dívidas dos lavradores falidos, principalmente os de café, que não tinham mercado nem preço para o seu produto.

5º) Amparou o trabalho, até então de tudo espoliado, com um monumento que é a legislação trabalhista.

6º) Criou Volta Redonda, orgulho da América do Sul, que deu ao Brasil a siderúrgica cuja realidade é insofismável até para os coveiros da nação que a julgavam impossível, como julgam ainda impossível a nossa independência e autodefesa dos nossos interesses.

7º) Firmou o tratado Brasil-Bolívia, cuja consequência foi a estrada de ferro transcontinental, ligando o Atlântico ao Pacífico e abrindo perspectivas imensas ao intercâmbio das duas nações amigas.

8º) Construiu grandes pontes internacionais, a ferrovia Campo Grande-Ponta Porã, porta aberta para a nação paraguaia, além de muitas outras obras que visam a aproximação dos povos sul-americanos.

9º) Fez do comércio e da indústria, [vivendo] um novo e [palavra incompreensível] difícil "Encilhamento", [palavra incompreensível] da economia nacional, acabando com 90% das falências, pela valorização de tão importantes atividades.

10º) Quando Getúlio Vargas tomou posse do governo não havia crédito bancário, que foi criação sua. Logo que saiu, os salvadores da nação abarrotaram os bancos de circulares, prescrevendo a restrição do crédito, alegando que ele fazia subir o preço das utilidades. Os bancos obedeceram a tais circulares, o crédito restringiu-se a tal ponto que desapareceu, porém... as utilidades continuaram a subir e uma saca de farinha de trigo, que custava sob Getúlio Cr$ 50, passou a ser vendida, sob tabela, [a] Cr$ 400.

11º) Os pretensos salvadores da nação acusam Getúlio de inflação, como consequência das emissões que fez. Mas nunca se emitiu [emitirá] bastante para um país como o nosso, de limites desconhecidos, de potencialidades desconhecidas, em que tudo está por ser feito. Comparado com o da Argentina, tendo em conta população e território, qual é o maior meio circulante, o do Brasil ou o da nação amiga? O governo do "honrado e honestíssimo" Gaspar, que condenou as emissões, o que está fazendo? O meio circulante do Brasil é uma fração infinitesimal do valor das propriedades imóveis existentes e ainda se afirma que aqui temos dinheiro demais.

12º) Dizem os despeitados que Getúlio era uma fábrica de decretos a jato propulsão. Muito bem. O que fizeram os coveiros da nação em três anos de legislatura? Onde estão as leis melhores que fizeram para anular as calamitosas que aí estão vigorando? A verdade é que não são capazes de fazer melhor obra, não só porque a que encontraram era muito boa e ainda o é, como porque não se preocupam com isto. Tratam de política pessoal de interesse pessoal. Cuidam carinhosamente da hipertrofia do aparelho digestivo que lhes é constitucional, única "constituição" que defendem, pois a que elaboraram, num [parto] caríssimo de mais de 365 dias [referência à Constituição de 1946] , são os primeiros a delapidar, com raríssimas exceções.

Senador Getúlio Vargas, saiba que a nação está descrente de eleições e de políticos que despudoradamente a vêm ludibriando, sem cumprir uma palavra do que tanto prometeram. Apiede-se desta nação, Getúlio Vargas. Infunda-lhe fé, que não tem. Candidate-se, para seu bem, ao governo deste povo, que o quer como nunca e que o espera como seu salvador.

Às urnas, grande Presidente.

Do humilde admirador

José Lazaro

Lins, Estado de São Paulo".

Cópia literal de uma das muitas cartas que recebo neste sentido, de gente inteiramente desconhecida, e que tomei entre elas.

Não respondo aos ataques que me são dirigidos porque viria apenas aumentar os benefícios que [percebem] os agressores. Quando não o fazem por determinação do governo, sabem que são agradáveis a ele.

Esses benefícios tomam aspectos diferentes: dinheiro, emprego para si ou para os amigos, honrarias etc.

Na minha ausência o cabrão Vitorino Freire [deputado (1946-1947) e senador (a partir de 1947) pelo PSD do Maranhão] atacou-me no Senado, a propósito dos meus discursos. Resultado: o autor dos discursos, um literato de nome [Mandero] ou [Montelo], foi nomeado diretor da biblioteca, e Vitorino, além dos favores que lhe permitiram acumular a fortuna [referida] pelo deputado Lino Machado [deputado e senador pelo Partido Republicano do Maranhão], ainda recebeu um banquete presidido pelo chefe da nação e saudado pelo general Góes!

Querem mais? Não me dei ao trabalho nem de ler o discurso. Vitorino é um cafajeste, mas hoje, na política nacional, é um símbolo.

Escassez de víveres, filas, vida difícil abalam as máquinas eleitorais, o prestígio dos chefões políticos e a solidez das situações dominantes. Isso afeta principalmente as mulheres, que assistem ao desmantelo de sua economia doméstica.

Não sou candidato à Presidência da República, nem pretendo ser, por diferentes motivos:

1º) Há muita gente mais nova, mais vigorosa e mais capaz do que eu para o desempenho dessa função;

2º) Não creio na isenção e imparcialidade do atual governo para manter a ordem e garantir a liberdade do pleito.

Se uma ingênua canção popular falando em meu nome como candidato é proibida pelos [incompreensível] da censura como perigosa ao regime, [o] que não alegariam contra essa própria candidatura, para coibir-lhe a propaganda, a locomoção e até o direito de voto?! Os pobres e os humildes, que constituem a força do eleitorado com que eu poderia contar, seriam atrozmente perseguidos. E eu não desejo que eles sejam perseguidos por minha causa.

3º) As despesas para uma campanha eleitoral, desde a propaganda até a impressão e distribuição de cédulas, são avultadas. E o partido a que estou filiado [PTB] não dispõe de recursos pecuniários para tão avultadas despesas. Esses recursos sobram para outros candidatos e até citam somas fabulosas de fontes inconfessáveis.

4º) Teria que lutar contra um governo federal francamente hostil, e todos os governos estaduais obedientes à sua batuta. Teria contra mim o poder político e o poder econômico.

5º) Admitamos, porém, que eu enfrentasse todas essas dificuldades e as vencesse, que fosse eleito e empossado. Na posse do governo eu não poderia decepcionar o povo que me elegeu. Para combater os males reinantes teria de realizar grandes reformas de ordem social, política e econômica. Isso levantaria contra mim a [onda] dos interesses criados. E já estou velho para fazer outra revolução.

Os que desejam minha candidatura são em geral e muito particularmente os pobres, os humildes, os esquecidos, os perseguidos, os injustiçados, os que gemem sob o peso insuportável de uma vida caríssima e impostos crescentes em benefício dos tubarões, dos organizadores de monopólios e dos altos dignatários desta democracia.

Não na querem os que estão na lauta mesa do banquete, sugando as energias do Brasil e receiam que essa sopa vá acabar. Não na querem os que receiam uma devassa nos atos da atual administração. Não na querem os que receiam um exame nos negócios do Banco do Brasil desviando numerário do fomento das atividades produtoras para entregá-lo a empresas de publicidade incumbidas de iludir a opinião pública. Não na querem os empreiteiros das licenças de importação, da liquidação de empresas [semi] oficiais em que o Tesouro Nacional passou de credor a devedor.

Para esses eu sou o ex-ditador, o tirano, o opressor das liberdades. No entanto, eu tinha a vida simples dum homem do povo e trabalhava até 14h ou 16 horas por dia. Hoje quem readquiriu sua liberdade sou eu e estou gostando de desfrutá-la. Não pretendo perdê-la, para voltar ao governo.

Deixem-me em paz. Não me provoquem e sobretudo não me ameacem, porque eu sou capaz de pagar para ver.

Os donos dessa democracia são como os convivas de um lauto banquete que se prepara, sentados em torno de uma mesa: as taças cristalinas aguardam os vinhos capitosos. Um peru trufado aguça os apetites. Pouco importa que o povo lá fora ulula faminto, não tenha com que se alimentar. Eles preparam-se para trinchar e receiam que entre [um importuno], conclame o povo e, puxando a toalha, lance ao chão as finas iguarias.

As combinações e os conchavos políticos feitos [à] revelia do povo, em conciliábulos secretos, são as manobras subterrâneas para trinchar o Brasil.

O que se pretende fazer com o exemplo dos processos seguidos, de combinações e conchavos secretos, dos segredos de bastidores é nos [amarrar] ao passado. Terminadas as combinações, acomodados os interesses dos mandões, apresentarão ao povo um boneco, dizendo ao povo: "Eis o vosso candidato. Votai nele!". Mas o povo já os conhece, o povo sabe o que quer e lhes dará a resposta merecida. Porque o povo precisa sentir que o estão levando para o futuro e não para o passado.

Essa democracia que aí está é o marasmo, a estagnação e o paraíso das negociatas. Esses falsos democratas, desfrutando as posições de mando, temem a marcha para a frente, receiam a evolução social. Para eles o ideal da democracia é a manutenção disso que aí está. Receiam defrontar o povo nas urnas e ameaçam com golpes.

Os que esperam do voto popular livremente manifestado a solução do problema sucessório não querem golpes, não receiam golpes. Os verdadeiros democratas confiam no povo e esperam, pela manifestação pacífica das urnas, impor a vontade nacional.

Eu poderia perguntar: que fizestes deste Brasil que vos deixei vitorioso na guerra, próspero, feliz e confiante em si mesmo?

Vim encontrar a fraude e a violência, a hipocrisia e a mentira imperando sem contraste. Um silêncio morno de cumplicidade é a atitude dos que têm o dever de esclarecer a opinião e não o fazem. As reservas ouro que deixei como garantia de nossa circulação monetária sumiram. O crédito para fomentar a riqueza do país é liberalizado apenas aos protegidos da política. A produção diminuiu, a vida encareceu assustadoramente.

As indústrias sofrem uma concorrência desleal, o comércio geme sob o peso dos impostos que aumentaram asfixiando as fontes de produção e desanimando as iniciativas [úteis]. As leis sociais de amparo ao trabalhador estão sendo burladas em sua aplicação. Os impostos aumentaram, a produção diminuiu e a vida encareceu.

A renda duplicou, mas os déficits orçamentários também duplicaram. As emissões lastreadas que eram feitas para fomentar a produção são hoje feitas disfarçadamente para pagar dívidas. O trabalhador não tem mais assistência.

Mas o que está realmente fazendo é a valorização do dinheiro. Os privilegiados que o possuem podem emprestar a juros escorchantes, ajudados pela política do Banco do Brasil.

Os políticos que apoiam o governo e recebem seus benefícios tratam de fazer conchavos à revelia do povo, sob o pretexto de defesa do regime. Mas a defesa do regime que eles pretendem é a manutenção de suas posições. Para eles democracia é isso que aí está e que acabo de descrever. Não conhecem outra. O que eles temem é o voto do povo, é a livre escolha, é a competição eleitoral.

Para eles defender o regime é escolher um candidato oficial, apoiado pelo Catete [o Palácio do Catete, no Rio, era a sede da Presidência da República e seria palco do suicídio de Getúlio, em 1954; hoje abriga o Museu da República], que venha com o compromisso de encobrir todas as mazelas, de não descobrir a verdade.

Eu falo diretamente ao povo, independente de partidos políticos. Eu me dirijo ao povo brasileiro, na sua generalidade, aos felizes e aos infelizes, aos esquecidos, aos abandonados, aos injustiçados, aos perseguidos, aos oprimidos, aos que têm fome e sede, de justiça e de liberdade.

Eu sou a vítima propiciatória, alvejada pelos [ilegível] de todos os hipócritas, de todos os mentirosos, de todos os que prometeram ao povo justiça, liberdade e abundância e faltaram as suas promessas, apresentando-lhes um quadro de perseguições, opressão e miséria.

Eu me dirijo ao povo fora dos partidos. Mas como, de acordo com a lei, o povo só se pode manifestar nas urnas através dos partidos políticos, eu vos aponto o Partido Trabalhista Brasileiro, porque este ao menos não pactuou com o atual estado de cousas. Não fez acordos, não entrou em conchavos, manteve-se em oposição, defendendo os direitos do povo, principalmente aos trabalhadores.

Meu governo foi um governo revolucionário, de renovação social, de reerguimento econômico, de fomento da produção, de proteção ao trabalho e à indústria nacional. Atravessamos agora um período de paralisação, se não de retrocesso. Uma onda de reacionarismo contra todas as forças credoras da nacionalidade.

Antes de 1930 vivíamos numa democracia de fachada, inteiramente artificial, porque não existia a liberdade do voto. Tudo se combinava e realizava através de combinações ou de conchavos feitos pelos maiorais da política, [à] revelia do povo, sem garantia do povo.

Hoje essa garantia está assegurada por leis promulgadas no meu governo —voto secreto, voto feminino, Justiça Eleitoral.

A onda reacionária que está imperando no país depois do 29 de outubro de 1945 procura voltar ao regime dos conchavos políticos anterior a 1930. Pretende-se excluir o povo e escolher um candidato único imposto pelo governo, amparado pelos reacionários e dispondo de recursos inconfessáveis.

Estará disposto a ser burlado, ou lutará para impor a sua vontade nas urnas?

A fórmula Jobim [Valter Jobim, governador do Rio Grande do Sul entre 1947 e 1951, que, diante do temor de uma intervenção militar, propôs uma solução pacífica à sucessão de Dutra na Presidência] aparece como uma tentativa honesta de conciliação, ouvindo-se todos os partidos políticos e não apenas os [três] que apoiam o governo.

Ou será apenas uma fórmula [incompreensível] em que os políticos procuram aliar-se para a conquista do poder, sem divergências? Difícil prever. Pouco provável que atinjam um resultado satisfatório.

A UDN [União Democrática Nacional, partidor conservador, que fazia oposição a Getúlio], que devia ser o partido da oposição, é hoje o mais governista dos partidos. E como sente que perdeu terreno e não tem elementos para disputar eleições com candidato próprio, pretende, apoiada no poder, impor um candidato único a todos os partidos, sob o fundamento de defesa do regime. Esse candidato extrapartidário, amorfo, será em verdade um candidato dos udenistas, eleito embora pelo voto de todos os partidos.

Após longa ausência, volto à capital da República [então Rio de Janeiro], ao seio desta população tão culta, tão inteligente, tão sóbria em sua vida, tão sofredora nas agruras da hora presente, mas tão altiva nas suas atitudes e tão cheia da bravura cívica nas suas gloriosas tradições.

Quanto a vós, penetrados dos mesmos sentimentos, enfrentamos dias de perigo e apreensões e junto vibramos no mesmo entusiasmo nos dias de glória e regozijo patriótico.

Eu vos reconheço, oh! grande povo da minha terra. Sois o mesmo de todos os tempos da nossa história. Alvejado, perseguido, injuriado, caluniado pelos poderosos de hoje e seus asseclas, pretendentes aos favores oficiais, sou erguido nos braços do povo e glorificado por este.

Humilho-me perante Deus, e vós me exaltais perante os homens! Os fariseus jogam-me pedras, e vós as transformais em flores. Como é consolador para quem sofre receber manifestações como esta. Eu vos reconheço etc.

A próxima luta política será mais de mentalidades do que de partidos. Estes, com seu incondicional apoio a uma política administrativa ruinosa para o país, estão desacreditados.

O choque será entre o sindicato das classes privilegiadas, que pretendem impor um candidato, dispondo da força e do dinheiro, e o povo, que só dispõe do voto. Terá o povo garantia para dispor do seu voto, livre de coação, de suborno e de violência? Esse será o espetáculo a que iremos assistir.

O acordo dos políticos mineiros corresponderá à vontade do povo mineiro, até agora esquecido e ludibriado, dividido pelas querelas facciosas e prejudicado na sua economia?

Depois que os políticos, com apoio e instigação do governo federal, perturbaram a tranquilidade do povo mineiro com as suas querelas políticas, depois de eleitos sobrecarregaram-no de impostos, negaram-lhe recursos para seu desenvolvimento econômico e medidas de amparo para sua recuperação.

Depois que fizeram tudo isso, reúnem-se em conciliábulo e publicam uma nota. Qual a sua significação? Bem, agora estamos conciliados, acabaram-se as querelas e merecemos ser conservados em nossos postos! O povo mineiro que fez a Revolução de 30, que instituiu o voto secreto, o voto feminino e a Justiça Eleitoral, irá sancionar esse conluio?

Que diriam os manes de Antonio Carlos, de Olegário Maciel e de Virgílio de Melo Franco? [ "manes" significa as almas dos mortos. Os três políticos já então falecidos haviam ocupado a chefia do poder Executivo de Minas Gerais: Antonio Carlos Andrada (1870-1946) ao final da Primeira República, Olegário Maciel (1855-1933) e Virgílio de Melo Franco (1897-1948) depois da Revolução de 30].

Essa reunião dos partidos para a defesa de suas posições e de seus interesses libertou o povo mineiro da trama dos partidos!

O acordo foi fechado por cima, pelos políticos, mas o povo que não foi ouvido ficou em baixo, humilhado e sofredor.

Qual o balanço do atual governo? Aumentaram as rendas de [espaço em branco] em 1945 para [espaço em branco] em 1947, porque aumentaram todos os impostos. O custo da vida encareceu quase 200%, a produção diminuiu por falta de financiamento.

No começo proibiu-se a exportação, porque tínhamos dinheiro demais no estrangeiro. Abriram as comportas [à] importação de toda espécie de quinquilharias e volatizaram-se as reservas ouro do Brasil no exterior. Quando permitiu-se novamente a exportação, tínhamos perdido os mercados externos, tomados por falta da nossa concorrência.

Resultado: déficit de [espaço em branco] no orçamento da República e déficit de [espaço em branco] na balança comercial. Temos agora que emitir, não para produzir, mas para pagar dívidas. Do exterior não podemos importar nem para as necessidades normais dos nossos transportes, por falta de crédito.

Dizem que o golpe de 29 [de outubro de 1945, que depôs Getúlio e pôs fim ao Estado Novo] teve por objetivo estabelecer a democracia no Brasil. Aceitemo-lo como tal. As forças militares demonstraram uma grande isenção e desprendimento, entregando o governo a um civil. Este presidiu as eleições em que disputaram dois militares [Gaspar Dutra, que venceu, e Eduardo Gomes]. Um deles venceu e está no governo. Trata-se de sua sucessão.

As Forças Armadas, preocupadas com seus deveres profissionais, querem apenas manter a lei e as instituições democráticas. Não desejam imiscuir-se em querelas eleitorais. Há apenas alguns militares políticos que pretendem assustar com as Forças Armadas para imporem suas candidaturas aos civis, aos paisanos, forçando-os a empunhar uma espada.

Mas esses militares políticos não representam o Exército e muito menos as Forças Armadas em geral. E se os paisanos quiserem tirar a prova de que eles estão falando sozinhos, não façam caso de ameaças, elejam mesmo um civil. Se o povo é quem escolhe, ele que exerça seu direito e cada um cumprirá seu dever.

Quanto à minha pessoa, não se preocupem que não pretendo ser candidato. Prefiro conservar meu título de ex-ditador. Gosto dele. Também sou contrário a qualquer movimento subversivo, a qualquer perturbação da ordem.

O governo atual deve terminar pacificamente seu período, levando sobre os ombros o bolor do tempo que criou na inércia.

Nunca é demais insistir que o Brasil, país novo e de vasta extensão territorial, precisa produzir, criar riquezas. Onde está o interesse dum produtor está o interesse do Brasil.

Na verdadeira democracia o homem de governo fala diretamente com o povo. Nas democracias deformadas, como essa que temos no Brasil, os políticos falam uns com os outros e esquecem o povo.

A reforma de base implica a reorganização de nossa economia.

Os institutos que fundei querem [regularizar] certos setores da nossa economia, querem amparar aos trabalhadores [transformando] despesas burocráticas em fontes de negócios [direitos], [incompreensível] e reorganizados, após uma sindicância nas suas atividades.

"Brasileiros amigos, eu não pretendo atacar os meus adversários da campanha política. São também homens dignos do vosso voto, são também merecedores do vosso acolhimento, portanto, brasileiros amigos, escolhei entre minha pessoa e a de meus adversários, se mereço o vosso voto, votai em mim confiantes de que votastes em um homem que pelo menos soube dar aos trabalhadores de todo o Brasil alguns direitos, mas se não mereço, perante vossa consciência, procurai votar em quem vossa consciência melhor desejar."

O país está possuído pelas clientelas partidárias, dominadas apenas pelo sonho ambicioso de obter o poder, para do poder retirar honrarias e proveitos pessoais.

O fato político de capital importância no Brasil é que o povo tem fome. E o povo não pode comer palavras. Palavras são o que têm dado, em promessas vazias. Eu já sou um programa, um prumo e uma direção.

O Exército está desprovido de material e sem eficiência técnica. Os oficiais superiores mais inteligentes e capazes sabem disso. Criaram-se muitos postos para os quais não há funções correspondentes. E é natural que muitos, sem ter em que ocupar sua atividade profissional, se voltem para a política.

Quanto [à] oficialidade jovem, alheia de vigor e entusiasmo profissional, sente o chamado da vida brasileira —no seio da própria classe— e sofre com a derrocada de seus sonhos. E isso que digo quanto ao Exército estende-se às outras forças militares.

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