Kleber Lucas foi cancelado por igrejas e deu volta por cima com Caetano e autobiografia

Pastor e compositor de 'Deus Cuida de Mim', ele sofreu vetos ao se opor ao bolsonarismo dentro das igrejas

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Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros.

[RESUMO] Conheça a trajetória de Kleber Lucas, que cresceu na favela entre evangélicos e terreiros de candomblé, tornou-se pastor, fundou igreja, alcançou o estrelato na música gospel, combateu a aproximação do bolsonarismo com a fé, foi cancelado por lideranças religiosas e deu a volta por cima ao lançar autobiografia e cantar com Caetano.

Kleber Lucas é uma estrela da música gospel no Brasil. Pense em um "hit maker" como Lionel Richie nos EUA, um performer e instrumentista que também compôs muitas faixas de sucesso. E esses louvores são tocados nas casas das pessoas e também fazem parte da liturgia de igrejas pequenas e grandes nos rincões do Brasil.

Mas Kleber é mais do que um cantor gospel. Ele é pastor, fundador da Igreja Batista Soul no Rio, doutorando em história pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e um ativista que defende o diálogo inter-religioso.

Kleber nasceu na favela da Coreia, em São Gonçalo, no Rio, filho de uma mãe que criou sozinha três crianças. "Não há nenhum ineditismo na minha história de vida: um jovem negro criado na favela", ele comenta.

O músico Caetano Veloso ao lado de Kleber Lucas, pastor e músico gospel
Caetano Veloso ao lado de Kleber Lucas, pastor e músico gospel - kleberlucas no Instagram

A religião estava presente em todos os aspectos de sua vida enquanto crescia nos anos 1970 e 1980. Do lado da mãe, o pentecostalismo; do lado do pai, o terreiro de candomblé.

"Era o terreiro que nos dava assistência quando alguém se machucava, era para onde a gente corria quando era despejado. Era onde você ia comer, encontrar amigos, conversar também com a mãe de santo ou o pai de santo", relembra.

Ao apresentar Kleber a Caetano Veloso, o jornalista Chico Regueira mencionou a participação do pastor na ação para reconstruir o terreiro do babalaô Ivanir dos Santos, em 2017. O propósito do ato foi mostrar que nem todo evangélico é a favor ou se cala diante de ataques a esses espaços.

"Foi um evento lindo, com 28 pastores de várias denominações. Tinham representantes da Assembleia de Deus, da Deus É Amor, da Batista, Presbiteriana, Anglicana, Luterana", Kleber conta. "Isso mudou a minha vida. Fui pela minha consciência histórica e pela consciência da mensagem de Jesus, que é uma mensagem de amor."

Como uma estrela de primeira grandeza da música gospel, Kleber era o evangélico mais conhecido a participar do evento. E foi a partir dessa ação que ele e o establishment religioso começaram a se distanciar. O estranhamento se agravou com o sequestro do campo evangélico pelo bolsonarismo.

Em 2022, Kleber e outras estrelas do gospel, como Leonardo Gonçalves e Clóvis, compuseram e lançaram a música "Messias". A letra da canção é incisiva desde o início, começando com um trecho da pregação do pastor assembleiano Nilson Gomes: "Eu não vou me calar com pastores e igrejas que, para apoiar candidato, fazem arminha com a mão. Que Evangelho é esse?".

A canção denuncia "um falso pânico moral promovido pelos donos de igreja que tiveram o perdão de uma dívida de R$ 1,4 bilhão decretado pelo presidente da República."

O lançamento de "Messias" foi um ato de insubordinação e ajudou a comunicar a outros evangélicos, perseguidos em suas denominações ou expulsos, que eles não estavam sozinhos.

Para os músicos, a consequência foi o fim de suas carreiras de sucesso, conforme elas existiam até então. "A intenção de muitas pessoas era que minha vida acabasse ali", Kleber conta.

Igrejas disciplinam os insubordinados fechando seu acesso ao trabalho. Param de chegar convites para cantar e participar de eventos; o dinheiro míngua. "Mas tem uma coisa", Kleber avisa solenemente nesse ponto da conversa, "eu sou uma pessoa que acredita em Deus. E canto há muito tempo que ‘se uma porta se fecha aqui, outras portas se abrem ali’."

Uma das portas que se abriram foi a oportunidade de gravar "Deus Cuida de Mim" com Caetano, ainda em 2022. Avançando mais dois anos, Caetano decidiu cantar a música na atual turnê que faz com a irmã Maria Bethânia. "Perto da estreia, recebi a autobiografia de Kleber Lucas e fiquei tão tocado que decidi incluir o louvor no show", conta Caetano.

"Deus Cuida de Mim", a canção, agora vai rodar o Brasil e o mundo. Aparece em destaque na turnê: é a última faixa do bloco solo de Caetano, com direito a uma dedicatória do cantor "ao amado pastor Kleber Lucas".

E "Deus Cuida de Mim", a autobiografia, também está circulando pelo país, mas por outro circuito: o de livrarias e eventos literários.

Creia ou não, as portas continuam se abrindo para Kleber Lucas

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