Empresas de tecnologia tentam desatar os nós do trânsito

Soluções tentam melhorar os sistemas de transporte, mas esbarram em questões legais

Flávia G. Pinho
São Paulo
Mulher sentada em cima de mesa, com notebook em um canto
A fundadora do aplicativo Moobie Tamy Lin, 38, na sede da empresa em São Paulo - Bruno Santos/Folhapress

Conhece o termo "autotech"? É o nome que se dá às start-ups que atuam no setor de mobilidade, transporte e logística --e você vai ouvir falar delas nos próximos anos.

Ao usar a tecnologia para solucionar velhos problemas, como os nós do trânsito das grandes cidades e a baixa eficiência do transporte público, essas empresas estão conseguindo, ao mesmo tempo, conquistar o interesse dos investidores, a simpatia do poder público e conseguir a adesão da população.

Um estudo da aceleradora Liga Ventures feito durante o ano de 2017 detectou que 193 start-ups brasileiras atuam no setor. Questões da mobilidade urbana estão entre as que mais atraem novos investimentos, diz o fundador Daniel Grossi, 33.

"As soluções focadas na economia de compartilhamento são as que mais se destacam", afirma Grossi.

É o caso do Moobie, desenvolvido pela paulistana Tamy Lin, 38. O aplicativo, que opera em São Paulo desde abril de 2017, funciona como um Airbnb de automóveis --quem subutiliza o próprio carro pode alugá-lo.

"Ajudamos a não colocar mais carros na rua usando a frota existente", explica.

Em dez meses, 3.000 automóveis foram cadastrados, embora apenas 250 já estejam disponíveis para locação. Os outros aguardam finalização do cadastro.

O usuário paga diárias a partir de R$ 70, com seguro.

"O preço fica entre 20% e 30% menor do que o das locadoras", afirma Lin. "Já temos 40 mil usuários e quero começar a expandir para outras capitais ainda este ano."

LEIS

Para empreender no setor de mobilidade, nem sempre basta ter uma ideia na mão.

Quem lança um novo serviço deve estar preparado para enfrentar reações pela falta de normas. Um exemplo é a discussão em torno da regulamentação de aplicativos como Uber, 99 e Cabify.

O engenheiro mineiro Marcelo Abritta, 33, amargou um ano de atraso no lançamento de seu aplicativo, o Buser, que conecta pessoas interessadas em fretar ônibus intermunicipais.

Dois homens contra parede grafitada, um com camiseta rosa e outro com camiseta preta
Os empresários Marcelo Abritta (à esq.), 32, e Marcelo Vasconcelos, 34, sócios-fundadores da mineira Buser - Rafael Hupsel/Folhapress

A primeira viagem entre as cidades mineiras de Belo Horizonte e Ipatinga (230 km), que aconteceria em junho de 2017, lotou em dez horas.

Os 35 passageiros pagariam R$ 29,90 cada um pelo rateio do frete, menos da metade do que custaria a passagem no ônibus convencional. Mas, na hora da partida, uma ordem judicial impediu que o ônibus saísse do lugar.

"Fiscais do DER-MG (Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais) alegaram que eu estava cobrando passagens para fazer transporte clandestino. Inovações são assim, as pessoas demoram a entender como funcionam", conta Abritta.

A confusão, que foi noticiada na época, acabou ajudando o projeto, que chamou a atenção dos investidores.

"Recebi aportes de diversos fundos de investimento e acabamos de relançar o Buser com aval de um jurista", diz Abritta, que prevê realizar a primeira viagem em março deste ano.

Pelo aplicativo, que vai informar as rotas disponíveis, os usuários poderão entrar em grupos já formados ou começar um grupo novo.

Segundo o empreendedor, seis empresas de fretamento já estão cadastradas, mas a fila passa de 50.

"O papel da Buser é apenas organizar a vaquinha. Nós reunimos o pagamento e o repassamos à companhia escolhida, em troca de uma comissão entre 5% e 20%", diz.

Para Grossi, o maior desafio não é criar soluções inovadoras, mas encontrar um problema real a ser resolvido.

"O primeiro passo é compreender se a questão é grande a ponto de justificar a criação de um novo produto. O segundo é validar qual é a melhor solução para resolvê-lo", adverte.

PARCERIA COM CIDADES ALAVANCA START-UPS

Claro e espaçoso, o MobiLab (Laboratório de Mobilidade Urbana de São Paulo) funciona desde 2015 como um celeiro de soluções tecnológicas.

Gerido em conjunto pelas secretarias municipais de mobilidade e de inovação, com recursos públicos e de patrocinadores, o ambiente abriga projetos que envolvam mobilidade.

Em dois anos, 20 start-ups já passaram por ali. "Em vez de a prefeitura investir na criação de um aplicativo próprio, permitimos que o mercado desenvolva as soluções", explica Avelleda.

Luiz Renato Mattos, 26, deu forma ao OnBoard Mobility dentro do MobiLab --o app, previsto para entrar em operação ainda este ano, vai integrar diferentes meios de pagamento de transporte público, permitindo eliminar todos os cartões, bilhetes e passes.

Mattos, que investiu R$ 60 mil na criação da tecnologia, em 2016, topou com dificuldades técnicas, como a integração com diferentes municípios.

"Nos nove meses em que ficamos no MobiLab, recebemos mentorias, tivemos contato direto com a SPTrans e conseguimos nos aproximar de gestores que não nos recebiam antes", diz.

Lançado em 2014 pela Cittati, o aplicativo CittaMobi informa a localização dos ônibus. Com dez anos de experiência na gestão de ônibus em 70 cidades brasileiras, a Cittati usa os dados dos próprios clientes. Só em São Paulo, porém, o app cobre 100% da frota em função da parceria com a prefeitura.

Em quatro anos, o CittaMobi foi baixado por 6 milhões de usuários. Mas o desafio é constante, diz o engenheiro Fernando Matsumoto, 43, um dos fundadores da Cittati.

"O aplicativo se tornou uma plataforma de serviços para cada cidade. Em Salvador (BA), anunciamos empregos nas regiões próximas a cada ponto de ônibus. Em Sorocaba (SP), é possível reportar situações de perigo, mensagens que são enviadas à guarda metropolitana", enumera.

Segundo Matsumoto, a meta é chegar aos 10 milhões de downloads até o fim de 2018. "Estamos investindo em novas tecnologias que nos permitam compreender cada vez mais o comportamento do usuário em relação à mobilidade."

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.