A dinâmica política dos últimos anos e o ímpeto da Operação Lava Jato são conhecidos.
A prisão do ex-presidente Michel Temer (MDB) e de seus colaboradores mais íntimos ocorreria mais cedo ou mais tarde.
Deu-se mais cedo: menos de três meses desde o fim do mandato.
Atrás das grades empilham-se dois ex-presidentes da República (Temer e Lula), quatro ex-governadores (Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão, Beto Richa e Moreira Franco, também ex-ministro), um ex-presidente da Câmara (Eduardo Cunha), ex-ministros, ex-parlamentares, operadores políticos e empresários, numa fila de perder de vista.
Para o sistema político, é um cenário de terror: muitos de seus membros sentem-se pressionados e desprotegidos. Se figuras como Temer e Lula puderam ser recolhidos pela Justiça, quem não poderia?
Pode não ser mau, mas tampouco é completamente livre de consequências. Quem perdeu o mandato na última eleição está naturalmente descoberto, mas quem ainda o possui não dormirá tranquilo.
Na busca de um tipo de habeas corpus preventivo —a imunidade parlamentar reclamada antecipadamente—, envolvidos em antigos e novos processos de investigação já batem às portas do Supremo.
Da Lava Jato aos envolvidos com milícias, passando pelos laranjas, ninguém restará sereno e calmo.
Nessas horas, em Brasília, o ar se rarefaz e o coração dispara: quem tem cargo tem medo. Quem não tem mais, também. E isso envolve a todos os partidos.
Clima assim nunca foi encorajador de processos reformistas, estruturais ou fiscais. O foco de temas e votações necessárias para recomposição das contas da União, dos estados e dos municípios é desviado —e há sempre a hipótese de perdê-lo, como ocorreu quando foram reveladas as conversas entre o próprio Temer e Joesley Batista, em março de 2017.
A recuperação da saúde da economia nacional pode ser, mais uma vez, postergada.
Um indício: neste momento, o país deveria debater as propostas de reforma da Previdência geral e dos militares, destravar o processo.
Mas as circunstâncias o mergulham em discussões em torno de prisões, especulações sobre o futuro e teorias conspiratórias que ganham corredores de Brasília, a internet, os jornais, as ruas.
A reforma da Previdência pode, assim, virar artigo de luxo.
Também a estupidez, vaidade e os erros de avaliação agem contra a reforma.
Bolsonaristas vão às redes e às tribunas para tripudiar sobre os vencidos —"esculachar", na linguagem prisional—, sem se dar conta de que constrangem aliados e despertam a cizânia no que seria a própria base.
O prestígio e abrangência de Michel Temer e dos seus vão muito além do MDB, estão disseminados por todo o chamado centrão, a verdadeira força hegemônica da Câmara. Prudência e coordenação tornam-se, então, habilidades ainda mais essenciais, artigo escasso no bolsonarismo.
A radicalização e o falso moralismo são bumerangues que voltam à testa. O PT e o pessoal do impeachment de 2015 sabem disso. Outros podem vir a saber.
Carlos Melo é cientista político e professor do Insper
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.