'Bolsonaro mostrou estar com o ouvido na pista no caso do preço do diesel', diz Guedes

Ministro afirma que governo é liberal, não faz intervenção e Petrobras tem autonomia

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Brasília

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirma que o presidente Jair Bolsonaro agiu ouvindo as ruas quando interferiu no reajuste do diesel, na quinta-feira (11).

“Uma greve [de caminhoneiros] traz problema de abastecimento, pode frear o Brasil todo, pode fazer o PIB cair mais 3%, 4%. Ele demonstrou que está com o ouvido na pista, está ouvindo a turma, está ouvindo o barulho.”

Guedes diz que Bolsonaro telefonou ao presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, apenas para pedir esclarecimentos: “Botaram diesel no meu chope?”.

Nesta entrevista, ele conta que soube por jornalista que o presidente havia interferido no reajuste do combustível, critica o monopólio da Petrobras e afirma que estão sendo estudadas formas de tornar as correções de preço menos voláteis para o combustível. Guedes detalha ainda como foi o desenrolar da crise provocada pelo congelamento do diesel nos últimos dias.

Sobre a reforma da Previdência, o ministro lamenta que não tenha havido até agora uma aliança de centro-direita que viabilizasse a tramitação mais acelerada. 

O ministro, que recebeu a Folha para um almoço em que foi servido salmão com molho de amêndoas, disse, no entanto, acreditar na “astúcia” da classe política, que não esperaria mais dois anos para aprovar as mudanças.

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O ministro da Economia, Paulo Guedes - Pedro Ladeira/Folhapress

O presidente Jair Bolsonaro teve a coragem de enviar ao Congresso uma reforma da Previdência de impacto. Por outro lado, há ruídos, como o da tentativa de interferência na Petrobras. Os liberais estão perdendo batalhas no governo? 

O governo tem só três meses. O Congresso, menos tempo ainda. Qualquer análise é precipitada. O interessante é o fenômeno em si. [A vitória eleitoral de Bolsonaro] Foi uma aliança política inédita de conservadores e liberais.

Até então, havia uma hegemonia social-democrata, com alianças de centro-esquerda que dominaram o cenário político brasileiro por mais de 30 anos. O que é compreensível: depois de um regime militar de direita que durou 20 anos, houve o predomínio da esquerda.

E houve, na eleição, um erro de avaliação sério. As principais mídias acharam que o cara [Bolsonaro] não tinha chance de ser eleito. Isso ocorreu por falta de entendimento do fenômeno real que estava acontecendo no Brasil.

Não houve a percepção de que, quando o establishment perde a decência, vem uma ruptura.

A nossa democracia é tão vibrante que ninguém controla o país. Nem mesmo a mídia estabelecida, que achou que, quando ela entrasse no ar [com os programas eleitorais de TV dos candidatos], teria predominância. E o presidente ganhou, gastando menos de R$ 3 milhões. 

Eu também estava na bolha do establishment. Eu apostava que surgiria um outsider de centro para substituir o velho choque entre esquerda e direita. E ele não apareceu.

Numa ruptura previsível, os 50% de [eleitores de] centro vieram para a direita e decidiram a eleição.

Disseram não ao establishment.

Ele [Bolsonaro] tinha a energia que era necessária para se chocar com o establishment.

E o establishment, diante de tanta energia, previu a possibilidade de ruptura da democracia.

O senhor acha que esse risco está afastado? 

Em nenhum momento houve isso, ao contrário. O que existe é uma democracia vibrante, o script de uma grande sociedade aberta que está se desenvolvendo há mais de 30 anos.

O fenômeno Bolsonaro na verdade representava a classe média, esmagada entre as classes baixas, que começam a subir com as políticas de assistência da social-democracia, e os grandes negócios.

A classe média vinha sendo atingida em seus valores morais, vendo a corrupção toda, e do ponto de vista econômico, porque o Brasil cresceu nos últimos dez anos só 0,6% ao ano. Eu, por exemplo, recebi dos meus pais um país que crescia 7% em media ao ano.

O mercado prevê que o país vá crescer 1,9% neste ano. Qual sua previsão? 

É claro que é um negócio terrível. Nós temos que recuperar. Se fizermos as reformas, de julho em diante vamos crescer a um ritmo de 6% anualizado.

A reforma da Previdência vai deslanchar um regime de capitalização e de acumulação de capital. Vai ter poupança interna para empurrar o crescimento.

Com as concessões, a desregulamentação e as privatizações, nós vamos trazer muitos investimentos, locais e de fora, para participar das privatizações, das concessões e dos novos programas de investimento, principalmente em saneamento e infraestrutura.

Se a reforma não existir... 

Ela vai existir. Não existe a menor dúvida. É incontornável.

A questão é só a potência fiscal dela. Se ela for fraquinha, um remendo, como as anteriores, o governo continuará prisioneiro do baixo crescimento.

Se ela for mais potente, sinaliza para o equilíbrio fiscal. Você abre a comporta e vão entrar ondas de investimento privado.

O senhor ainda acredita que ela será aprovada até julho? 

Eu confio na inteligência e na astúcia da classe política brasileira.

Nós temos uma pauta de concessões, de privatizações e de descentralização de recursos para estados e municípios.

É uma pauta muito atraente, inclusive para a oposição.

Se você é prefeito, prefere ficar falando de Previdência um ano ou prefere que ela seja aprovada em seis meses para falar de recursos que vão chegar na prefeitura, do pré-sal, para investimentos?

Nós vamos irrigar o Brasil. A nossa proposta de campanha foi mais Brasil e menos Brasília. Queremos ir para uma grande sociedade aberta onde o dinheiro está onde o povo está. Saneamento, ambulatórios, grupos escolares, não estão em Brasília. Estão nas cidades.

A gente tem que entender o desafio, que já tem 30 anos, e dar o passo decisivo.

Nós crescemos a uma taxa de 7,5% por muitas décadas no século passado.

O PIB [Produto Interno Bruto] da China era a metade do PIB do Brasil. Hoje, eles já estão encostando nos Estados Unidos. O Brasil ficou para trás na poeira da história. 

Houve méritos? Claro. A inclusão social aumentou. Mas mesmo ela foi precária.

Eu sempre digo que a nossa transição está incompleta.

E é quase uma ironia que agora dois militares, um presidente e um vice eleitos, venham para completar essa transição, em direção à democracia. É superinteressante: os próprios militares, que participaram de um regime com muitas estatais, vão fazer a desestatização. Vocês falaram de liberais e conservadores [no governo]. O que sai de dois vetores é uma resultante. 

O Bolsonaro tem as mesmas crenças do senhor? 

Em qualquer aliança política, conceitual, é claro que há diferenças de opiniões. Como havia entre as variantes da social-democracia.

O importante é: qual é o espírito? E é um espírito de muita confiança.

Eu sei que o presidente quer fazer o melhor possível.

Eu observo nele as virtudes de uma liderança. Determinação, resiliência, integridade, patriotismo. Ele tem várias virtudes, e elas são consistentes.

Um exemplo bom que começa na Previdência.

O presidente Bolsonaro era contra a reforma da Previdência, certo? 

Desde a nossa primeira conversa, ele dizia: “Eu sou [um deputado federal] eleito por um grupo específico de pessoas, que me pede para protegê-lo. Eu não posso chegar lá e agir contra ele. Você precisa entender a natureza do meu mandato, eu represento um grupo de indivíduos que votou em mim”. 

Eu defendi que era melhor apoiar o Temer para que fizesse [a reforma da Previdência], mas ele argumentou que moralmente o seu mandato não permitia fazer isso. Eu disse a ele que também não poderia acompanhá-lo se ele não entendesse a importância da reforma.

Falamos muito francamente. Eu disse a ele: “O senhor não diz que é o Brasil acima de tudo?’.

Então ele me disse: ‘Se eu receber um mandato de natureza diferente, se eu vier a ser presidente da República e não mais representante de uma classe de cidadãos, confie em mim”. 

Eu vi ele honrar [o compromisso]. Qual o testemunho que posso dar, quando todos dizem que ele não apoia? 

Por que ele mandou a proposta de reforma? 

Ele mais do que mandou a proposta. Nós sentamos, discutimos. Dissemos que os militares tinham que entrar, e ele mandou colocar os militares. Tem que fazer reestruturação de carreiras? Bote os militares, eles terão que contribuir. 

Mas por que não aproveitar a proposta de Michel Temer, que já estava no Congresso? 

Para isso acontecer, o governo teria que ter apoiado a eleição do Rodrigo Maia (DEM-RJ) [para a presidência da Câmara], porque já estaria sacramentada uma aliança politica de centro-direita.

E aí o Rodrigo poderia acelerar procedimentos. Mas o presidente não entrou na eleição, porque ele achava que, como presidente, não deveria.

Houve um problema político. E nós estamos vendo essas dificuldades e a acomodação entre o grupo que está chegando, onde muitas pessoas foram eleitas... O partido do presidente tinha dois deputados, de repente tem 52. Qual a filosofia desse partido? Tem um ponto de interrogação.

O que vamos defender aqui? O [senador] Major Olímpio  [PSL]dá um tiro para um lado, o outro dá um tiro para o outro. É natural.

Mas eu acredito na classe política. O próprio Congresso quer sair da lógica do voto mercenário, do voto individual, de que tem que influenciar cada parlamentar.

O sr. pode explicar o que houve na Petrobras? 

Eu estava lá fora, então, para mim, o som que chegava era assim: “Mexeu na Petrobras, no preço e tal’”

Então eu decidi não falar enquanto eu não me informasse. 

Foram os jornalistas que lhe informaram 

Foram os jornalistas. E começaram a chegar mensagens também. Então pensei: “Quando eu chegar [ao Brasil], eu vejo”. 

Eu imaginei lá fora: o presidente tem boa intuição política, ninguém é eleito presidente sem ter uma ótima intuição política.

E na chegada, vocês conversaram? 

Quando eu cheguei, ele me disse assim: “Pô, eu só perguntei [sobre o preço para o presidente da Petrobras]. Não tenho nada a ver com esse negócio, não. Eu perguntei: ‘Pô cara, você está colocando diesel no meu chope? No dia em que eu comemoro cem dias de governo, todo o mundo acendendo velinha, festejando, aí chega a notícia de que a Petrobras vai fazer assim e assim’”.

O presidente, no exercício natural de suas funções, questionou como, em 15 dias, o preço do diesel poderia subir 5%. O presidente tem todo o direito de se preocupar com potenciais greves, de saber quais são os critérios [de reajuste], porque a Petrobras é uma empresa mista [é controlada pela União].

E o que o presidente da Petrobras disse a ele? 

Disse que a empresa tem uma política de espaçamento [para reajustar os preços]. Mas que iria checar se houve alguma incorreção no cálculo, nos algoritmos de formação de preços. 

Agora, o importante não é o que aconteceu em um dia, em dois. O importante é filosoficamente saber qual é a regra. Existe a independência na formação de preços da Petrobras?

Existe? 

Do ponto de vista da dimensão econômica, sim. 

É a essência do programa liberal, os preços são formados no mercado e não há intervenção.

Se o presidente mete a mão em um preço-chave, não é só o valor da Petrobras que cai R$ 30 bilhões.

Na verdade, você tem quase US$ 1 trilhão embaixo do mar, o pré-sal, que perde 10% também.

Se começa a fazer intervenção política de preços, você pega todo o programa de concessões, todas as privatizações, vendas e cria a dúvida no investidor.

E o que está decidido?

Estamos conversando [com o presidente] sobre o curto prazo e o longo prazo. No longo prazo, a gente sabe que o preço do petróleo subiu no mundo inteiro. Por que só aqui teve esse troço? Monopólio. Nós tivemos conversa ontem e hoje.

O presidente diz: “Os caminhoneiros são importantes para o Brasil, não podemos arriscar fazer um movimento de imperícia qualquer, de greve, etc. só porque os investidores [querem]”.

Quando o Pedro Parente [que presidiu a estatal no governo de Michel Temer] começou a fazer reajustes diários [do preço dos combustíveis], as pessoas falaram: ‘“Agradaram aos financistas”.

Houve greve e ela afetou profundamente todo o mundo.

Entre esse reajuste diário [promovido por Parente] e o congelamento da Dilma [Rousseff], tem um enorme espaço.

E em qual ponto desse espectro vocês estão?

Do ponto de vista filosófico, nós estamos do lado das boas práticas de mercado. Tem que haver independência, mas de uma forma que as pessoas consigam fazer a sua função econômica, se planejar. 

A principal mensagem é a seguinte: tem a dimensão política, que provocou a pergunta do presidente sobre o diesel, que é uma pergunta válida de um líder político. A inflação de um ano inteiro é 3,8%, como é que em 15 dias sobe 5%? Estão jogando diesel no meu chope?

Uma greve traz problema de abastecimento, pode frear o Brasil todo, pode fazer o PIB [Produto Interno Bruto] cair mais 3%, 4%. Ele demonstrou que está com o ouvido na pista, está ouvindo a turma, está ouvindo o barulho.

Mas, afinal, qual será a solução? 

O Castello vai explicar para nós essa fórmula [de reajuste de preços], dará explicações. Nós vamos olhar e dizer: o problema é seu, porque quem forma preço é a Petrobras. Agora, vê se consegue formar preço de um jeito que todo o mundo entenda, que seja estável e que se possível não dê esse tipo de sobressalto.
 

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