Descrição de chapéu

Acordo UE-Mercosul é histórico, mas enfrentará obstáculos

Diplomatas preveem anos para a implementação efetiva do acerto UE-Mercosul

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O acordo entre Mercosul e UE (União Europeia) é um fato histórico, o primeiro que o governo Jair Bolsonaro poderá ostentar. É um trabalho de 20 anos, não desta administração, mas politicamente é um troféu que o presidente terá para exibir —não menos porque o Itamaraty trabalhou bastante para acelerar as tratativas nos últimos meses

Emmanuel Macron serve água para o colega Bolsonaro em reunião no G20, em Osaka
Emmanuel Macron serve água para o colega Bolsonaro em reunião no G20, em Osaka - Frederico Mellado/ARG

Quase não foi assim. A incontinência verbal do presidente e do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, ameaçou abortar o anúncio na véspera, quando foram de encontro às críticas europeias à gestão ambiental brasileira.

Segundo a Folha ouviu de diplomatas envolvidos nas negociações em Bruxelas, houve o real temor de que o acordo não fosse anunciado. A remediação da delegação em Osaka, na reunão do G20, foi fundamental: o encontro cancelado com o presidente francês, Emmanuel Macron, virou uma "photo-opportunity" meio desajeitada com direito a convite para uma viagem pela Amazônia.

O acordo, contudo, já estava bastante costurado antes da confusão da quinta-feira (27). A questão, agora, é delinear os limites da realidade: nenhum acordo desse tipo entra em vigor do dia para noite, por mais que sirva a interesses políticos e eleitorais mais imediatos.

Ao contrário. Os mesmos problemas políticos que ameaçaram brevemente o anúncio do fim da negociação estarão presentes nos anos que seguem. Não há uma estimativa confiável, mas diplomatas falam em talvez dois ou até cinco anos até que o texto entre em vigor.

O motivo é burocrático e político. Para entrar em vigor, o acordo precisa ser aprovado pelos conselhos do Mercosul e da UE, pelos parlamentos dos blocos e, principalmente, pelo Legislativo de todos os 32 países envolvidos (ainda contando o Reino Unido, que está de saída do clube europeu).

Se é fácil achar que isso passará aqui na América do Sul, o cenário político muda bastante quando se olha para a Europa. É verdade que hoje o continente é dominado por governos de centro e centro-direita, o que teoricamente facilita a vida de um acordo de livre-comércio.

Como a ameaça vazia de Macron, dado que o governo Bolsonaro já recuou da ideia de deixar o acordo climático de Paris, fica claro que as cores políticas dizem pouco. Ou podem dizer muito: na Suécia, o ecologista Partido Verde faz parte da coalizão que governa o país, e pode muito bem vetar o acordo UE-Mercosul pelos mesmos motivos que o presidente francês sugeriu.

Além disso, há toda uma agenda defendida por Bolsonaro que pode atiçar os pruridos europeus, como seu combate ao politicamente correto e a chamada ideologia de gênero, além de questões mais objetivas como demarcações de terras indígenas que o presidente vê como excessivas.

Ao fim, tudo é negócio e aparentemente as principais arestas estão resolvidas. Isso pode acelerar os processos, ainda que seja importante evidenciar os riscos à frente. Na Europa, Portugal, Espanha e Grécia têm governos nominalmente à esquerda que podem dar algum trabalho à tramitação, por exemplo.

Uma experiente negociadora brasileira diz que ao fim, o maior problema será na hora das discussões setoriais. Aí a pressão de grupos como agricultores franceses ou metalúrgicos alemães, altamente organizados e incrustados na estrutura do Estado, pode falar alto e dificultar o jogo.

Um fator que jogou em favor do fechamento do acordo foi a disputa comercial entre a China e os Estados Unidos. A Europa sabe que, neste embate, precisará de toda a ajuda possível para tentar se manter acima da linha d´água no oceano do comércio internacional.

Aí entra, na argumentação do governo, a agenda liberalizante na economia: só com o destravamento do ambiente de negócios será possível integrar o Brasil a cadeias globais de produção, além de ampliar seu já vasto espaço em áreas como o agronegócio.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.