Descrição de chapéu Financial Times

Ataque na Arábia Saudita expõe 'calcanhar de Aquiles' da economia mundial

Analistas dizem que pode demorar meses para reparar danos na usina de processamento de Abqaiq

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Os ataques do final de semana contra a infraestrutura de petróleo da Arábia Saudita tinham por alvo o que um analista definiu como "o calcanhar de Aquiles da economia mundial", tirando de ação mais de metade da capacidade de produção do maior exportador mundial da commodity.

O principal alvo dos ataques aéreos, pelos quais os Estados Unidos culparam o Irã, foi a instalação de processamento de Abqaiq, que foi exposta como um gargalo crítico para a oferta de petróleo pela Arábia Saudita. O gigantesco campo de Khurais, um dos maiores do planeta, também foi atingido.

Abqaiq responde pelo preparo de até 70% da produção da Arábia Saudita, a maior parte dela para exportação. A questão para o mercado de petróleo, e por extensão para a economia mundial, é quanto demorará para que a instalação seja reparada. Quatro pessoas informadas sobre o assunto disseram na segunda-feira (16) que acreditavam que os reparos completos demorariam meses.

Incêndio na sede da Aramco, em Buqayq, na Arábia Saudita - 14.set.19/Reuters

O que é Abqaiq

A instalação no nordeste da Arábia Saudita é "de longe a instalação petroleira mais importante do mundo", disse Bob McNally, antigo assessor de energia de George W. Bush, já que nenhum outro campo ou refinaria lida com número semelhante de barris a cada dia.

A consultoria de McNally, Rapidan, que assessora companhias de energia e fundos de hedge que negociam petróleo, identificou em maio que a instalação representava uma "vulnerabilidade sistêmica", porque sem ela o mundo perderia cerca de sete milhões de barris ao dia de oferta de petróleo cru, ou cerca de 7% da oferta mundial total. "Se você estiver organizando e monitorando uma lista de infraestrutura essencial de energia, Abqaiq estará bem no alto", disse McNally.

Conectado a alguns dos maiores campos de petróleo do planeta por oleodutos, incluindo o gigantesco campo saudita de Ghawar, o local consiste de uma complexa mistura de equipamento usado essencialmente para limpar e preparar o petróleo do reino para exportação.

Isso é feito pela remoção de impurezas como enxofre e metais pesados, que têm o potencial de danificar equipamento de refino, quando o petróleo cru é vendido e transportado para o exterior.

O gás associado à produção de petróleo cru também é extraído da mistura para ser vendido em separado ou usado para acionar as usinas de energia da Arábia Saudita. Gases naturais líquidos como o propano e o butano também são separados do petróleo cru para venda.

A Arábia Saudita anunciou que os ataques a forçaram a perder cerca de 5,7 milhões de barris diários de petróleo cru, 700 mil barris diários de gás natural liquefeito e uma grande proporção da produção de gás natural do reino.

O que os ataques ao local tentaram atingir?

Os ataques, que inicialmente foram descritos como realizados com drones (aeronaves de pilotagem remota) por milícias houthi iemenitas apoiadas pelo Irã, parecem ter sido precisamente coordenados e dirigidos. Integrantes do governo americano dizem suspeitar de que mísseis tenham sido usados nos ataques.

Imagens de satélites comerciais divulgadas pelos Estados Unidos mostram que diversos domos esféricos, usados para separar gás do petróleo cru e estabilizá-lo para exportação, parecem ter sido atingidos.

Cerca de metade das torres de remoção de enxofre, usadas para limpar substâncias altamente corrosivas do petróleo, também foram afetadas, de acordo com a consultoria Energy Aspects.

Embora a estatal de petróleo saudita Saudi Aramco esteja provavelmente injetando recursos para iniciar rapidamente os reparos —e, como empresa mais lucrativa do planeta, ela tem amplos recursos—, crescem as suspeitas de que pode demorar um bom tempo para que as coisas sejam restauradas totalmente.

Não é a primeira vez que a instalação de Abqaiq sofre ataques. A segurança foi ampliada depois que a Al Qaeda fazer um ataque mal sucedido contra ela em 2006, já que os inimigos da Arábia Saudita estão cientes de sua importância estratégica.
 

Os reparos serão simples?

Muito provavelmente não. Embora as informações sejam relativamente escassas, um engenheiro de refino que trabalhou em Abqaiq disse que a complexidade e a natureza especializada das diversas unidades do local significam que os reparos podem demorar. Não existem peças de reposição estocadas e, se quaisquer das unidades precisarem ser substituídas, a construção dos substitutos não é uma tarefa simples.

Os componentes esféricos terão de ser drenados, limpos e inspecionados. Os reparos seriam um procedimento demorado que envolveria remover placas de aço espessas. Elas teriam de ser submetidas a testes de pressão para garantir sua segurança. "A maioria dos não engenheiros subestima o tempo necessário a fazer qualquer coisa", disse o engenheiro de refino.

Analistas da Bernstein Research dizem que, dada a complexidade do sistema, até mesmo paradas de manutenção planejada podem demorar três meses.

Stuart Joyner, da Redburn, uma empresa de pesquisa, disse que o salto dos preços do petróleo na segunda-feira, que chegaram a subir em 20% em dado momento, "reflete o crescente pessimismo sobre o reparo rápido das instalações."

O que os sauditas podem fazer para mitigar o impacto?

O reino tem opções, mas todas elas têm lados negativos. A primeira resposta será usar reservas de petróleo armazenadas para tentar manter as exportações, tanto estoques nacionais quanto reservas detidas no exterior.

Mas se os sauditas esgotarem suas reservas, isso pode causar mais insegurança no mercado sobre futuras quebras de suprimento, e de qualquer forma as reservas supostamente já estão baixas.

A Kpler, uma empresa de informações, disse na segunda-feira que seu acompanhamento do petróleo cru saudita indica que o reino tenha menos de 100 milhões de barris de petróleo cru disponíveis para o mercado. Essa reserva pode se esgotar em pouco mais de um mês mesmo que a Arábia Saudita consiga restaurar metade de sua produção perdida.

Também é provável que a prioridade da produção de petróleo cru que resta ao país seja definida como a exportação, e que a commodity seja desviada do sistema nacional de refino. Isso tornará necessário que os sauditas comprem mais gasolina, diesel e combustível de aviação no mercado aberto.

A Arábia Saudita também pode tentar elevar a produção de outros campos que dependam menos de Abqaiq, ainda que isso deva deixar pouca capacidade excedente ao planeta.

"A Aramco vai deixar suas refinarias nacionais sem petróleo para cumprir seus compromissos de exportação... terão de importar derivados de petróleo em quantidades consideráveis", disse Saad Rahim, economista chefe da Trafigura, uma das maiores operadoras independentes de petróleo do planeta.

"A questão fundamental é se o mercado começará a questionar a segurança em longo prazo do suprimento saudita. Esse é o calcanhar de Aquiles da economia mundial", ele disse.
 

Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

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