Ford encerra produção no ABC e diz que ainda negocia com Caoa

Último dia na fábrica de caminhões em São Bernardo foi marcado por tristeza e dúvida

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A Ford encerrou nesta quarta-feira (30) a produção de caminhões em São Bernardo do Campo (ABC) e, em comunicado, afirmou que ainda tenta vender a fábrica para a Caoa.

"As negociações envolvendo a venda da planta para o grupo Caoa ainda estão em andamento, sem decisão conclusiva até o momento, e a Ford reitera que continua fazendo todos os esforços cabíveis para alcançar um resultado positivo", informou a companhia em nota divulgada à imprensa. 

A conclusão do negócio é a esperança de manutenção do emprego para muitos dos 650 que deixaram a linha de montagem na quarta. As últimas unidades do F-4000 ficaram prontas por volta do meio-dia. Antes, às 10 horas, os primeiros funcionários já deixaram a sede da empresa no ABC; conforme a produção era finalizada, eles eram liberados.

Passada a catraca de acesso à fábrica, o clima era de consternação. Para muitos, um dia de luto e tristeza. Quando o último o caminhão terminou de percorrer a esteira, muitos choraram. Chegava ao fim uma história iniciada em 1967, quando a Ford comprou o controle da Willys-Overland do Brasil e começou a atuar no ABC. 

 

A reorganização mundial da Ford resultou na saída da empresa da produção de caminhões na América Latina, medida anunciada em fevereiro deste ano. Quando a notícia chegou à fábrica, foi inicialmente recebida com incredulidade pelos funcionários.

“Os mais antigos, ainda da época do Ipiranga [unidade da empresa na capital paulista] diziam que era só pressão, mas quando fecharam a fábrica de carros, vimos que ia acontecer mesmo”, diz Cauê Aquino, 30 anos, 12 de na linha de produção.

Em julho, a Ford acabou com a produção do Fiesta. Foi o primeiro baque para quem estava na fábrica. Como as unidades de caminhões e carros estavam unificadas há pelo menos três anos, no último dia ninguém sabia quem seria cortado.

Neste ano, a produção diária média era de 30 caminhões. No auge, chegava a 200 unidades diárias.

Para Willian Carvalho dos Santos, 43 anos dos quais 24 percorrendo os 19 quilômetros que separam a fábrica e o bairro de São Mateus, na zona leste da capital paulista, onde mora, o futuro permanece indefinido. 

“Estou casado há 22 anos. Passei mais tempo aqui, com esses colegas, do que com a minha família. Não tenho nem plano B”, diz. Santos já passou pela estamparia e era do controle de qualidade. É um dos que conta com a conclusão da negociação para seguir no setor. “É isso ou voltar a procurar emprego.”

O montador Eduardo Moreira, 29, também espera que a venda da fábrica seja concluída e ele seja chamado. “Só agora que está caindo a ficha. Ver o último caminha saindo foi muito triste.” Trabalhando na Ford desde os 18 anos, primeiro como terceirizado, ele estava na linha de montagem há seis anos.

Na família do mecânico de manutenção Laudivan dos Santos, 49, duas gerações passaram pela Ford, todos na mesma função. O pai e um irmão estão aposentados; ele se despede agora do trabalho de 30 anos. Um outro irmão saiu da empresa recentemente e é com ele que o metalúrgico pretende executar o plano B: fazer desenhos em um estúdio de tatuagem.

Na quarta, o movimento na portaria 5, uma das principais da planta do ABC, era bem diferente quando comparado com a rotina de uma semana antes, ou mesmo do dia anterior. Às 16h20, quando o turno acaba, poucos funcionários ainda estavam na fábrica.

Claudio Araujo Machado está na Ford há 25 anos e ficou como montador de produção até 2009, quando virou representante sindical. Começou a trabalhar em São Bernardo em 2000, quando a fábrica do Ipiranga foi fechada e parte dos funcionários foi transferido para o ABC.

Com dois fechamentos de fábrica de experiência, Machado considera o atual mais dramático. “Naquele momento, a gente estava sendo transferido, mesmo que não fossem todos, mas continuava. Hoje, não, hoje acabou a Ford pra gente.”

No último dia, a produção só não terminou antes, segundo o relato de funcionários, porque houve a necessidade de aguardar a chegada de pneus. Ficaram oito caminhões para a etapa final. Antes das 13h, tudo estava pronto.

O futuro da fábrica segue indefinido. A linha de produção interessa à brasileira Caoa, mas a compra não está fechada. Em nota, o presidente da Ford América do Sul, Lyle Watters, agradeceu aos funcionários pelo “profissionalismo e dedicação durante vários anos.” 

“Mesmo após o anúncio feito em fevereiro, eles nunca deixaram de cumprir com suas obrigações, produzindo produtos de altíssima qualidade e cuidando da segurança”, afirmou.

 

O prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando (PSDB), disse na terça-feira (29) que conversou com o presidente do conselho de administração da Caoa, Carlos Alberto Oliveira Andrade, de quem ouviu que o negócio com a Ford não está fechado.

A dificuldade está em viabilizar o crédito para a aquisição. “Não temos plano B, vamos acreditar que até sexta-feira (1º) o negócio saia”, afirmou. Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, a principal dificuldade vem do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que não estaria disposto a financiar a compra da planta da fábrica.

Ainda que a compra pela Caoa seja concluída, a linha de montagem levaria de três a seis meses para voltar a funcionar. Cerca de 1.500 metalúrgicos fizeram inscrição em uma seleção montada pelo sindicato com interessados em seguir na atividade caso a empresa assuma a fábrica.

Quando as negociações começaram, segundo o sindicato, a Ford informou que a Caoa precisaria de 750 funcionários para retomar o trabalho. Na última fase de demissões, 650 foram dispensados.

O setor administrativo, que tem cerca de mil empregados, seguirá no prédio até março. Depois, eles serão transferidos para a sede na Vila Olímpia, zona sul de São Paulo.

Colaborou Arthur Cagliari


NACIONALIZAÇÃO COMEÇOU NOS ANOS 1950

1919 A diretoria da Ford Motor Company aprova a criação da filial brasileira, no início com 12 funcionários, na rua Florêncio de Abreu, centro de São Paulo. O Modelo T e o caminhão TT são montados com peças importadas dos EUA

1920 Um antigo rinque de patinação na praça da República, no centro de São Paulo, se torna a nova sede da Ford no Brasil

1921 Sede da Ford se muda para um prédio próprio no bairro do Bom Retiro, região central de São Paulo, onde é construída a nova linha de montagem

1923 Com 124 funcionários, a Ford atinge a capacidade anual de produção de 4.700 carros e 360 tratores

1925 Ford inaugura uma linha de montagem no Recife (PE)

1926 Modelos da marca americana começam a ser montados em Porto Alegre (RS)

1927 Ford inaugura um centro de treinamento para mecânicos em São Paulo e uma linha de produção no Rio

1942 Montagem nacional é interrompida devido à Segunda Guerra Mundial, e a Ford inicia os planos para nacionalizar componentes

1953 É inaugurada a nova fábrica da Ford no Brasil, no bairro do Ipiranga (zona sul de São Paulo)

1955 Ford passa a produzir cabines de picapes e caminhões feitas com aço de Volta Redonda (RJ)

1956 Com o programa de desenvolvimento da indústria estabelecido no governo de Juscelino Kubitschek (1902-1976), a Ford se concentra na nacionalização de seus produtos

1967 Montadora adquire o controle acionário de Willys-Overland do Brasil e assume as fábricas de São Bernardo do Campo (Grande São Paulo) e de Taubaté (interior de São Paulo)

1976 Ford inaugura sua nova fábrica de tratores, em São Bernardo do Campo

1977 É aberto o campo de provas de Tatuí (interior de São Paulo)

1979 Montadora confirma a produção de veículos movidos a álcool

1987 Surge a Autolatina, parceria regional entre Ford e Volkswagen

1989 O motor 1.8 da VW passa a equipar as linhas Escort e Del Rey

1996 Fábrica de motores e transmissões de Taubaté é reinaugurada

2001 Ford inicia as operações em sua nova fábrica, na cidade de Camaçari (BA). A unidade tem capacidade para produzir 250 mil veículos por ano

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.