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Banco Central deveria surfar a onda da maior transparência

Muitos detalhes não são mencionados, o que dificulta replicar as projeções oficiais

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Bráulio Borges Ricardo Barboza
São Paulo

A política monetária é um poderoso instrumento de política pública. Mudanças na taxa de juros afetam o PIB, a taxa de desemprego e a inflação, variáveis fundamentais para o bem-estar social.

Mas não é fácil a vida de uma autoridade monetária. Decisões tomadas por bancos centrais impactam a economia e a inflação após um período razoável de tempo. Isso requer bons modelos de projeção.

O Banco Central do Brasil também utiliza vários modelos. Com eles, projeta a trajetória do PIB e da inflação e escolhe o nível de taxa Selic que melhor se ajusta a seu objetivo de cumprir a meta de inflação (no chamado horizonte relevante de atuação da política monetária).

A meta de inflação no Brasil é determinada pela sociedade, por meio dos escolhidos pelo seu representante eleito (presidente da República). Nesse arcabouço, o BC persegue uma meta predeterminada.

Em 2017, a meta era de 4,5%, mas a inflação efetiva foi de 2,95% (abaixo do intervalo de tolerância). Em 2018, a meta era 4,5%, e o IPCA subiu 3,75% (e fecharia o ano mais perto dos 3% não fosse o choque desfavorável associado à greve dos caminhoneiros). Em 2019, a meta é de 4,25%, e devemos encerrar o ano em 3,5%.

Fachada preta com banco central do brasil escrito em letras prateadas
Fachada do Edifício-sede do Banco Central do Brasil em Brasília - Ueslei Marcelino - 16.Ago.2019/Reuters

​Desvios em relação à meta acontecem. Toda economia está sujeita a choques. Mas desvios sistemáticos e significativos devem ser discutidos, pois não é isso que se espera do Banco Central. Desvios sistemáticos são erros, independentemente de seu sinal (positivo ou negativo).

O leitor pode até imaginar, com razão, que inflação baixa seja certamente melhor do que alta. Mas, além de não ser o combinado com a sociedade (inflação em torno da meta), isso tem custos, pois mantém o desemprego acima do patamar que vigoraria se a meta estivesse sendo cumprida.

Esses custos não se limitam ao curto prazo: quanto mais tempo se persiste em uma situação de subutilização dos fatores produtivos, como tem sido o caso brasileiro desde 2015/16, maior o risco de histerese (o ciclo desfavorável afetando negativamente o potencial de crescimento, por diversos canais, como fuga de cérebros, erosão do capital humano adquirido no ambiente de trabalho, obsolescência do estoque de capital).

Antes de 2017, vivíamos no extremo oposto. Entre 2011 e 2016, tivemos inflação sistematicamente acima da meta e desemprego abaixo do considerado sustentável.

O que explica essa situação? Por que navegamos de um extremo a outro na perseguição da meta de inflação?

Parte da resposta tem a ver com uma questão institucional, por vezes ignorada no debate público, que diz respeito à transparência do BC, em particular em relação a seus modelos de projeção e a alguns insumos usados para construir os cenários para a inflação.

Temos conhecimento dos números (projeções de inflação) que guiam as decisões de política monetária, mas não sabemos como esses números são construídos. Há alguma divulgação sobre os modelos do BC, mas muitos detalhes não são mencionados, sendo muito difícil replicar exatamente as projeções oficiais.

Quais são exatamente os modelos utilizados? Como é medido o hiato do produto? Qual a taxa neutra de juros? Qual o superávit primário estrutural? Qual o método de estimação? Não sabemos a resposta, falta transparência.

 

Avançar na agenda de transparência traz uma série de benefícios: a) aumenta o entendimento sobre as ações do BC e sua credibilidade; b) eleva a efetividade da política; c) aumenta a disciplina do policymaker, uma vez que movimentos sem fundamento elevam os custos reputacionais; d) aumenta a previsibilidade das ações do BC, evitando eventos desestabilizadores no mercado financeiro; e) ajuda na sustentação de bancos centrais independentes; f) previne possíveis déficits democráticos de banqueiros centrais que têm preferências diferentes da sociedade; e g) facilita prestação de contas para a sociedade.

Artigo de Barry Eichengreen, Nergiz Dincer e Petra Geraats, no The Oxford Handbook of the Economics of Central Banking, mostra que, a despeito de muitos avanços, há espaço para o BC melhorar no quesito transparência.

Se fosse no início do regime de metas, até poderíamos entender o desconforto de revelar a “cozinha das projeções”, ainda desarrumada e carente de aprendizado. Mas o regime de metas completa 20 anos!

Uma maior transparência em relação aos modelos e estimativas de variáveis não observáveis usados pela autoridade monetária não significa amarrar suas mãos.

É sabido que uma boa condução de política monetária envolve relevante dosagem de arte, ou, na linguagem técnica, discricionariedade. A diferença seria que, com modelos explícitos, as discricionariedades também o seriam e, de preferência, estariam justificadas na comunicação oficial.

Há uma boa oportunidade para avançar nesse aspecto a partir do projeto de lei complementar 112/2019, que versa sobre o aumento da autonomia do Banco Central. Um aumento dessa autonomia poderia ser combinado à inclusão, ao mandato formal do BC, do objetivo de suavização do ciclo econômico (como defendido por economistas como Armínio Fraga e Fernando Veloso).

Além de meritória —a evidência empírica recente aponta que suavizar os ciclos econômicos eleva o PIB médio—, a inclusão desse objetivo obrigaria o BC a revelar rotineiramente suas estimativas e projeções do excesso de ociosidade da economia brasileira, o que certamente caminharia na direção de maior transparência

Em suma, economistas frequentemente afirmam que transparência é essencial para o constante aperfeiçoamento das políticas públicas. Que essa onda, tão defendida em outras praias, seja surfada também pelo Banco Central.

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