Teles e fabricantes já consideram leilão do 5G adiado para 2021

Setor empresarial recebe sinais de que o certame será postergado para agradar aos EUA; ministro não confirma

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Brasília

Operadoras de telefonia, fornecedores estrangeiros de equipamentos e fabricantes de celulares e de chips telefônicos já consideram a possibilidade de o governo adiar o leilão do 5G como forma de contornar a guerra tecnológica deflagrada entre Estados Unidos e China.

Os EUA atuam para que empresas chinesas sejam impedidas de atuar no mercado de 5G de aliados, entre eles o Brasil.

O governo nega o adiamento. O secretário-executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Julio Semeghini, afirma que o leilão deve ocorrer no fim de 2020.

A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) deve definir as regras do certame na reunião de 12 de dezembro. Depois disso, elas serão submetidas à consulta pública.

Empresas do setor, porém, dizem ter recebido sinais de emissários do governo de que presidente Jair Bolsonaro dará mais um ano para que os americanos, hoje ligados à finlandesa Nokia, consigam aprimorar sua tecnologia 5G e assim competir com a Huawei pelo fornecimento de equipamentos de rede no Brasil.

Com o prazo maior, o Brasil sinalizaria cooperação com os EUA e evitaria comprometer a melhora das relações alcançada pela convergência de ideias entre Trump e Bolsonaro.

Pessoas que participaram das conversas entre os dois governos afirmam que os americanos pediram que o certame fosse adiado em dois anos. 

Nos bastidores, representantes do governo americano já fizeram chegar a Bolsonaro que a parceria estratégica firmada com o presidente Donald Trump na área de segurança ficará comprometida caso a chinesa Huawei possa fornecer equipamentos (antenas e centrais de dados) para a instalação das redes de quinta geração no país.

Segundo relataram interlocutores do governo à Folha, os americanos avisaram, por exemplo, que determinadas informações sensíveis não poderiam ser compartilhadas com países dependentes de redes de comunicação 5G de fabricantes chinesas.

A disputa vai além do território nacional. Embora o Uruguai já tenha o serviço 5G ativo, caberá ao Brasil definir os padrões de rede na América Latina por causa do tamanho de seu mercado interno.

Foi o que ocorreu, em 2006, quando o governo brasileiro adotou o modelo japonês de TV digital, abrindo um novo mercado para o país asiático na América Latina, que acompanhou a escolha brasileira.

Os equipamentos da Huawei são os mais vendidos no mundo porque são menores, mais potentes, conversam com todas as tecnologias disponíveis e custam menos. 

Embora as operadoras possam comprar antenas, rádios e centrais dos três principais fornecedores de 5G no mundo (Huawei, Nokia e Ericsson), elas sempre optam pela melhor relação custo-benefício.

Além do mais, a Huawei já está instalada em mais de 60% das redes de operadoras brasileiras. A sucessão tecnológica é esperada.

Se, por um lado, um novo prazo ajudaria os americanos, por outro, daria mais tempo aos brasileiros na busca de soluções técnicas e legislativas para problemas que podem comprometer o lançamento do 5G, segundo o setor.

Para as teles, a principal barreira é a política de instalação de antenas, hoje a cargo das prefeituras. Muitos municípios não permitem a ampliação do parque alegando até questões de saúde pública em razão das irradiações dos sinais.

Vai ser preciso instalar até dez vezes mais antenas do que há hoje. Sem isso, não será possível comercializar o 5G.

Outro problema é o uso da frequência de 3,5 GHz para a oferta do serviço, faixa hoje destinada para satélites e antenas parabólicas. Existem milhares de parabólicas captando sinais da TV aberta que não chegam nos rincões do país pelas antenas convencionais das emissoras de TV.

Frequências são dutos no ar para o tráfego de sinais de cada operadora.

O edital que será definido pela Anatel não dirá, por exemplo, como resolver as interferências entre o serviço de telefonia 5G na captação de sinais da TV pelas parabólicas. Ambos estariam sendo prestados em faixas de frequências muito próximas, a chamada banda C.

Há quem pense em distribuir filtros para TVs ou antenas das operadoras e emissoras, a exemplo do que ocorreu com o 4G na faixa de 700 MHz. Estima-se que a operação custaria cerca de R$ 1,5 bilhão.

Outros defendem que seria preciso migrar as parabólicas para uma faixa de frequência conhecida no mercado como banda KU, o que custaria R$ 8 bilhões, pelos cálculos do setor.

Na Anatel e no Congresso, questões regulatórias ligadas à oferta de conteúdo via internet também não foram resolvidas. Não se sabe, por exemplo, se a transmissão de conteúdos de TV pela internet, provavelmente o carro-chefe das receitas de 5G, será enquadrada como TV paga, o que mudará totalmente esse negócio.

Grandes estúdios e produtores de conteúdo contam com a massificação da internet de altíssima velocidade (acima de 10 Gbps) para a oferta de aplicativos de canais.

Essa inovação é uma ameaça aos atuais pacotes de TV por assinatura. Muitas operadoras resistem a esse movimento, mas as emissoras de TV, especialmente a Globo, centram investimentos nessa nova plataforma.

Será preciso decidir sobre a tributação dos chips que serão embutidos em utensílios domésticos, móveis, máquinas, veículos, que farão a chamada "internet das coisas". Sem isso, as operadoras dizem não ter como elaborar um modelo de negócio viável para iniciar a operação comercial de 5G.
 

Nova tecnologia é o símbolo máximo da disputa de poder 

Mesmo com ameaça de abalo nas relações com os EUA, países como Reino Unido e Alemanha não baniram a Huawei de suas redes 5G. Os americanos levantam suspeitas de que os equipamentos da empresa chinesa possuem portas de saída que facilitam ataques cibernéticos e espionagem. 

Por esse motivo, o governo dos EUA proibiu agências federais e empresas americanas de negociar com a Huawei equipamentos de 5G.

Nova Zelândia e Austrália, que se preparam para o lançamento da quinta geração da telefonia, seguem alinhados com os americanos, mas também não se decidiram sobre vetos aos chineses.

Hoje, a Huawei é a maior fornecedora de redes de telecomunicações e a segunda maior fabricante de aparelhos do mundo. Cerca de metade dos contratos de instalação de redes de 5G no mundo está concentrada na Huawei.

Em seguida, vem a finlandesa Nokia, que incorporou os laboratórios americanos Bell na fusão com a Alcatel-Lucent, em 2016.

Por trás dessa disputa reside uma guerra tecnológica e outra diplomática. Pela primeira vez, a China pode superar os EUA em uma área sensível, que definirá o futuro das comunicações no mundo. Além disso, a produção do Vale do Silício pode ser superada pela China, que, desde 2014, investe pesado nesse campo. 

A meta dos chineses é chegar a 2030 com receitas superiores a US$ 300 bilhões (R$ 1,3 trilhão), concentrando a produção no próprio país.

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