Governo deve ser seletivo na ajuda para não repetir erro de 2008, diz Hartung

Para ex-governador do ES, é preciso evitar que setores tirem proveito em momentos de fragilidade e retomar a austeridade após crise passar

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São Paulo

Ex-governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, 62, diz que o enfrentamento ao coronavírus não pode repetir os erros da crise de 2008, quando as políticas do governo para tentar estimular a economia acabaram jogando o país numa recessão alguns anos mais tarde.

“O Brasil tem uma experiência de lidar com a crise de 2008/2009, que produziu um fracasso e desorganizou a economia brasileira”, afirma.

Paulo Hartung, 62; graduado em economia pela Universidade Federal do Espírito Santo, foi governador do Espírito Santo (2003-11 e 2015-19), senador (1999-2002) e prefeito de Vitória (1993-97)
Paulo Hartung, 62; graduado em economia pela Universidade Federal do Espírito Santo, foi governador do Espírito Santo (2003-11 e 2015-19), senador (1999-2002) e prefeito de Vitória (1993-97) - Joel Silva - 10.fev.2017/Folhapress

Reconhecido por ter feito uma gestão que arrumou as contas do estado, ele concorda com o aumento do gasto público neste momento, mas de maneira criteriosa.

Governos estão prometendo responder à crise aumentando gasto. O que o sr. acha?
É preciso entender a gravidade da crise. Esta geração não conviveu com nada igual. Você tem uma crise de saúde pública que, ao ser enfrentada, tem um enorme impacto na economia e com repercussões sociais extremamente relevantes. Problema de renda, famílias, desemprego, desocupação. O remédio não é ideológico, de corrente de pensamento político ou econômico. O remédio é universal.

Não tem diferença entre o que o governo chinês está fazendo, o da Alemanha, e o que nós temos de fazer.

Agora, é preciso sacar um dinheiro do futuro, que pertence às futuras gerações. Vai aumentar a dívida do país. O Brasil está indo pegar o dinheiro de seus filhos, netos, futuras gerações. É dinheiro que precisa ser alocado de maneira extremamente respeitosa.

Como evitar que a situação de agora se transforme em insolvência depois?
Crise tem começo, meio e fim. E tem o pós-crise. Temos de trabalhar de uma maneira que no pós-crise o país volte a ter tração de desenvolver e ofertar oportunidades para os seus filhos.

O Brasil tem uma experiência de lidar com a crise de 2008/2009 que produziu um fracasso. Um fracasso que desorganizou a economia brasileira, que gerou um nível de desemprego dramático.

Tem que ampliar o gasto público. Primeiro, para estruturar melhor o nosso serviço de saúde, comprar respiradores, contratar gente, equipamentos de proteção para os profissionais. Pega aquela fila do Bolsa Família e incorpora, mesmo que tenha alguma distorção aqui ou acolá. Cria alguma proteção para os trabalhadores informais.

Mas, daí para a frente, precisa ser muito seletivo. Senão, daqui a pouco está aí o governo cobrindo equívocos de aplicações financeiras de A, B ou C. O software com o qual a gente trabalhava era de uma realidade. A realidade mudou, e a gente tem que trocar o software.

Qual vai ser o momento de retomar a austeridade?
Acho que é possível fazer um bom plano anticíclico que pode consumir recursos da execução orçamentária de 2020 e não penetrar na de 2021.

Olhando as medidas tomadas em 2008/2009, qual foi o grande erro do Brasil? Não foi fazer um plano anticíclico. Na hora em que fez, cuidando do crédito, do consumo, acertou. Errou quando não saiu.

Os EUA protegeram montadoras de automóvel, o que passa do ponto. A Inglaterra protegeu seu sistema bancário. Mas eles foram hábeis de entrar, dar um gás para a economia respirar e tirar o time, deixar a economia fluir.

O sr. acha que pressões políticas e financeiras podem se avolumar?
Precisa ter um perfil no governo central para o enfrentamento dessa crise.

Quando você olha a Segunda Guerra, você vê a figura do [primeiro-ministro Winston] Churchill. Está faltando essa figura para conversar com o Legislativo, com o Judiciário, com a sociedade. Para a gente, ao mesmo tempo, fechar a porta para uma fragilidade humana, que é tentar fazer de uma crise grave como esta oportunidade para tirar proveito.

Quem corrige isso é uma liderança responsável, com credibilidade. Ainda não engatamos a marcha que precisamos engatar. Nesta hora, briga política é uma coisa que beira o absurdo. O que precisamos agora é de união nacional.

O sr. foi governador. O que acha dessa articulação deles à revelia do presidente?
Não tem problema articulação de prefeitos e governadores. Mas tem que articular com o governo federal. Temos uma certeza de que vai piorar muito, para depois melhorar. Como vai sair da crise? A economia brasileira já não estava bem. Cresceu 1,1% no ano passado, um crescimento medíocre. Investimento de 15% do PIB, baixíssimo. Investimento público desapareceu.

Como o sr. viu as medidas de estímulo anunciadas até agora?
São medidas boas. A sociedade não está conseguindo acompanhar o debate e a tramitação delas. Há um problema de comunicação. O pacote tem elementos positivos. Poderão ser complementados por outras medidas, tendo alguns cuidados. Lembrar de onde está vindo esse dinheiro e que essa alocação tem de ser feita com zelo, justiça e por um tempo determinado.

O sr. acha que a crise, quando passar, pode dar impulso às reformas econômicas?
Toda crise carrega três coisas: aprendizado, oportunidades e a ideia de que tem fim, não é eterna. Cria oportunidades para fazermos a discussão sobre o país que queremos, mas não agora. A crise explicita de forma dramática nossas contradições, a desigualdade, a baixíssima mobilidade social.

De que forma a demora do presidente em reconhecer que há uma crise impactam no seu combate?
Está claro que perdemos tempo. Mas não devemos ficar parados, e muito menos transformar esse episódio em luta política. Precisamos de uma liderança. Se eu pudesse clamar por uma coisa, é baixar a bola.

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