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Coronavírus Coronavírus, o debate econômico

Isolamento forçado é a política mais eficiente

Estudos sobre pandemias mostram que deixar economia correr por conta própria não é o melhor nem do ponto de vista de número de mortes, nem do ponto de vista econômico

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Sergio Werlang

Na semana que passou, a China registrou uma contração no PIB (Produto Interno Bruto) de 6,8% no primeiro trimestre deste ano comparado com o último de 2019. Isto logo levou muitos a concluírem que a recessão mundial (e chinesa), causada pela pandemia de Covid-19, seria pior que a causada pela crise financeira de 2008.

No entanto, outros dados mensais mostram algo bem diferente.

O Barômetro Econômico Global coincidente da FGV (Fundação Getulio Vargas), elaborado em conjunto com o Instituto Econômico KOF da ETH Zurique, é uma série mensal de indicadores de atividade econômica no mundo que começou a ser divulgada em março. Além do índice global, há três sub-regiões: Ásia, Pacífico e África (APA), Europa e Hemisfério Ocidental. A FGV também divulgou estas séries desde julho de 1991, de forma que uma comparação com a crise de 2008 é possível.

Em março, a queda do indicador para a APA foi enorme, 27,45% comparado com fevereiro. É o maior valor percentual de queda da série. As notícias do fim da epidemia em Wuhan, epicentro da doença, e do retorno paulatino das interações sociais, faziam supor que o número de abril para o mesmo índice coincidente fosse bem menos severo. Com efeito, em abril o barômetro coincidente para a APA teve queda de 5,72%.

No auge da crise financeira de 2008, meses de novembro e dezembro de 2008, o barômetro coincidente da APA mostrou quedas em relação aos meses anteriores consecutivas de 23,51% e 24,96%. Para comparar o pico da crise de 2008 com a atual, vamos observar a redução acumulada em dois meses.

A composição das duas contrações consecutivas em novembro e dezembro de 2008 e em março e abril de 2020 apontam 42,6% e 31,6%, respectivamente. Ou seja, para a região APA, uma queda em dois meses bem inferior no auge da pandemia do que no pico da crise financeira.

Isto nos leva a crer que a queda acentuada de PIB na China é provavelmente uma foto, mas que haverá recuperação relativamente rápida. Uma observação de cautela: a reativação da economia da China (e da APA, neste indicador) será mais lenta apenas se houver necessidade de manter a economia chinesa com baixa atividade para evitar a reincidência do vírus. Até agora, nada indica ser este o caso.

A experiência chinesa, de que um forte isolamento social de 2,5 meses parece ser o suficiente para domar a Covid-19, faz-nos pensar que esta política intervencionista pode ser a mais indicada.

Primeiro, pelo reduzido número de mortes (mesmo com as revisões feitas recentemente, houve muitas menos mortes na China que em Espanha, Itália, EUA e França, países muito menos populosos). Segundo, porque embora o impacto inicial seja grande na economia, a duração de medidas duras é curta, de modo que tudo indica que haja uma recuperação mais rápida da atividade.

Será que este é mesmo o caso em geral? Muito tem sido produzido no mundo sobre isto.Os estudos e trabalhos que mencionaremos aqui foram divulgados desde 30 de março deste ano.

Correa, Luck e Verner, em “Pandemics Depress the Economy, Public Health Interventions Do Not: Evidence from the 1918 Flu”, analisam as políticas de isolamento social e seus impactos na atividade econômica pós-pandemia. Para isto utilizam os dados da gripe espanhola nos EUA em 1918. Assim como hoje no Brasil, as diferentes localidades utilizaram-se de métodos distintos de combate à doença.

Os autores concluíram que as cidades que começaram a impor isolamento social mais cedo e mantiveram por mais tempo (os isolamentos duraram entre 28 e 170 dias, com média de 88 dias) tiveram desempenho econômico melhor no período pós-pandemia. Hoje há uma grande discussão sobre se a aplicação de medidas mais severas de isolamento seria boa para salvar vidas, mas seria ruim para a economia. Os autores mostraram que, no caso da gripe espanhola nos EUA, não houve esta dicotomia quando se olha o médio prazo.

O que nós vamos ver a seguir é se há justificativa econômica para isto. E depois quais as prescrições de política são recomendadas com base nas evidências e na teoria econômica. Dois trabalhos recentes olham para a economia da pandemia. É de fundamental importância entender o mecanismo econômico por trás das decisões das pessoas numa epidemia.

O modelo clássico de evolução de epidemias data de 1927. É o chamado modelo SIR. A ideia básica é a seguinte. A população é dividida em três grupos: S, o grupo de indivíduos suscetíveis à doença, I, o grupo de infectados e R o grupo de recuperados (que estariam imunizados). Parte dos infectados morre e outra parte torna-se imune, o grupo dos recuperados.

Para ficar claro, o número de infectados em um dado instante (número de indivíduos em I) é o total de pessoas que já foram infectadas, menos as que se recuperaram e as que morreram até aquele momento. Um indivíduo suscetível pode-se tornar infectado ao encontrar-se com um infectado.

No modelo original, tudo acontecia estatisticamente. Na realidade a coisa é outra: os suscetíveis sabem que podem infectar-se se encontrarem com infectados, e assim evitam as interações.

Estes dois estudos recentes (Eichenbaum, Rebelo e Trabandt, NBER Working Paper 26882 e Jones, Phillipon e Venkarteswaran, NBER Working Paper 26984, ambos de abril deste ano) juntam o SIR com as decisões das pessoas na economia. Uma pessoa pode consumir e trabalhar. Os indivíduos de S contaminam-se ao entrarem em contato com pessoas infectadas (de I).

Há duas formas de interação humana que podem levar à contaminação: quando consomem ou quando trabalham.

Se a economia é deixada por si só, sem intervenção governamental, então ocorre um problema: as pessoas vão diminuir o nível de consumo e trabalho. Mas, um indivíduo está basicamente preocupado em seu próprio bem-estar, ou seja, quer evitar ser contaminado. No entanto, tem menos preocupação com causar a possível contaminação de outros —e na Covid-19 há vários infectados assintomáticos.

Dessa maneira, sem intervenção, as pessoas consomem menos e trabalham menos (interagem menos), mas não o suficiente. Nesta situação, temos um problema que é muito conhecido em economia, há externalidades: ações de uma pessoa que não a influenciam diretamente, mas podem influenciar os outros. Tipicamente ocorre que o equilíbrio competitivo (sem intervenção) não é eficiente. Especialmente se o custo desta externalidade for grande. E aqui este custo é muito elevado.

Bethune e Korinek (NBER Working Paper 27009, abril de 2020) estimaram nos EUA que o custo individual é de US$ 80 mil, e que este indivíduo causa um custo social de US$ 286 mil, isto é, mais de três vezes superior ao individual. Pior ainda, o tamanho do problema depende do número de indivíduos infectados. Quanto maior for o grupo I, mais chance uma pessoa suscetível tem de ser infectada.

Quais seriam então as intervenções ótimas?

Os dois estudos acima encontram respostas similares (mas não idênticas) e compatíveis com a evidência que Correa, Luck e Verner acharam analisando a gripe espanhola nos EUA. Os modelos são suficientemente ricos para considerarem que o sistema de saúde pode ficar congestionado, de modo que a taxa de mortalidade pode ficar maior se houver muitas mortes simultâneas.

Além disso, consideram a probabilidade de ser encontrada uma vacina e uma cura por remédio da doença. O fato de o equilíbrio não ser eficiente quer dizer que há intervenções governamentais que diminuem as mortes e aumentam o PIB no médio prazo.

Há várias formas de atingir estas melhoras.

Os dois estudos decidem escolher uma política ótima baseada no valor estatístico da vida nos EUA, entre US$ 9 milhões e US$ 11,5 milhões. Se a vacina ou se o remédio é descoberto, então o problema acaba.

Enquanto tal não ocorre, o modelo de Eichenbaum, Rebelo e Trabandt conclui que a política ótima é começar com grau médio de isolamento social forçado e ir subindo paulatinamente até atingir um máximo. Depois afrouxa-se o isolamento, à proporção que os infectados diminuem.

Já o modelo de Jones, Phillipon e Venkarteswaran acha que o isolamento deve começar no máximo (mais ou menos o que fez a China) e ser vagarosamente relaxado.

Em suma, do ponto de vista econômico a mensagem destes dois trabalhos é clara: deixar a economia correr por conta própria não é o melhor a ser feito, nem do ponto de vista de número de mortes, nem do ponto de vista de atividade econômica a médio prazo.

O isolamento forçado é a política mais eficiente. Em que grau há ainda alguma controvérsia, mas não há dúvida que tem que ser bastante forte para fazer com que as pessoas trabalhem e consumam menos do que gostariam.

À guisa de curiosidade, na semana passada foi divulgada uma aplicação do modelo de Eichenbaum e outros para o Brasil. Este trabalho foi elaborado por Matheus Rabelo de Souza e Johann Soares, um ex-aluno e um aluno da FGV/EPGE.

O que a evidência e a teoria econômica nos ensinam?

  1. Isolamento social forçado é a melhor política, tanto em termos de salvar vidas quanto em termos de PIB. Não há dicotomia. Aparentemente tem havido muito relaxamento individual do isolamento. Deve-se pensar seriamente em introduzir multas (como feito em outros países) para violações das normas.
  2. Deve-se começar o isolamento o quanto antes, e num nível médio/alto (mas possivelmente não máximo).
  3. Testagem em massa é a medida que permite: (1) saber quando é a melhor hora de relaxar o isolamento; (2) incentivar as pessoas a cooperar com o isolamento, pois saberão a probabilidade de se infectarem com mais clareza; (3) tornar possível isolamentos obrigatórios inteligentes: infectados fazem “home office” forçado e recuperados podem circular livremente (com medidas para evitar que espalhem o vírus entre terceiros). Aqui é importante notar que o atual ministro, Nelson Teich, insistiu não somente no isolamento social, mas também que a testagem em massa é essencial. Esperemos que ele consiga cumprir sua determinação.
  4. A hora ideal de iniciar o relaxamento é quando houver sólida queda do número de infectados, do número de mortos e começar a sobrar consistentemente leitos de UTI’s.
  5. Se utilizarmos a China como parâmetro de comparação, a recuperação econômica poderá dar-se mais rapidamente que as expectativas, mesmo se uma vacina ou remédio não forem descobertos. No entanto, no curto prazo o impacto na atividade econômica da política ótima é muito forte. Isto justifica políticas emergenciais, por tempo limitado, de proteção aos empregos, às firmas e aos mais vulneráveis.
  6. Uma ajuda adicional de curto prazo pode ser dada pelo Banco Central, reduzindo substancialmente a taxa de juros.
Sergio Werlang

Foi diretor de política econômica do Banco Central. Assessor da presidência e professor da FGV, é sócio da Tiba Assessoria.

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