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Coronavírus, o debate econômico

Depressão do setor varejista vai continuar, no Brasil e nos Estados Unidos

Pensar em recuperação econômica em V é um equívoco

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Carlos A. Primo Braga

É professor associado da Fundação Dom Cabral, foi diretor de Política Econômica e Dívida do Banco Mundial

O Departamento de Comércio dos EUA anunciou que as vendas no varejo em maio haviam aumentado 17,7% ante abril. Essa taxa de crescimento surpreendeu, já que se esperava um crescimento da ordem de 8%, e se transformou imediatamente em um tuíte presidencial.

Trump mencionou que era o maior aumento mensal já registrado na história da série e que seria um prenúncio para resultados muito positivos em Wall Street e no mercado de trabalho.

O resultado também gera expectativas de que uma recuperação econômica rápida estaria se materializando, a despeito da pandemia.

Qual seja ele é interpretado por analistas como prenúncio de uma recuperação no formato de V. A hipótese subjacente é a de que o choque gerado pelo distanciamento social simplesmente adiou o consumo e, na medida em que essas medidas são relaxadas, uma recuperação rápida de demanda ocorrerá, podendo até promover um overshooting de crescimento.

Nesse cenário, a economia voltaria a crescer à taxa pré-crise, e o PIB seria afetado só temporariamente.

A realidade, porém, é que as disrupções provocadas pelo Sars-CoV-2 e por medidas de saúde pública adotadas são bem mais significativas em termos do mercado de trabalho e estruturas de produção do que experiências passadas.

A expectativa é que a economia dos EUA sofrerá contração da ordem de 5,9% (FMI) ou até mesmo 8,5% (OCDE) em 2020. Tais estimativas sugerem uma recuperação bem mais lenta, em particular, por causa do estado atual do mercado de trabalho nos EUA, com uma taxa de desemprego de 13,3% em maio.

É correto argumentar que a economia americana começa a ensaiar uma recuperação na medida em que as regras de distanciamento social são relaxadas. É importante, no entanto, reconhecer que as vendas de varejo em maio de 2020 ainda estavam 6,1% abaixo do nível de maio de 2019.

Além disso, a recuperação reflete medidas fiscais, que equivalem a cerca de 11% do PIB, e que vêm ajudando a manter a renda dos consumidores. Algumas dessas medidas, no entanto, serão descontinuadas nos próximos meses.

Em síntese, a interpretação desse resultado como evidência de uma recuperação em V é um equívoco. Mesmo assim, a experiência dos EUA sugere que observaremos uma recuperação do varejo brasileiro em junho, já que estamos ensaiando uma abertura gradual da economia.

A depressão do setor, no entanto, permanecerá, e a sustentabilidade dessa retomada dependerá da evolução da pandemia.

Trump, porém, acertou ao prever que o mercado acionário responderia positivamente aos números do varejo nos EUA. Cabe enfatizar, porém, que isso reflete a exuberância irracional de um mercado movido pela avalanche de liquidez propiciada pelo Fed.

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