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Oliver Stuenkel

Estratégia externa de Bolsonaro expõe economia brasileira a riscos políticos

É arriscado o cálculo de que tensões diplomáticas são mal menor comparado à perda de apoio de seguidor radical

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Oliver Stuenkel

Professor de Relações Internacionais da FGV em São Paulo

A política externa de Bolsonaro tem gerado ganhos políticos concretos para o governo. Seu alinhamento quase completo aos EUA de Trump, a postura crítica em relação à China e à Argentina e a reação nacionalista frente à crescente preocupação europeia com a Amazônia fazem sucesso com a base do presidente, gerando a mobilização permanente de que ele necessita.

Presidentes brasileiros costumam enfrentar mais restrições no âmbito doméstico do que na política externa, e Bolsonaro soube utilizar sua liberdade de maneira estratégica e disciplinada. Diante das insatisfações que parte de sua base guarda em relação à aproximação com o centrão e à ideia de que o presidente teria aderido à velha política, a postura anti-globalista tem sido crucial para satisfazer seus eleitores.

Se na política interna Bolsonaro pode até fazer concessões, é no âmbito externo que ele mantém sua estratégia de ruptura, afastando qualquer hipótese de normalização.

O preço desse aceno para a torcida por vezes é a própria economia brasileira. Se no começo do governo investidores internacionais e parceiros estrangeiros ainda confiavam que os "adultos na sala" controlariam o afã do presidente, hoje já está claro que o poder de figuras como Hamilton Mourão e Tereza Cristina é bastante limitado. A política externa encontra-se controlada por um presidente que parece ativamente buscar oportunidades para criar tensões internacionais, produzindo crises sem precedentes nas últimas décadas com parceiros como China, União Europeia e Argentina.

Nos três casos, a expectativa de que uma hora as coisas se normalizariam foram frustradas. Após uma campanha presidencial que incluía fortes ataques à China, Bolsonaro até adotou uma retórica mais pragmática. Mesmo assim, permitiu que seu filho Eduardo e integrantes do governo, como Abraham Weintraub, continuassem a provocar Pequim nas redes sociais, gerando uma resposta de agressividade inédita por parte da diplomacia chinesa. Hoje, a relação é marcada por desconfiança. Uma decisão de banir a Huawei do fornecimento de equipamentos para as redes de 5G no Brasil teria um péssimo impacto para a relação política e comercial, afetando em cheio a economia brasileira.

O mesmo padrão se repete com a União Europeia. A postura ambiental brasileira gerou frustração entre representantes da indústria a favor da ratificação do acordo comercial com o Mercosul. Sobretudo na Alemanha –país mais interessado na parceria–, cresce a impressão de que Bolsonaro pouco se importa com a implementação do que seria o maior acordo comercial na história tanto do Mercosul quanto da União Europeia.

Pressionada por grupos ambientalistas, a chanceler alemã Angela Merkel viu-se obrigada a se opor à ratificação, mesmo sendo uma grande defensora do acordo. Com movimentos ambientais cada vez mais influentes, cresce ainda o risco de boicotes a produtos brasileiros.

Expectativas de normalização da relação entre Bolsonaro e o presidente argentino Alberto Fernández tampouco se concretizaram, gerando consternação entre empresários dos países integrantes do Mercosul.

Mesmo as relações com os Estados Unidos, que até agora foram a prioridade do governo, correm sérios riscos. Diante de um cenário eleitoral no qual Biden lidera com folga, Bolsonaro escolheu responder de maneira agressiva a um comentário do candidato democrata sobre desmatamento na Amazônia. Já seu filho Eduardo compartilhou nas mídias sociais um vídeo pró-Trump, levando a Comissão de Relações Exteriores do Congresso Americano a soltar uma nota de protesto.

Até agora, nada indica que a relação com Washington não tomará o mesmo rumo daquelas com Pequim, Buenos Aires e com os principais países europeus –sobretudo considerando que Biden já prometeu que a questão ambiental estará no centro de sua diplomacia.

Está cada vez mais arriscado o cálculo de Bolsonaro de que o dano econômico causado pelas tensões diplomáticas representa um mal menor comparado à perda de apoio dos seus seguidores mais radicais.

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