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Nelson Barbosa

Brasil abandonou toda e qualquer política de desenvolvimento

Fim da produção da Ford, reestruturação no BB e PDV na Volkswagen refletem mudança tecnológica, mas também desarticulação da política pública

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Nelson Barbosa

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research

O ano não começou bem no emprego. O Banco do Brasil anunciou o fechamento de 361 agências e corte de 5.000 empregos. A Volkswagen abriu plano de demissão voluntária em Taubaté e, na notícia mais bombástica, a Ford anunciou o encerramento de sua produção de veículos no Brasil.

As más notícias do emprego refletem, em parte, mudanças tecnológicas e reorganização dos setores envolvidos.

No setor bancário, o avanço do trabalho remoto e e-banking não requer tantas agências como antes. Vários bancos privados já reduziram sua rede de atendimento presencial. O BB está indo no mesmo caminho.

No setor automotivo, está ocorrendo uma transição tecnológica para produtos de maior valor unitário, com novas tecnologias de propulsão (motores híbridos ou elétricos), e crescimento de novas empresas, como as montadoras chinesas e a Tesla norte-americana.

O encerramento das atividades da Ford no Brasil reflete, em parte, a adaptação da empresa ao novo cenário automotivo mundial, mas não foi somente isso.

A recessão de 2014-16 e a estagnação de 2017-19 também tiveram papel importante, pois a produção brasileira é voltada para o mercado interno.

Sem perspectiva de recuperação de vendas, com o Presidente da República dizendo que o país está quebrado e o Ministro da Economia dizendo que não tem plano de reconstrução econômica pós-pandemia, não surpreende que Ford encerre suas atividades.

Vários analistas já se apressaram a culpar governos passados, por terem dado grandes desonerações para a instalação da Ford no Brasil, especialmente no Nordeste. Acho esta crítica injusta com Fernando Henrique e Antônio Carlos Magalhães, que levaram a Ford para Bahia mediante fortes incentivos estaduais e federais.

Prefiro adotar o “Princípio de Furlan”, segundo o qual não se desonera o que não existe. Traduzindo do economês, os críticos de políticas automotivas dizem que o governo perdeu X bilhões com incentivos A, B e C, tomando como referência a produção existente após o incentivo.

O problema deste raciocínio é que, sem o incentivo, provavelmente a produção não existiria, logo não houve desoneração de fato. Houve incentivo fiscal para criação de renda e emprego, que não aconteceria sem o incentivo.

A crítica válida é que a desoneração não pode ser para sempre. O incentivo deve ser temporário, pois as empresas têm que andar com suas próprias pernas a partir de algum momento. Esta foi a lógica das políticas automotivas dos governos Lula e Dilma, que trouxeram investimentos e empregos para o Brasil, em troca de incentivos com prazo para acabar.

O caso mais famoso foi o Inovar-Auto, que aumentou a capacidade produtiva interna, com cronograma de redução gradual dos incentivos depois de cinco anos.

A redução dos incentivos estava programada para começar em 2017, mas antes disso veio o golpe de 2016 e o Brasil abandonou toda e qualquer política industrial e regional de desenvolvimento.

O desastre começou com os fiscalistas de planilha do governo Temer e se aprofundou com os austríacos de circo do atual governo. Em vez de fazer transição suave de retirada de incentivos, desde 2016, o governo federal optou pelo fim abrupto de vários programas de diversificação produtiva, interrompendo o diálogo necessário com a indústria nacional.

As consequências vêm depois. Estagnação econômica e ausência de política de desenvolvimento produtivo são fatais para a indústria. Infelizmente, enquanto formos governados por terraplanistas, decisões como a da Ford tendem a se repetir em outras empresas e setores.

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