Bolsa oscila com crise sanitária e baque político ao fechar um ano na pandemia

Depois de seis circuit breakers na primeira onda da Covid, Ibovespa se recuperou na esteira de estímulos, mas entra agora em nova fase de incerteza

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São Paulo

Há exatamente um ano, a chegada oficial do coronovírus ao Brasil fez Bolsa brasileira mergulhar. Era o pregão da quarta-feira de Cinzas, 26 de fevereiro, a volta do Carnaval, e o Ibovespa despencou 7%. Foi o primeiro sinal sobre o tamanho do impacto econômico que estava por vir.

Já em abril, porém, a B3, acompanhando os pregões do mundo, iniciou uma recuperação surpreendente. O mercado acionário fechou o ano recuperando perdas e dando até lucros. Ocorre que por uma dessas curiosas coincidências, esta sexta-feira (26) encerra uma semana com turbulências e incertezas.

No Brasil, o baque agora vem da política, especificamente das intervenções do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em estatais listadas na Bolsa, como Petrobras e Banco do Brasil, e da piora do cenário fiscal. Lá fora, cresce a incerteza sobre os efeitos dos pacotes de socorro sobre as economias desenvolvidas, especialmente sobre a inflação e suas consequências.

Em retrospecto, foi um ano de emoções. Quem viveu o mercado financeiro na quarta-feira de Cinzas de 2020, não esquece o sufoco.

“Naquela quarta, o nível de incerteza era muito maior que hoje. Não se conhecia muito a doença, não havia protocolo médico e nem perspectiva de vacina no curto prazo. A única solução era fechar tudo, o que gerou o maior choque econômico dos últimos 100 anos”, afirma Fernando Ferreira, estrategista-chefe da XP.

Naquele pregão, o dólar subiu para R$ 4,45, um recorde nominal (sem considerar a inflação) à época. Desde então, a moeda chegou a R$ 5,9040 em maio, atual recorde nominal.

Painel na B3, em São Paulo
Painel na B3, em São Paulo; em 2021, o Ibovespa acumula queda de 7,4% - REUTERS/Paulo Whitaker

A desvalorização do real e das ações brasileiras em fevereiro de 2020 foi um reflexo do que já estava acontecendo nos mercados de ações internacionais durante o feriado de Carnaval, em que as negociações no Brasil ficaram paralisadas. Investidores se desfaziam rapidamente de ativos de risco com o aumento de casos do coronavírus fora da China, especialmente na Itália.

Em março, o cenário piorou e a B3 teve seis circuit breakers — interrupção das negociações de ativos, derivativos e títulos de renda fixa privada na Bolsa quando a queda do Ibovespa supera 10%. A marca é semelhante à de 2008, ano da crise financeira.

Desde então, diversas vacinas se provaram eficazes contra a Covid-19 e bancos centrais e governos saíram em socorro ao mercado e às economias. Na esteira da ajuda financeira dos Estados e dos rápidos avanços da ciência, as principais Bolsas de Valores globais foram se recuperando.

“Havia muita incerteza do tamanho do colapso. Sem a ajuda dos governos e injeção de estímulo, a crise seria mais severa”, diz Marcelo Sá, Estrategista do Itaú BBA.

Segundo estudo da McKinsey, as respostas de governo à crise de 2020 foram muito superiores à de 2008. A injeção de capital somou algo como US$ 10 trilhões em estímulos econômicos apenas nos dois primeiros meses de impacto do coronavírus, o triplo do que governos gastaram durante toda a crise financeira passada, de acordo com a consultoria.

O estímulo do Estados Unidos até o fim de maio do ano passado foi equivalente a 12,2% do PIB (Produto Interno Bruto) e, na crise de 2008, foi 4,9%. No Brasil, no mesmo período, ele foi de 5,5% do PIB em 2020 e 0,6% em 2008.

Segundo a XP, ano passado foram cerca de US$ 20 trilhões injetados por governos na economia, aproximadamente 23% do PIB global. Este valor, segundo Ferreira é mais do que recuou o PIB global no período, cerca de 4%.

Com o fluxo de recursos e juros baixos no mundo todo, o Ibovespa recuperou o nível anterior à crise em dezembro de 2020 e em janeiro deste ano, bateu novos recordes, chegando à máxima de 125 mil pontos, impulsionado pela eleição do democrata Joe Biden nos Estados Unidos.

No momento, o governo Biden trabalha para liberar um pacote de mais US$ 1,9 trilhão para auxílio aos americanos, exames de Covid-19 e distribuição de vacinas.

O cenário atual, porém, é de aversão a risco por questões internas e externas, que envolvem previsão de juros mais altos no Brasil e nos EUA e a alta nos novos casos de Covid-19.

Intervenções de Bolsonaro

Esta semana foi marcada por forte deterioração dos principais indicadores financeiros do Brasil. A turbulência começou na sexta-feira (19), quando Jair Bolsonaro (sem partido) interferiu no comando da Petrobras e sinalizar outras intervenções em estatais e nos mercados de combustíveis e energia elétrica.

Para investidores, as mudanças sinalizam um recuo em relação à agenda liberal defendida na companha eleitoral e no início do governo.

Nesta sexta-feira (26), as ações do Banco do Brasil foram o destaque negativo. O presidente da instituição, André Brandão, disse ao governo que não pretende seguir no cargo, mais um sinal negativo aos investidores, favoráveis à permanência do executivo.

O desgaste de Brandão teve início em janeiro, com o plano de enxugamento das estruturas do banco estatal, que o presidente da República críticou, ameaçando demiti-lo.

Brandão, Bolsonaro manifestou interesse em trocá-lo do cargo, mas não pretendia fazê-lo agora, sobretudo para não gerar mais desgaste após a intervenção na Petrobras.

“O mercado de capitais brasileiro deu uma esquentada com a eleição de Bolsonaro e a expectativa de reformas, mas os acontecimentos recentes colocam em dúvida a agenda do governo”, diz Claudia Yoshinaga, coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da FGV.

As ações do Banco do Brasil fecharam em queda de 4,91%, a R$ 28,05 cada uma no pregão desta sexta.

As ações da Petrobras também tiveram forte queda. As preferenciais (mais negociadas) cederam 4,09%, a R$ 22,24 cada uma e as ordinárias (com direito a voto) recuaram 3,10%, a R$ 22,15.

O Ibovespa recuou 1,97%, a 110.035,17 pontos, menor patamar desde 30 de novembro. Na semana, recuou 7%, a pior desde outubro. Em fevereiro, acumulou queda de 4,47%, o pior desde setembro.

No ano, o índice recua 7,4%, desempenho pior do que pares estrangeiros. Em Wall Street, por exemplo, os principais índices têm alta de 1% a 2%, aproximadamente.

"Diante de novos rumores [com relação à saída de Brandão] e o caso Petrobras, o mercado já coloca na conta mais uma intervenção estatal e penaliza o índice, assim como inclina ainda mais a curva de juros", afirma Rafael Ribeiro, analista da Clear Corretora.

Juros futuros são taxas de juros esperadas pelo mercado nos próximos meses e anos. São a principal referência para o custo de empréstimos que são liberados atualmente, mas cuja quitação ocorrerá no futuro.

Em um sinal de aversão a risco do mercado e de alta da Selic no curto prazo, os juros futuros ficaram mais altos nesta semana.

O juro para janeiro de 2025 foi de 6,72% na sexta passada (19) para 7,23% nesta sexta, perto do fechamento do pregão. A taxa para janeiro de 2028 foi de 7,60% para 8,02%.

Segundo analistas, a intervenção de Bolsonaro fortalece a perspectiva de alta da Selic em março — atualmente a taxa está na mínima recorde de 2%.

De acordo com a pesquisa Focus divulgada pelo Banco Central na segunda, a expectativa para a taxa básica de juros subiu para 4% ao final de 2021, de 3,75% na semana anterior.

Os economistas do Itaú já preveem a Selic a 5% ao ano no final deste 2021. Antes, esperavam tal mudança para o final de 2022.

A inflação, o aumento de preços de commodities, o aumento de despesas além do teto de gastos com a provável aprovação do novo auxílio emergencial, e risco de antecipação do aperto monetário nos Estados Unidos são citados pelo banco como justificativa para a mudança no cenário.

Diante das incertezas, o risco-país medido pelo CDS de cinco anos acumula alta de 17,8% apenas nesta semana, indo a 191,7 pontos, maior patamar desde novembro. No mês sobe 10,4% e no ano, 33%.

O CDS funciona como um termômetro informal da confiança dos investidores em relação às economias dos países, especialmente emergentes. Se o indicador sobe, é um sinal de que os investidores temem o futuro financeiro do país, se ele cai, o recado é o inverso: sinaliza aumento da confiança em relação à capacidade de o país saldar suas dívidas.

Somando o preção de sexta (18), quando o mercado começou a reagir às falas intervencionistas de Bolsonaro, e de segunda (22), investidores estrangeiros retiraram R$ 6,8 bilhões da Bolsa brasileira.

Em 2020, a saída foi de R$ 31,8 bilhões sem contar ofertas de ações. Em 2019, a sangria foi de R$ 44,5 bilhões.

O movimento pode ser visto na alta do dólar ante o real, que é a terceira moeda global que mais se desvaloriza em 2021, atrás apenas do peso cubano e dinar líbio.

Nesta sexta, ele fechou em alta de 1,65%, a R$ 5,6020. Para conter a alta do dólar, que foi a R$ 5,6090 na máxima do pregão, o Banco Central vendeu US$ 1,545 bilhão no mercado à vista.

Na semana, a moeda americana acumulou ganho de 4,05%, a maior valorização desde a primeira semana de janeiro. No ano, ela se valoriza 7,95% ante o real.

O dólar turismo está a R$ 5,753.

Em Nova York, o índice S&P 500 cedeu 0,48% na sessão. Dow Jones caiu 1,5% e Nasdaq subiu 0,56%.

No Ibovespa, a BRF teve a maior queda desta sexta, com recuo de 7,16%, mesmo após a empresa reportar lucro de R$ 902 milhões no quarto trimestre, acima do esperado no mercado. Em teleconferência com analistas, executivos citaram expectativa de pressão de custos de grãos no primeiro semestre, que deve levar a mudanças nos preços de produtos da companhia.

A Via Varejo recuou 6% e CSN, 5%.

A Minerva teve a maior alta do índice, com valorização de 3,3%. A empresa propôs pagamento complementar de dividendos aos acionistas, embora o lucro líquido no quarto trimestre tenha recuado 53,2% no comparativo anual.

(Com Reuters)

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