Agricultores buscam regularização e infraestrutura de assentamentos

Governo congela desapropriações, mas aumenta distribuição de títulos de terra

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Belo Horizonte

Com cada vez menos novas famílias assentadas e menos terras incorporadas ao Programa Nacional de Reforma Agrária, a gestão do Incra afirma que o foco agora é na regularização e criação de infraestrutura dos assentamentos já existentes.

“A Lei Agrária não pode ser lida em tiras, sob pena de serem criadas verdadeiras favelas rurais, em vez de assentamentos desenvolvidos e consolidados”, diz o órgão em documento enviado ao Supremo Tribunal Federal neste ano.

Sob um céu lilás, uma placa aparece em primeiro plano, do lado esquerdo da fotografia, em uma estrada de terra que leva a uma casa de madeira. A placa, também de madeira, tem como principal cor a vermelha. Nela está escrito "Acampamento Dalcídio Jurandir, 25/julho/2008". Embaixo, há o logo do MST, que é o mapa do Brasil de onde saem dois camponeses, um homem, com um facão na mão, e uma mulher. Na parte de baixo da placa lê-se: "lutar construir reforma agrária popular".
Entrada de assentamento do MST em Eldorado dos Carajás (PA) - Folhapress - 20.jun.2019

Segundo Alair dos Santos, da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares), cerca de 45% dos assentamentos sofrem com falta de infraestrutura.

“O Incra só pode titular um assentamento se tiver pelo menos estrada, água, energia e habitação. Tem região onde os assentados vão abrindo suas estradas para poderem transitar”, afirma Santos.

Para o sindicalista, é fundamental que o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) disponibilize internet aos assentados. “Poderia haver uma política governamental federal ou estadual para prover acesso à rede nos assentamentos.”

A agricultora familiar Valdivina Augusta, 61, mora no assentamento Boa Esperança, em Piracanjuba (GO), a 90 km da capital Goiânia, desde 1996, quando o local foi criado. Por muito tempo, as 53 famílias sofreram com a falta de sinal de telefone. Há quatro anos, os assentados conseguiram que fosse instalado wi-fi no local. “A rede de celular ficou muito precária, nem Vivo, nem Claro, nada funciona. Com o wi-fi, o povo aderiu à internet e o telefone já não é tão essencial.”

Apesar de existir há 25 anos, o assentamento iniciou o processo de regularização apenas há cerca de dois. “A gente não sabia por onde começar e os governos não ajudavam. Foi só a partir do Michel Temer que liberaram”, relembra Augusta.

Em julho de 2017, o governo Temer lançou o Programa Nacional de Regularização Fundiária, para acelerar o processo de titulação.

A expectativa é que o título definitivo das famílias do assentamento saia em breve. “Era para ter saído no início deste ano, mas, com a pandemia, tudo ficou paralisado. Com o título, ficará mais fácil conseguir financiamento porque não dependeremos mais do Incra. A própria terra serve como garantia”, declara a agricultora.

Dados do Incra evidenciam a mudança de foco do órgão nos últimos anos. De 2017 a 2020, o instituto emitiu uma média anual de 70,5 mil títulos provisórios; em comparação, a média anual dos últimos quatro anos do governo Lula foi de 24,6 mil. Nos dois primeiros do governo Bolsonaro, a média foi de 55,6 mil títulos provisórios por ano.

O título provisório antecede o título definitivo, quando o governo transfere o imóvel rural ao assentado em caráter permanente.

De 2017 a 2020, foram 10,8 mil títulos definitivos entregues por ano, com média de 7.000 nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro. Nos quatro anos finais do governo Lula, a entrega de títulos definitivos era de 1,7 mil ao ano.

“A reforma agrária é necessária, mas, se for feita sem as regularidades, sem os títulos, eu acho que é nadar, nadar e não morrer nem na praia, é morrer em alto-mar mesmo”, afirma Matheus Figueiredo, advogado especialista em direito agrário e sócio do escritório Nelson Wilians Advogados.

Com o intuito de mitigar os danos causados pelos cortes da verba destinada à reforma agrária, o governo federal lançou no início do ano o programa Titula Brasil, permitindo que o Incra faça parcerias com municípios para agilizar os processos de regularização fundiária e de entrega de títulos. Na prática, o programa incentiva as prefeituras a formalizarem acordo de cooperação técnica com o Incra, que continua responsável por analisar e emitir os títulos.

Para Matheus Figueiredo, o programa é a solução encontrada para compensar a falta de orçamento do Incra. “Realmente, precisava ter muito mais estrutura e aparato, tanto humano quanto físico. Mas, tendo essa ajuda do município que está próximo a essas áreas, facilita o processo.”

Segundo o Incra, cerca de 350 municípios já aderiram ao programa e outros 542 pedidos estão em análise. Das cooperações firmadas, duas são com capitais: Porto Velho (RO) e Teresina (PI).

Os movimentos que defendem a reforma agrária condenam o que chamam de “terceirização” dos serviços do Incra. “Há questões burocráticas que a prefeitura não tem expertise, queremos que o governo garanta o pleno funcionamento do instituto”, diz Alair dos Santos, da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares).

Já Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST (Movimento Sem Terra), acredita que o programa incentivará a grilagem ao estimular a regularização fundiária de terrenos sem estrutura adequada. “O latifundiário passa, te oferece R$ 1.000 pela terra, e você vende porque não tem alternativa. O Titula Brasil é uma tentativa de reconcentrar a terra na mão do latifundiário.”

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