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Governos brigam para regulamentar criptomoeda canadense-chinesa

Incorporada nas Ilhas Caimã, a companhia cresceu com velocidade extraordinária e se tornou um dos principais atores nessa indústria de moedas digitais

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Adam Samson Brooke Masters
Londres | Financial Times

A companhia Binance, de Changpeng Zhao, está em todo lugar, mas não está sediada em nenhum. A bolsa de criptomoedas processou trilhões de dólares em negócios neste ano, transferindo dinheiro digital e convencional ao redor do mundo por meio de uma constelação de afiliadas. Mas ela não tem uma sede principal.

Incorporada nas Ilhas Caimã, a companhia cresceu com velocidade extraordinária e se tornou um dos principais atores nessa indústria florescente. Mas o império comercial do magnata canadense-chinês hoje está atraindo intenso escrutínio de vigilantes globais que lutam com novas entidades financeiras que atuam em diversas jurisdições, sem ter raízes em nenhuma.

A Binance levou uma vida errante desde sua fundação por Zhao, que atende pelas iniciais CZ, na China quatro anos atrás. A companhia mudou suas operações depois de uma ampla repressão às criptomoedas pelas autoridades chinesas em 2017. Depois que ela pousou no Japão, os órgãos reguladores a avisaram em 2018 que estava fazendo negócios não autorizados em criptomoedas no país.

Changpeng Zhao, fundador da Binance - Divulgação

O então primeiro-ministro de Malta, Joseph Muscat, recebeu a Binance de braços abertos naquele ano, mas em 2020 seu regulador financeiro proclamou que apesar das operações da empresa nesse país, membro da União Europeia, não era responsável por regulamentar a bolsa.

Zhao, cuja riqueza foi avaliada pela Forbes em quase US$ 2 bilhões (R$ 10 bilhões) quando a bitcoin estava em ascensão em março, insiste que a empresa não tem sede formal. "Você precisa ter uma entidade, você precisa ter uma sede, você precisa ter uma conta bancária. Todas essas coisas não precisam existir para companhias de blockchain", disse ele a uma criptoconferência em 2020. Ele não respondeu a um pedido de entrevista para esta reportagem.

Reguladores em três continentes estão impondo controles à companhia, uma das maiores bolsas de criptomoedas do mundo em volume, enquanto tentam policiar a fronteira porosa entre o setor cripto, amplamente desregulamentado, e o mercado financeiro convencional, mais sujeito a controles.

A Autoridade de Conduta Financeira (FCA) do Reino Unido proibiu na semana passada uma afiliada regulada chamada Binance Markets Limited de oferecer qualquer serviço financeiro tradicional que recaia no âmbito do órgão regulador, como arranjar acordos de investimento no Reino Unido. Ele também disse que o grupo não estava autorizado a conduzir negócios com criptomoedas dentro das fronteiras britânicas, e advertiu os consumidores de que transações com empresas não registradas geralmente não são cobertas por esquemas de proteção a investidores.

A medida pelo regulador do Reino Unido se segue a uma advertência do Japão no mês passado que refletiu as preocupações expressas primeiramente em 2018. E ela ocorre enquanto a empresa se prepara para se retirar da província canadense de Ontário depois de uma batida mais ampla por sua Comissão de Valores. A Autoridade Monetária das Ilhas Caimã disse na quinta-feira que a Binance também não está autorizada a conduzir uma bolsa de criptomoedas lá, e está "investigando" se alguma de suas operações está sediada no paraíso fiscal. Na sexta, a Tailândia depositou uma queixa criminal contra a companhia por supostamente operar sem licença.

Enquanto os organogramas da maioria das empresas parece uma pirâmide, com uma sede no topo e subsidiárias abaixo, a da Binance é mais parecida com uma hidra, com unidades semiautônomas operando em todo o mundo. Na Europa, as empresas de propriedade de Zhao em Londres e Vilna, que não são regulamentadas como firmas financeiras, ajudam a bombear moedas fortes para dentro e fora da bolsa Binance através de negócios com processadores de pagamentos baseados no Reino Unido, entre eles Clear Junction e Checkout.com.

A Binance diz que está rapidamente contratando mais pessoal de compliance e usando instrumentos avançados para bloquear qualquer potencial atividade ilícita de seus sistemas. "Levamos muito a sério nossas obrigações legais e trabalhamos duro para construir um programa de compliance robusto", disse ela em uma declaração ao Financial Times.

A ofensiva regulatória contra a companhia e algumas de suas afiliadas ocorre enquanto supervisores financeiros de todo o mundo se preocupam que o dinheiro de drogas ilegais, pedidos de resgate e outros crimes seja lavado para o sistema bancário legítimo através de ligações não monitoradas com a criptomoeda.

"As criptobolsas são a fronteira entre a dark web e o mundo regulado", diz Tom Keatinge, especialista em crime financeiro no Instituto de Serviços Real Unido. "A FCA deveria ser cumprimentada por reprimir a Binance e colocar o temor de Deus em outras [empresas]."

Limites regulatórios

Mas a intervenção do Reino Unido teve efeito prático limitado. Clientes da Binance.com ficaram brevemente sem acesso a saques em libras e alguns clientes do Reino Unido disseram que suas transferências bancárias para a bolsa foram bloqueadas, mas os consumidores ainda puderam adicionar ou retirar euros do sistema, ou sacar suas moedas digitais diretamente da plataforma Binance.

O apagão no início da semana frustrou alguns clientes, com um dono de pequena empresa no Reino Unido dizendo: "Isso me enche de suspeita, e sem dúvida muitos outros clientes... Neste momento não tenho mais confiança de que meu dinheiro está seguro".

O choque da Binance é uma prova do que está por vir, dizem especialistas em ações contra lavagem de dinheiro. Com evidências que remontam a 2015 de que terroristas e criminosos estavam usando criptomoeda para movimentar dinheiro, a Força-Tarefa de Ação Financeira, que comanda a luta global contra dinheiro sujo, pediu uma firme repressão em 2019. Cinquenta e dois países e territórios hoje regulam "provedores de serviços de ativos virtuais", e seis os proibiram totalmente.

As autoridades temem que as pessoas estejam usando dinheiro sujo para comprar o equivalente digital ou aceitá-lo como pagamento por atividades criminosas. Sem controles adequados, as criptobolsas podem se tornar uma maneira de lavar esse dinheiro em euros ou libras limpos.

"O cripto tem sido o faroeste do setor de serviços financeiros, e em grande medida ainda é", disse David Lewis, secretário-executivo da força-tarefa. "Não estamos querendo bloquear essas moedas. Queremos apoiar inovadores responsáveis e criar um campo de jogo nivelado. Ainda há muita arbitragem regulatória em andamento."

As regras contra criptolavagem de dinheiro, lançadas em 2019, exigem que as empresas provem que podem filtrar os clientes criminosos e marcar transações suspeitas. Os reguladores concordam que a maior parte do dinheiro lavado ainda passa por dinheiro vivo, contas bancárias comuns e companhias de fachada, mas eles não querem que as bolsas digitais ofereçam mais um meio aos criminosos.

Os bancos já gastam bilhões em controles contra lavagem de dinheiro, com sucesso misto: hoje os cripto provedores enfrentam as mesmas exigências. Isso sem dúvida vai aumentar os custos, mas também poderá ampliar a atração do setor.

"Ser regulamentado acrescenta uma camada de credibilidade à indústria. Não apenas seu dinheiro estará seguro, como terá maior credibilidade de que estamos tentando conter o crime financeiro", disse Peter Oakes, ex- regulador do sistema bancário irlandês que hoje trabalha com empresas de fintech. "É melhor ter 30% mais gastos em compliance e riscos do que receita zero."

Questões de compliance

Alguns clientes parecem aprovar essa atitude. Desde que foi anunciada a reprodução à Binance, a Bitstamp, uma rival regulada por Luxemburgo que se gaba de sua "abordagem madura", teve um aumento de 138% em inscrições de novos clientes, disse seu executivo-chefe, Julian Sawyer.

A própria Binance já teve de lutar para manter sua função de compliance a par com suas abrangentes operações, na visão de várias pessoas inteiradas das práticas do grupo. Essas operações incluem negócios alavancados em moedas digitais como bitcoin e ether, futuros, opções, poupança, empréstimos e tokens de ações. A companhia processou US$ 5,4 trilhões (R$ 27,1 trilhões) em cripto transações "à vista" neste ano, segundo a firma de pesquisa de cripto e blockchain TheBlockCrypto.

A bolsa foi um dos dois principais destinos para fluxos ilícitos de bitcoins em 2019, com cerca de US$ 770 milhões (R$ 3,8 bilhões) chegando à plataforma vindos de empreendimentos supostamente criminosos, segundo a Chainalysis, provedor de dados sobre a indústria de ativos digitais. Quando o relatório foi publicado, em 2020, a Binance disse que atuava "em compliance e aderia aos regulamentos locais" em todos os mercados onde operava.

Um funcionário da companhia que costumava conectar a Binance aos mercados financeiros tradicionais disse que enquanto a bolsa "fala grosso sobre antilavagem de dinheiro e [regras de] conheça seu cliente", ela é "resistente a atirar recursos humanos em questões de compliance" e preferia automatizar seus controles.

A pessoa acrescenta que sua empresa acabou cortando laços com a Binance por temer que ela não fosse "uma boa publicidade para a [indústria cripto]".

Duas pessoas que conhecem as operações da Binance disseram que conforme seus negócios progrediram ela não tinha os recursos e práticas necessários para cuidar de milhares de transações. Uma delas descreveu alguns clientes da Binance como "tóxicos", porque pareciam ser de muito alto risco.

A Binance diz que é "categoricamente falso" que ela não tenha capacidade de compliance suficiente e que continua investindo na área.

A Binance Markets Limited, que é controlada por Zhao, tentou montar uma bolsa "cercada" no Reino Unido que teria permitido a negociação de tokens digitais contra o euro e a libra. Mas ela retirou sua solicitação em maio, depois que a FCA pediu "divulgação exaustiva" e centenas de páginas de documentos relacionados a controles contra lavagem de dinheiro, segundo uma pessoa inteirada do assunto.

A Binance diz que "investiu consistentemente em seus esforços de compliance... incluindo o uso de algumas das principais ferramentas [de tecnologia de regulação] e vendedores no espaço e fazendo fortes contratações". O grupo acrescenta que duplicou o tamanho de sua equipe de compliance e conformidade jurídica, que hoje é de "centenas", em relação ao ano passado.

A FCA diz que mais de 90% das empresas de bolsas virtuais que inicialmente tentavam cumprir seus critérios para se tornarem criptofirmas registradas retiraram suas solicitações. "É um processo duro e extenso", disse Ryan Moore, executivo-chefe da Mode, que finalmente conseguiu o registro na semana passada, depois de trabalhar com o órgão de vigilância durante quase dois anos. "É um investimento importante em pessoas e tecnologia."

Alguns defensores da cripto afirmam que a repressão regulatória terá consequências imprevistas. Eles citam particularmente as proibições da FCA à venda de derivativos baseados em cripto. "Está forçando os consumidores a olhar para outros países, onde eles não terão o mesmo nível de proteção", disse Nick Jones, que dirige a Zumo, plataforma de cripto no Reino Unido que está no processo de registro formal na FCA.

Outros dizem que a fiscalização mais firme aumentará a confiança do investidor e ajudará o setor a crescer. "Firmas que não têm nada a esconder deveriam aproveitar esta oportunidade de aumentar a confiança em seus negócios buscando o registro e supervisão adequados", disse recentemente Grant Vingoe, o principal regulador em Ontário.

Um usuário baseado no Reino Unido da bolsa Binance adotou uma opinião semelhante, dizendo que pretendia continuar usando a plataforma, mas temia que se as intervenções de reguladores se tornarem uma "ocorrência regular, [forçando as operadoras a] mudar as sedes virtuais de um lugar para outro em um jogo de gato e rato", ele poderia ter de repensar sua fidelidade.

"A cripto já é um cassino sem precisarmos nos preocupar com a parte do dinheiro real na equação", acrescenta ele.

Traduzido originalmente do inglês por Luiz Roberto M. Gonçalves

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