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Nos EUA, nova maioria democrática precisa de uma nova economia

Mesmo retirando as verrugas do capitalismo, você ainda terá um sistema que não possui mecanismos para produzir os empregos necessários

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Stephen Marglin

Professor de economia da cadeira Walter S Barker da Universidade Harvard, é autor de “Raising Keynes: A Twenty-First-Century General Theory” (Ressuscitando Keynes: Uma Teoria Geral do Século 21, sem tradução para o português)

Não adianta procurar uma filosofia que oriente a economia do Partido Republicano além de “quero meu pedaço”. Mas qual é exatamente a filosofia dos democratas? É fácil deixar de perceber a divisão profunda entre a velha economia que guiou o Partido Democrata por uma geração e uma nova economia emergente.

A velha economia se baseia na crença de que a intervenção do governo, como o aborto, deve ser segura, legal e —acima de tudo— rara. O governo é necessário para lidar com verrugas periódicas que aparecem no corpo do capitalismo, mas tudo o que os curativos de curto prazo do governo podem fazer é acelerar o poder natural de cura inerente a uma economia de mercado.

Melhor ainda, são as medidas para remover as verrugas de uma vez por todas, para transformar a economia à imagem do modelo clássico de competição perfeita. Essa filosofia atingiu seu apogeu sob Clinton, culminando no seu caso de amor com a desregulamentação, particularmente do setor financeiro.

O presidente Joe Biden durante pronunciamento sobre os dados do mercado de trabalho; resultado fez Bolsas fecharem em recorde em NY - Kevin Lamarque/Reuters

Sabemos como isso terminou. Alan Greenspan —discípulo de uma versão extrema dessa filosofia consagrada na ficção para jovens adultos de Ayn Rand— presidiu o Fed de 1987 a 2006, saindo logo antes da merda no ventilador, diante da qual declarou-se “chocado! chocado! chocado!” ao descobrir que a autorregulação do sistema financeiro não era tão confiável.

A crise de 2008 e a recessão que se seguiu foram um sinal de alerta, e Greenspan não foi o único que acordou —pelo menos momentaneamente. Pareceu por um tempo que a economia ortodoxa poderia estar aberta a novas ideias. Infelizmente, a profissão rapidamente cerrou fileiras e vozes dissidentes foram, mais uma vez, marginalizadas.

A visão de que o problema são as verrugas, e não o próprio capitalismo, continua a dominar na academia. Mas a heterodoxia começa a fazer ondas. Economistas heterodoxos oferecem entendimentos alternativos de mudança climática, criação de dinheiro, banco central, desigualdade de renda e macroeconomia.

Ironicamente, a macroeconomia surgiu do trabalho do proeminente economista do século 20 John Maynard Keynes. Com o tempo, o radical e heterodoxo Keynes de “A Teoria Geral do Emprego, Juros e Dinheiro” foi transformado pela velha ortodoxia em um teórico supersofisticado das verrugas, especificamente, um teórico de como o capitalismo pode travar se os salários forem insuficientemente flexíveis.

A teoria das verrugas permitiu que os economistas aceitassem alguns dos insights de política de Keynes, em particular as limitações da política monetária e a necessidade de uma política fiscal anticíclica “in extremis”, enquanto rejeitava a ideia de que há alguma falha mais séria que as próprias verrugas. E, extremamente importante, restringir o papel do governo ao alívio das verrugas como esforço estritamente de curto prazo e limitado.

Minha própria contribuição para um crescente corpo de trabalhos heterodoxos, “Raising Keynes”, mostra como e por que a leitura ortodoxa de Keynes está errada e apresenta uma teoria que fundamenta o insight do economista de que, mesmo retirando as verrugas do capitalismo, você ainda terá um sistema que não possui mecanismos confiáveis para produzir os empregos necessários para os que desejam trabalhar.

Você precisa do governo, não de forma ocasional e intermitente, nas emergências, mas o tempo todo, tanto a longo prazo como nas emergências.

A seção de relevância mais imediata para a batalha pela alma econômica do Partido Democrata é a estrutura que apresento para compreender os meandros dos déficits e dívidas. Não só a política fiscal anticíclica mas também os déficits no contexto de uma economia com alto índice de empregos, quando não há mais o almoço grátis possibilitado pela simples combinação de homens e mulheres ociosos às máquinas ociosas. Em que medida a dívida pública deve restringir nossas escolhas?

Está começando a ser entendido que, além das áreas tradicionais de gastos do governo, a economia do século 21 deve incluir a provisão do governo para creches, para idosos e, talvez o mais importante, para uma transição para energias renováveis. Quanto desses bens é suficiente, e quanto devemos nos preocupar com qualquer dívida adicional que um governo robusto possa acarretar?

O governo Biden e a ala Sanders/Warren/Ocasio-Cortez do Partido Democrata substituíram a abordagem apologética dos anos Obama por um compromisso ousado de mobilizar o governo para fazer o que for preciso para fornecer um futuro sustentável e equitativo. Tal como acontece com as iniciativas políticas de Franklin Roosevelt, a ação não esperou a teoria.

Mas as teorias econômicas e a prática política sobem e descem juntas. Keynes e a coalizão do New Deal nos EUA e a social-democracia na Europa apoiaram-se mutuamente; Milton Friedman e outros teóricos de direita e a política antigovernamental Reagan-Thatcher também.

Chegou a hora de uma simbiose de uma nova economia, em que a bideneconomia realmente faça sentido, com a política de uma nova maioria democrata.

Tradução de Joaquim Andrade

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