Cálculo usado para privatização da Eletrobras pode elevar custos aos consumidores

Processo também pode prejudicar geradores hidrelétricos ao mesmo tempo em que beneficia o governo

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Letícia Fucuchima
São Paulo | Reuters

O cálculo das garantias físicas das usinas da Eletrobras realizado para a privatização da estatal tem potencial de prejudicar geradores hidrelétricos e elevar os custos aos consumidores, ao mesmo tempo em que beneficia o governo com maior pagamento de outorga no processo, apontam empresas e uma entidade do setor elétrico.

O assunto é delicado, já que se refere a um dos principais mecanismos do setor elétrico, e vem sendo acompanhado também pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que ainda precisa dar seu aval à privatização da estatal.

Há quem avalie que o recálculo, se exigido, poderia atrasar o cronograma da operação, mas não há consenso.

Logo da Eletrobras em fundo preto
Logo da Eletrobras - Brendan McDermid/Reuters

Em reunião pública nesta sexta-feira, executivos da Engie Brasil, maior geradora de capital privado do país, defenderam uma revisão dos números apresentados para a renovação das concessões da Eletrobras.

"Acho que o governo tem total entendimento de que ele precisa fazer essa modificação. Inclusive, o TCU recomenda que esse recálculo seja feito com dados mais atualizados", disse o presidente da Engie Brasil, Eduardo Sattamini.

Na avaliação da Engie, as garantias físicas foram superestimadas, uma vez que a conta não considerou dados mais recentes de vazões dos empreendimentos, usos consultivos da água, entre outros, nos anos de 2020 e 2021, período de crise hídrica.

Segundo um executivo do setor elétrico que está participando das discussões sobre o tema, as garantias físicas para a privatização da Eletrobras teriam sido superestimadas em quase 2,5 gigawatts (GW) —o valor calculado é de 12,4 GW médios—, o que corresponde a um faturamento adicional de R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões em 30 anos trazido a valor presente.

"É um problema para os investidores, porque vão participar de uma operação com base numa avaliação errada, que deverá ser ajustada lá na frente", afirma a fonte, que pede para não ser identificada.

O bônus de outorga a ser cobrado na operação foi estimado em R$ 23,2 bilhões. Esse valor está sendo avaliado pelo TCU.

De acordo com o relatado pelo TCU, o cálculo realizado pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética) para as garantias físicas da Eletrobras não considerou a atualização de premissas importantes, principalmente por indisponibilidade de dados que deveriam ser fornecidos pela ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico).

A garantia física de uma usina corresponde ao lastro físico que determina o quanto de sua energia é possível de ser comercializada. Usar dados defasados para calculá-la na renovação dos contratos significa que a Eletrobras poderia ter mais energia para vender do que tem capacidade de entregar.

Com isso, sairiam prejudicados os demais participantes do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) —o "condomínio" das hidrelétricas, em que a maior produção de algumas usinas compensa um resultado eventualmente inferior de outras.

Outro grupo que seria afetado são os consumidores de energia, que teriam que pagar pelo novo risco a ser precificado pelos geradores, além de uma eventual contratação de energia de reserva pelo governo para cobrir o déficit do sistema.

A conta extra aos grandes consumidores de energia do mercado livre pode chegar a R$ 400 milhões por ano, de acordo com a Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres).

"Esses valores vêm da precificação pelos demais geradores hidráulicos de subsidiar a Eletrobras e pela possível contratação de energia de reserva para equilibrar o sistema. É um custo que preocupa a indústria", explica o presidente da entidade, Paulo Pedrosa.

Em relatório do TCU, ao qual a Reuters teve acesso, a área técnica da corte ressalta que o problema de superavaliação das garantias físicas de várias hidrelétricas é conhecido do setor, produzindo consequências sistêmicas.

A unidade deixou de propor solução para o tema por entender que o recálculo extrapola o escopo de sua análise e que "poderia demandar um prazo incompatível com o cronograma de privatização da Eletrobras".

Já o Ministério Público junto ao TCU opinou que a corte deveria recomendar ao Ministério de Minas e Energia e à EPE que considerem valores atualizados no cômputo das garantias da Eletrobras.

"Acreditamos que isso ainda é possível sem comprometer o processo de capitalização. Num cenário em que isso não seja feito, tem que ter outra forma de mitigar o dano para os agentes do MRE", disse Marcos Keller, diretor de regulação e mercado da Engie Brasil, durante evento com investidores.

O governo aguarda um posicionamento do TCU para dar andamento à capitalização da estatal. A primeira análise da corte estava prevista para esta quarta-feira, mas o tema acabou sendo excluído de pauta de última hora por causa de "manifestações oriundas do Poder Executivo e da sociedade", disse o relator, ministro Aroldo Cedraz. A previsão é de que o processo seja pautado na reunião do próximo dia 15, disse Cedraz.

Procurado, o Ministério de Minas e Energia afirmou que os dados utilizados no cálculo da garantia física das usinas hidrelétricas da Eletrobras foram os mais atualizados disponíveis na época. Segundo a pasta, não se cogita revisar os montantes publicados na Portaria nº 544/2021.

"A Revisão de Garantias Físicas estabelecida na Portaria nº 544/2021 para as usinas hidrelétricas da Eletrobras contribui de sobremaneira para aprimorar o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), reduzindo o risco hidrológico (GSF) para todos os geradores e consumidores de energia elétrica do Brasil", disse o ministério, em nota.

O TCU foi procurado, mas não comentou imediatamente. A Eletrobras preferiu não comentar.

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